Simples, sem fogo de artifício, direto ao assunto. Sharon e a sua banda mostraram-se satisfeitos por estarem de volta. Nós gostámos. Muito.
A Aula Magna da Universidade de Lisboa foi o local escolhido para o regresso de Sharon Van Etten e The Weather Station a Portugal. Esta é uma sala pelo qual temos especial carinho, pela sua beleza contida e excelente acústica. Com casa cheia, mostrou-se o local adequado para receber duas das mais respeitadas senhoras da actualidade musical.
Tamara Lindeman aka The Weather Station não é uma novata, mas foi com Ignorance, o excelente álbum lançado no ano passado (para muitos, incluindo este escriba, um dos discos do ano) que se deu a conhecer a um público mais alargado. Entretanto já lançou um novo disco (uma espécie de lado B do disco de 2021), mas foi Ignorance o mote para o início de uma curta digressão europeia (que conta ainda com datas em Braga, Porto, Setúbal e Faro – que bom é ver projetos desta qualidade com tantas datas em Portugal!).
Ao contrário do que esperávamos, subiu a palco, não com banda completa, mas apenas munida da sua voz, de um teclado e de uma violinista (que, por vezes, assumiu o comando nas teclas). Se por um lado perdemos a monumentalidade do disco (composto por belíssimos arranjos), ganhamos em intimidade. Disso exemplo é “Tried to Tell You”, bem mais lenta e sentimental que em disco. A meia hora de concerto deu ainda para uma belíssima versão de “Subdivisions”, a elevar a voz de Tamara, ora sussurrante, ora grave. A terminar, “Thirty”, do homónimo e excelente disco de 2017, The Weather Station, dedicado, nada mais, nada menos que à amiga Francisca Cortesão (Minta & The Brook Trout). As duas conheceram-se há anos atrás quando, na história contada por Tamara, ainda The Weather Station era um projeto desconhecido, recebeu um e-mail de Francisca a elogiar a sua música e a convidá-la para fazerem uma tour conjunta em Portugal. Só isso. Para quê complicar se tudo pode ser simples?
30 minutos de pausa para os últimos retoques, e seguia-se o prato principal: the one and only Sharon Van Etten. Com novo disco recentemente editado, Lisboa foi também o ponto de partida para a tour europeia, três anos e uma pandemia depois (facto assinalado por Sharon, visivelmente satisfeita por estar de volta à estrada fora dos EUA). O concerto inicia-se com a batida forte (quase industrial) de “I’ll Try”, que serviu para aquecer a voz. We’ve Been Going Abouth This All Wrong seria, como expectável, a espinha dorsal do alinhamento. Se algumas das novas canções pareceram precisar ainda um pouco mais de estrada, outras estão já com os arranjos certos, como é o caso de “Anything” (baixo no lugar, bateria certinha, guitarra irrequieta) ou “Born”, mais distorcida que em disco. Duas das que mais gostámos. Sharon van Etten tem, ao longo da sua carreira, feito mais do que ficar ligada ao rótulo inicial de cantautora folk. Nota-se, de disco para disco, uma evolução na sonoridade, sem nunca se repetir. Encontramos mais sintetizadores, mais apontamentos kraut e até uma pitada de psicadelismo.
O regresso ao passado (ainda que não muito longínquo) dá-se com a irrequieta “Comeback Kid” e “No One’s Easy to Love”, de Remind Me Tomorrow (2019). “Porta”, single lançado já este ano, também não foi esquecido. Seguiu-se novo regresso ao baú, primeiro a Epic, de 2010 (“Save Yourself”) e depois a Tramp, de 2012 (“All I Can”), num crescendo contido. Uma mão cheia de músicas, todas distintas, a provarem o quão multifacetada é. Palavra de apreço pelos presentes, que se mostrou um público conhecedor, respeitoso nos momentos mais tranquilos.
Outro dos pontos altos foi a nova “Headspace”, mais uma com um toque industrial, cantada lá de dentro. Nota para os músicos que a acompanham, mais do que competentes, a terem alguns percalços em “Mistakes”, nem por acaso, a provar que os melhores também falham. Timing perfeito para os apresentar um a um.
Uma das surpresas da noite foi a roupagem distinta dada a “Everytime the Sun Comes Up” (os Stone Roses de “Waterfall” mandam-vos cumprimentos). Seguíamos para o final, com a sedução frágil de “Far Away”. 1h10 que passa a voar. Tinha ficado no ar que não terminaria por aqui. O encore faz-se ao som de “Give Out” (bem mais acelerada, mas não menos fantástica que em Tramp) e, claro, está, da tão pedida “Seventeen”, a fazer levantar muito boa gente da cadeira.
Simples, sem fogo de artifício, direto ao assunto. Sharon e a sua banda mostraram-se satisfeitos por estarem de volta. Pelo despacho de artigos na zona do merchandising, o público também. Nós gostámos. Muito.