Texto de: António Bexiga
Venho do Alentejo profundo. O meu caminho fez-se de rios, boleias, rock’n’roll e viola campaniça. A minha música é avessa a fronteiras. A Why Portugal tornou-se um aliado para a internacionalização. Uma viagem com raízes no futuro.
O princípio
Tudo começou numa pequena aldeia da raia alentejana, há mais de 40 anos. Crescer longe implicou viajar muito, porque tudo – ou quase tudo – estava bastante longe. Perto, só mesmo o rio. E Espanha, que para mim nunca foi outro país – era apenas outro sítio.
Para estudar música na Academia dos Amadores de Música de Évora, fazia intermináveis viagens de autocarro ou apanhava boleia de gente mais ou menos conhecida. Ou era o meu pai que, na sua infinita paciência, me levava. Ou então era a minha professora de piano, a grande Ana Maria, no carro conduzido pelo marido, que me levava numa parte do caminho.
De lado nenhum e de todo o lado
Para um ser da aldeia, terei perdido muitas horas de campo – e algumas de rio – a navegar por escalas e acordes. E terei perdido outras tantas de urbanidade nos bancos de carros e autocarros. Sou uma daquelas pessoas que, para rural, não sabe distinguir muitas plantas (algumas, nem mesmo de bichos), e que também não ostenta a urbanidade de quem cresceu na cidade.
Com as primeiras bandas vieram muitos quilómetros e mais amigos — amigos que iam a concertos, ao teatro, ao cinema. Eu queria fazer tudo, enquanto mergulhava no rio e ia às festas da aldeia. E fiz isso tudo. Dormia pouco, viajava muito – nessa altura de DT LC Azul, fizesse chuva ou frio, sol ou nevoeiro.
Na adolescência, comecei a ver a minha casa [na aldeia] como parte de um bairro da cidade — um bairro afastado, mas ainda assim da cidade. Depois dos concertos, o meu regresso era sempre mais demorado. Tornei-me, entre os meus amigos, o maior colecionador de “histórias de regresso a casa”.
Mais tarde, a minha casa passou a fazer parte de todas as cidades. Declarei o meu bairro como pertencente à jurisdição do mundo – vejo a minha música da mesma forma.
Um som avesso a fronteiras
Sou internacional desde que me conheço. Cresci a mergulhar num rio – o Guadiana – que muita gente da minha terra trata no feminino, “a Guadiana”. Um rio entre dois países. Mais caminho que outra coisa.
A minha música nasceu dessa margem e é, por natureza, avessa a fronteiras. Comecei cedo a tocar em Espanha. Depois veio a Alemanha. A partir daí, vieram outros países e continentes – a solo ou em coletivo – quase sempre naquela lógica de “concerto puxa concerto”.
Internacionalizar não é apenas tocar fora de casa. É dialogar, adaptar, escutar.
Why Portugal: uma janela aberta para o mundo
A Why Portugal apresentou-me um ecossistema que desconhecia: oportunidades concretas de internacionalização, export offices, showcases, redes. Trouxe ferramentas, apoio a candidaturas, momentos de formação, presença em eventos – e a promoção da música portuguesa em contexto internacional.
Mais do que uma plataforma, é um ponto de apoio fundamental para quem, como eu, começou a construir o seu caminho a partir do interior profundo.
RAIA: entre tradição e experimentação
RAIA nasceu da vontade de experimentar – misturar o acústico e o elétrico, tradição e experimentação, composição e improviso. Um projeto com os pés bem assentes na planície, dos dois lados do rio, e os ouvidos sempre abertos para uma escuta profunda.
Enquanto artista independente, encontro na Why Portugal um parceiro de caminhada.
Internacionalizar exige estrutura, tempo, investimento emocional e financeiro. Exige tradução, persistência, rede e vontade de ir, mesmo quando é longe.
Um país com muitas vozes: A diversidade como direção
É urgente investir na diversidade geográfica e estética da música portuguesa. Apoiar criadores independentes, valorizar as cenas regionais, escutar quem arrisca caminhos fora do eixo.
O futuro da exportação musical portuguesa estará, necessariamente, na pluralidade.
António Bexiga é músico, compositor e produtor, natural de Évora e criado na raia alentejana. O seu percurso cruza tradição e experimentação, com a viola campaniça no centro da criação, em diálogo com as artes visuais e performativas contemporâneas.
O seu projeto solo, RAIA, tem levado a viola campaniça a vários continentes — da Europa à América do Norte, passando por África e Ásia — tanto em formato solo como em colaborações com artistas das mais diversas proveniências e diferentes linguagens.
Além dos concertos, António dedica-se à investigação, ensino e partilha de saberes ligados à música de raíz e aos seus cruzamentos e perceções, desenvolvendo aulas-concerto em escolas, universidades e conservatórios de música, festivais e outros eventos temáticos.
António foi membro dos Uxu Kalhus e No Mazurka Band e fundador de Há Lobos sem Ser na Serra, Bicho do Mato, Duas Violas, entre outros.
Gravou com artistas como Kepa Junkera, Celina da Piedade, Cantadores de Paris, Omiri, O Gajo, Lenna Bahule, Muhamago e Varejashree Venogupal, Puder Girl, Cardo Roxo, entre muitos outros.
É um dos compositores de “O Céu do Pastor”, música da Évora_27 – Capital Europeia da Cultura. Fundador da Boa Companhia – teatro para todos, membro dos Lusitanian Ghosts e do coletivo Além Cabul. Criador e mentor do projeto RAIA, o qual podem acompanhar através do Instagram, Facebook, Spotify e YouTube.
Foto: Mónica Batista