Esperemos que, numa próxima, Lisboa os trate melhor.
Johnny Jewel é um músico de talentos múltiplos, e tem colaborado ao longo dos anos com vários agrupamentos no selo Italians Do It Better, que cofundou e se tem especializado num som pós-punk, synth-pop e dream pop. Por nós, está ótimo e excelente.
A questão – mais que um problema, já que isto parece algo desenhado de forma bastante propositada – é que parece que está sempre a reiniciar a mesma coisa de tempos a tempos. Desde os Glass Candy de boa memória em conjunto com Ida No e o seu B/E/A/T/B/O/X, em especial a icónica “Digital Versicolor” (utilizada para a apresentação do cartel para o saudoso Primavera Sound Barcelona de 2013), até aos talvez de maior sucesso comercial Chromatics.
Os projetos têm partido e parado, e nos últimos anos tem sido sobre o nome Desire, em conjunto com a vocalista Megan Louise, que Johnny Jewel se tem apresentado. Daqui nasceu o sucesso de “Under Your Spell”, imortalizada na banda sonora do filme Drive realizado por Nicolas Winding Refn, que ajudou tantos artistas a ter carreira, como no caso de Kavinsky (com “Night Call”) ou College (com “A Real Hero”). O mundo da música sintética é generoso para quem nutre carinho por ele.
Os Desire têm feito um caminho mais longo, com uma iconografia bem cuidada (que levou à paragem do concerto após a primeira música do concerto pelo facto do vídeo não estar a passar na totalidade do ecrã), como referências a artistas como David Lynch, e que lhes têm garantido diversas colaborações com marcas de luxo do mundo da moda ao longo dos anos.
Sobre esta noite no Capitólio, importa dizer que a sala não ajudou. Em vez de uma sala cavernosa em modo clube, como deverá ter acontecido no dia seguinte no Porto com o concerto no Música e Outras Coisas (que é como quem diz o M.Ou.Co), o cenário inóspito da sala do Parque Mayer voltou a passar a sua fatura. Desde o entorno bastante despido aos apoios das casas de banho e bengaleiro num andar inferior e à venda de material (a apostar muito num vinil cor-de-rosa de música inspirada em Madonna, por algum motivo), quando se entra na sala principal daquilo que já foi um dos teatros mais importantes da cidade, a inspiração não é larga.
Desta vez, vê-se uma cortina bastante avançada a limitar visualmente o tamanho da sala quando se chega a horas para a primeira parte com Love Object e Orion (destaque para “Cambodia”, bem recebida), projetos também com a estampilha Italians Do It Better e o seu ideólogo em palco – coisa que até levanta alguma confusão no início a alguns presentes num jogo de quem é quem, devido às semelhanças de estilo musical e na presença de uma vocalista feminina em ambos os casos.
Quando finalmente chegamos a Desire, a vocalista Megan Louise entra em cena com o seu estilo glamouroso – gabardine vermelha ainda vestida antes de mostrar o vestido preto com botas altas em que uma tende a cair, juntamente com Johnny Jewel e a teclista (pelo que percebemos, também Louise) que os fez acompanhar também num estilo altamente sensualizado – e estilizado.
“Darkside”, single de 2024, fez o arranque, seguida tempo depois por “Black Latex”, com boa parte da letra em francês a fazer jus às raízes quebecois da cantora e figura principal em cena. Está dado o mote. O domínio dos sintetizadores está garantido para a noite, como muitas novidades com “Vampire”, pouco antes da comum em palco versão de “Bizarre Love Triangle” dos New Order, sempre boa para agarrar os menos iniciados ao repertório.
Num concerto bem concentrado – no final de contas mais pareceu um showcase de vários artistas da editora -, o hino “Under Your Spell” agitou os presentes, e a orelhuda “Drama Queen” – outra fresca – teve forte destaque com direito vídeo clip próprio.
No fundo, a produção meio faça você mesmo até aqueceu a alma e fez recordar frequência de concertos de algumas editoras portuguesas de há uns anos, como a Flor Caveira e a Amor Fúria no saudoso Santiago Alquimista. Só que lá, a escala estava certa. Aqui, ficou meio estranho naquele lugar. No entanto, obrigado por terem vindo. Para a próxima a ver se Lisboa vos trata melhor.
Foto de: Gonçalo Silva