Björk na Altice Arena – Flores para um futuro melhor

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O visceral e o onírico a misturarem-se em palco numa atmosfera irreal.

A espera pelo dia foi longa e tumultuosa. A primeira aquisição de bilhete foi em 2003 (1996 no Coliseu dos Recreios ainda éramos muito garotos), numa edição de um fugaz Optimus.Hype@meco (nome modernaço à anos 2000), mas as longas filas de trânsito no acesso ao festival levaram a que se assistisse a pouco mais do que à despedida e saída de palco de Björk Guðmundsdóttir – seguiu-se na altura um concerto surpreendente de Moby. Um incidente que gerou alergia eterna à Herdade do Cabeço de Flauta como recinto para concertos.

Depois, uma passagem pelo Sudoeste TMN de 2008 e dois anúncios para festivais onde se vai, sim ou sim. Em 2012 para a primeira edição do então Optimus Primavera Sound – cancelada por causa de uma inflamação nos nódulos das cordas vocais; e em 2018 no Vodafone Paredes de Coura, tendo sido até o primeiro nome anunciado. Desta vez, foram uns mais frustrantes “imprevistos logísticos” que levaram a mais um cancelamento.

Um vinténio passado, a 1 de setembro deste ano, foi a valer, e em nome próprio para a apresentação da tournée de “Cornucopia”, a preços de 2023 (t-shirts a 45€ na banca de merchandising…) onde se dá destaque aos últimos discos de longa escuta da islandesa: Utopia, de 2017, e Fossora, de 2022. A imprevisível fada-duende não surpreende a surpreender com a sua imagética pós-moderna, num espetáculo com uma componente visual muito forte. Uma nova natureza, meio aquática, meio alienígena, ia surgindo à frente dos nosso olhos, enquanto Björk surge com máscara na cara e nuvens à volta do corpo.

Sendo entrecortada com diversas gravações de natureza, de vastíssimo e belo coro presente em que vários elementos apresentam aquilo que se presume ser roupa tradicional da Islândia, e no fim por uma declaração de companheira nórdica Greta Thunberg feita de propósito para este espetáculo, no seu tom angelical das crianças ao poder enquanto salvação do planeta, o alfa e o ómega disto tudo é a voz.

E que voz única, que continua em bela forma e soou bem numa sala tradicionalmente difícil (estava também alta, a fazer arrependimento dos tampões terem sido deixados em casa). “Isobel” é recordação trazida dos tempos de Post, tal como “Hidden Place” e “Pagan Poetry” o serão mais tarde para Vespertine, mas o destaque aqui não é tanto de canções como de viagem por um ambiente, muitas vezes a lembrar os quadros de Georgia O’Keefe e algum surrealismo que sempre a acompanhou.

Flores a desabrochar, muitas vezes a sair da boca das pessoas. No que diz respeito a concertos, também a memória das projeções gráficas dos Tool neste mesmo pavilhão em 2019 – onde estão plantas e mares, lá estavam órgãos e lava, curiosamente com uma dinâmica evolutiva bem semelhante. O visceral e o onírico a misturarem-se em palco numa atmosfera irreal.

No meio a cortina cai não para efeitos visuais, mas para texto, onde se defendem as metas dos acordos de Paris como utopia realizável, e pela defesa de uma “matriarchal dome”, antes do regresso com “Body Memory”. Uma abordagem mais suave do que as imagens cruas mostradas por exemplo por Morrissey, outro artista que defende sem medo as suas causas ambientais e éticas, quando visitou o Coliseu dos Recreios e colocou animais no matadouro na tela em 2014. Enquanto ali se defendia a mudança na hora e prática do it you yourself herdeira do punk, aqui ela está embrulhada numa carga de tom futurista, embora as raízes se vejam bem que vão ao mesmo chão – Björk andou também por aqueles territórios musicais no início de sua carreira.

Os sons da natureza são sempre dominantes antes da voz translúcida dominar a cena, como em “Losss” ou a mensagem mais evidente de “Tabula Rasa”, de Utopia, antes do encore com “Notget” e “Future Forever”.

Curiosamente, tudo isto fez lembrar um vídeo de há vários anos em que Björk, na sua melhor voz ASMR, fala da sua televisão CRT e desmonta a parte de trás da mesma para perceber como funciona. Fala dos circuitos como modelos à escada de cidades, dos fios enquanto condutores de imagens, informação lida num livro técnico dinamarquês. Refere também que, durante vários anos, não via televisão porque um poeta islandês disse que não o deveria fazer porque são milhares de imagens que afetam o nosso julgamento, mas que a verdade científica tal como escrita naquele livro é muito melhor. Estava por isso chateada com o poeta. Arriscamos que hoje talvez nem tanto.

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