A Retro The Spectrum é mais do que uma recriação simplista e mais do que uma simples peça de coleção. É a ZX Spectrum reinventada e modernizada, capaz de satisfazer os mais nostálgicos e de servir como uma janela educativa para um mundo distante, agora acessível às novas gerações de amantes de videojogos.
Apesar de ter nascido nos anos 80, cresci nos radicais anos 90, uma década marcada por transformações colossais na indústria dos videojogos, com o surgimento dos gráficos 3D e de títulos com apresentações cada vez mais detalhadas e artísticas. Só muito mais tarde comecei a interessar-me verdadeiramente pela “arte” dos videojogos e, consequentemente, pela sua história. Ler, explorar e revisitar outras eras dos videojogos sempre me pareceu algo estranho, quase como ouvir as histórias dos meus avós alentejanos e imaginar que viviam num mundo de cowboys. Parecia algo distante e inalcançável, uma era que só quem a viveu poderia compreender por completo.
Mesmo com as ferramentas de emulação que temos atualmente, a experiência carece de autenticidade. Falta-lhe aquele toque de inocência e a capacidade de nos libertarmos das comparações com a realidade atual. Felizmente, isso começa a mudar, muito graças a consolas colecionáveis e versões “mini” comemorativas, como a PlayStation Classic ou a SNES Mini. Apesar de algumas destas já estarem descontinuadas, ou a preços exorbitantes, a ideia de tornar acessíveis os jogos de outras eras às gerações mais jovens continua a ser louvável. É nesse espírito que surge o esforço da Retro Games Ltd, em parceria com a PLAION, para recriar a icónica ZX Spectrum. O novo dispositivo vai além da simples emulação, proporcionando uma experiência mais autêntica e que, em 2024, marcou a minha primeira incursão na plataforma.
A Retro The Spectrum é exatamente o que se pode imaginar: uma recriação fiel da ZX Spectrum original, ligeiramente mais pequena, mas adaptada às tecnologias modernas. É quase como se fosse uma versão “modificada” da consola original. O design icónico e facilmente reconhecível mantém-se intacto, com o mesmo teclado da versão de 1982, o mesmo formato, cores e detalhes nas teclas, incluindo o padrão prismático num dos cantos. A única mudança evidente é no branding.
Na parte traseira, encontramos as atualizações modernas: uma porta USB-C para alimentação, uma saída HDMI para vídeo a 720p e quatro portas USB-A que permitem ligar comandos ou até adicionar novos jogos. O design torna a Retro The Spectrum num objeto de colecionismo à primeira vista, mas o verdadeiro mérito vai para a Retro Games Ltd pelo trabalho de reconstrução. Os materiais utilizados são de alta qualidade, com plásticos robustos, uma superfície metálica no teclado, botões de borracha macios e responsivos, e uma sensação de solidez impressionante, percetível até pelo peso da consola.
Para além da máquina, o conteúdo da caixa é bastante simples: um manual com um QR Code para as instruções dos 48 jogos pré-instalados, um cabo USB e um cabo HDMI. A instalação é tão descomplicada quanto possível. E sim, leram bem: a Retro The Spectrum inclui 48 jogos pré-instalados. Poderia destacar clássicos como Manic Miner, Horace Goes Skiing e The Hobbit, entre outros mencionados nos comunicados de imprensa, mas, para mim, cada jogo que experimentei — e ainda não os explorei todos — foi uma novidade e uma oportunidade contínua de descoberta.
Ainda no que toca às “modernices” da Retro The Spectrum, esta versão do ZX Spectrum apresenta uma interface atualizada e melhorada. Ao iniciar, somos recebidos por um menu interativo que começa por nos perguntar se preferimos jogar a 50Hz ou a 60Hz. De seguida, acedemos a uma galeria em carrossel com o catálogo completo de jogos, que exibe as capas e um pequeno resumo de cada título, com direito a até quatro slots de gravação. Adicionalmente, a consola inclui uma funcionalidade que permite retroceder até 40 segundos no jogo, ajudando a corrigir aquele Game Over mais injusto.
A partir deste ponto, a minha aventura com a Retro The Spectrum transforma-se numa verdadeira experiência. Aliás, “experiência” é a palavra certa para descrever o uso desta consola, que deve ser vista mais como uma viagem educativa do que como uma plataforma focada no entretenimento.
A aposta da Retro The Spectrum oferece algo claramente distinto dos videojogos contemporâneos. Começando pelos controlos e pela navegação nos menus e jogos, esta consola requer algum tempo de habituação e um conhecimento prévio, que pode ser obtido através dos manuais de cada jogo ou tantos tutoriais pelo YouTube. Isto porque cada título apresenta uma abordagem única ao uso do teclado. Sem um comando compatível (que não está incluído), o primeiro contacto com os jogos pode ser um desafio considerável.
Outro obstáculo prende-se com a forma como os jogos devem ser encarados. Aqui, temos uma janela para o passado, sem filtros: uma representação pura e autêntica da era inicial dos videojogos domésticos. Os gráficos são extremamente pixelizados, com paletas de cores limitadas, e a imaginação dos jogadores desempenha um papel fundamental na construção dos mundos e cenários de ficção e de fantasia, por vezes aproximando-se à experiencia de ler um livro.
Apesar disso, é de destacar o excelente desempenho técnico dos jogos na Retro The Spectrum. Embora a resolução seja de 720p, os visuais pixelizados escalam perfeitamente em ecrãs modernos, incluindo resoluções 1080p e 4K. A 60Hz, os jogos operam com a fluidez esperada para estas experiências. E, numa televisão com ecrã OLED, os resultados são ainda mais impressionantes: os fundos pretos são verdadeiramente profundos, e as cores vibrantes e precisas. É literalmente um “Spectrum HD” sem a necessidade de acessórios adicionais.
Com a possibilidade de adicionar mais jogos via USB, a Retro The Spectrum não é, de facto, um dispositivo essencial para todos os jogadores. No entanto, é uma excelente plataforma educativa e – enquanto não for alvo de especulação e preços inflacionados dos scalpers -, uma oportunidade acessível de conhecer uma parte significativa da história dos videojogos. Ao contrário de outros lançamentos recentes, como as já mencionadas PlayStation Classic ou a SNES Mini, a Retro The Spectrum é uma recriação fiel e autêntica da máquina original, com detalhes suficientes que deverão agradar aos nostálgicos que procuram reviver a infância e, ao mesmo tempo, adicionar uma peça memorável à sua coleção.
O The Spectrum já se encontra à venda em diferentes lojas de retalho por um preço recomendado de 99,99€.
Este dispositivo foi cedido para análise pela Ecoplay.