Não estamos convencidos com o Palco Porto.
Depois de dilúvio épico em Matosinhos a seguir à hora de almoço, digno do musical clássico de 1952, não há Gene Kelly, mas sim os The Beths, quando rolamos pela colina abaixo do Primavera Sound Porto. Esta jóia de agrupamento da Nova Zelândia deu um dos concertos mais açucarados da edição 2023 do Primavera, com a voz de Elizabeth Stokes a planar pelas músicas, em especial de Expert in a Dying Field, álbum de 2022. Quem não conheça, faça o favor de.
Shellac é, como descreveu em tempos o sítio oficial, o pulmão de ferro do festival. Das já algumas vezes que fomos picando Steve Albini, Bob Weston e Todd Trainer, há dias em que o sentido de humor verrinoso da banda de Chicago vale especialmente, outros qb. Foi o último caso que deu sensação no inicio, e por isso se passou com alguma velocidade para os The Murder Capital. Opção que se revelou justa, já que se notou bastante a evolução dos irlandeses face ao concerto com alguns requintes de arrogância (no sentido menos positivo) do ano passado em Paredes de Coura.
Ainda com o pós-punk fortemente referenciado e as calças pretas com cintura bem acima quase até ao umbigo, James McGovern foi diferente, mais aberto e interventivo do que quando apagou cigarros em membros da equipa de segurança no Couraíso. Gigi’s Recovery é disco de afirmação, e músicas como “Return My Head” ou “A Thousand Years” mostram uma banda mais adulta e tranquila na afirmação perante um público mais próximo, e ao mesmo tempo mais distante.
Arlo Parks deu prestação digna de nota no Taboão no último agosto, mas perante tal escassez da passagem do tempo e um último longa duração ainda a ser absorvido ao nível do gosto, Alvvays não foram grande tema em termos da escolha da preferência àquela hora. A banda canadiana leva até à meta uma certa promessa do que aquilo que se achava que iria ser o indie há uma década, mais livre, mais soalheiro. Molly Rankin, a voz feminina que se achava ia dominar a parada, e num momento de sol no Parque da Cidade, tudo o que se passou nos últimos anos de repente faz sentido – estamos cá porque queríamos isto, se se quisesse resumir o mundo Primavera Sound Porto numa cápsula. “After the Earthquake”, “Archie, Marry Me”, e “Dreams Tonite” são hinos que garantem que a Primavera está salva – sempre, porque o nosso sonho é este quando voltamos aqui todos os anos.
Depois de um intervalo para jantar em que Maggie Rogers e Gaz Coombes, de fama Supergrass, acabaram por ser vítimas, Japanese Breakfast, que é como quem diz Michelle Zauner, foi a confirmação ao vivo de mais uma grande esperança. Num festival onde as vozes no feminino têm mostrado uma dominação sem favores do politicamente correto, “Be Sweet” mostra ser uma das grandes músicas dos últimos anos do indie pop, num palco à partida de nicho mas que depressa se transformou numa maioria – não há como resistir a esta delícia. À mesma hora, os Mars Volta mostram que o progressivo ainda continua a ser uma das partes mais relevantes do rock das últimas década, mas a forma de Cedric Rodriguez-Lopez e companheiros levou a dar mais atenção a outras paragens.
Fred Again deu um dos concertos mais marcantes do certame, pela forma como agregou muitos que não são da eletrónica ao seu seio. Podia ter apostado no seu recente álbum gravado com Brian Eno – ícone de muitos dos presentes. Mas não, foi buscar a dança visceral da sequência dos álbuns Actual Life (1, 2, e 3). “Marea” talvez nunca tenha levado tantos a vibrar a um horário tão reduzido e após a libertação das últimas chuvas.
Foi bom prenúncio para a chegada da rainha Rosalía. Da última vez que a vimos cá, em 2019 com o extraordinário El Mal Querer, houve o estrelato global, Motomami, todos aqueles jovens que se casavam com ela naquele momento e naquela hora em que todos se calavam enquanto ao piano soa “Hentai”. Sabe bem tê-la visto então e percebido que dali não há como não dar estrela planetária, e perceber como chegou ao estrelato de agora. Com alguma nostalgia do que foi, mas a torcer para o que está e o que cada vez mais vai ser, fica a ideia que este palco Porto devia ser maior para umas das Grandes – que se comportou como tal.