Um vinho e um caminho: Quinta do Sampayo assume futuro na viticultura regenerativa

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A apresentação do tinto Quinta do Sampayo 2024 destacou a transição para a agricultura regenerativa e o reforço da sustentabilidade na histórica quinta ribatejana.

A Quinta do Sampayo, localizada em Valdapinta, na região do Tejo, aproveitou a apresentação do vinho tinto Quinta do Sampayo 2024 para mostrar muito mais do que um novo rótulo. Numa manhã dedicada a vários convidados, a propriedade familiar com mais de 300 anos de história expôs a estratégia para os próximos anos: aposta consistente na agricultura regenerativa, compromisso com a sustentabilidade, envolvimento ativo da comunidade e vinhos que pretendem ser expressão direta do lugar.

Ana e Pedro Macedo são o casal que hoje lidera o projeto. Ana sublinhou que a Quinta do Sampayo é, antes de mais, o concretizar de um sonho do pai e a continuidade de uma longa história familiar. Pedro reforçou essa dimensão, descrevendo como o projeto passou de ideia a modo de vida: para o casal, para os filhos e até para a mãe de Ana, também envolvida no dia-a-dia da quinta. A decisão de regressar ao Ribatejo foi tomada com os filhos em mente, numa reflexão sobre o legado a deixar. Daí a opção de fazer vinho “à sua maneira”, mas com um princípio assumido desde o início: só engarrafar aquilo que gostam de beber e que possam partilhar com honestidade.

Um dos eixos centrais da apresentação da Quinta do Sampayo foi a mudança de paradigma na vinha. O objetivo passa por se afastar do modelo convencional e assumir, de forma coerente, a agricultura regenerativa. A equipa descreve este caminho como um desafio técnico e um compromisso ambiental. A estratégia assenta no uso de cobertos vegetais e em práticas pensadas para oxigenar e descompactar um solo inicialmente pobre, devolvendo-lhe vida e resiliência. O solo deixa de ser entendido como mero suporte físico e passa a ser visto como organismo vivo, fundamental para a saúde da planta.

O enólogo Marco Crespo e o viticultor André Domingos detalharam o trabalho em curso de mapeamento e classificação dos solos. Dentro da mesma parcela, identificam-se frequentemente vários tipos de solo, o que obriga a um nível de detalhe pouco habitual na região. Esse conhecimento serve de base à escolha dos porta-enxertos e das castas mais adequadas a cada microzona, numa lógica assumida de construção de vinhos de terroir. Ambos reconheceram que se trata de um processo longo, ainda em fase de consolidação, mas que já começa a produzir informação relevante para a definição do estilo futuro dos vinhos.

A sustentabilidade, tema cada vez mais presente no discurso do setor, foi abordada com insistência e algum cuidado semântico. A ideia de que o ambiente não é ilimitado e de que os recursos naturais têm de ser poupados atravessou várias intervenções. Na prática, isso traduz-se em medidas concretas: utilização de rótulos reciclados, lacre natural, abandono do alumínio, controlo rigoroso do consumo de água e de outros insumos, tanto na vinha como na adega. Houve também um sublinhado sobre a necessidade de ir além da retórica: mais do que slogans, a quinta pretende mostrar resultados mensuráveis e decisões que, na prática, recusem caminhos pouco sustentáveis, mesmo quando seriam apelativos em termos de imagem.

A relação com a comunidade local e com as escolas foi apresentada como parte integrante do projeto, e não como iniciativa paralela. Na vinha, surgem hotéis de insetos construídos por alunos em contexto escolar, decorados por eles e instalados na quinta num dia de visita. O objetivo passa por favorecer uma cadeia alimentar funcional, com insetos benéficos, pequenos mamíferos, aves e predadores naturais a contribuírem para o equilíbrio do ecossistema. Estão igualmente a ser criados abrigos para morcegos e espaços para pequenos animais, num esforço de aumentar a biodiversidade.

Esta abertura à fauna também traz desafios: javalis e raposas causam estragos significativos e obrigam a pensar soluções em conjunto com a comunidade e as autoridades, sem comprometer os princípios do projeto. Ainda assim, a equipa insiste que a aprendizagem passa precisamente por lidar com essa realidade, e que o contacto de crianças e famílias com a terra, com o ciclo alimentar e com a produção de vinho é parte essencial da mensagem que querem transmitir.

Quinta do Sampayo 2024 – Um tinto pensado para a mesa

Quinta do Sampayo Tinto 2024

O momento mais aguardado foi a apresentação do tinto Quinta do Sampayo 2024. Segundo Marco Crespo, o vinho resulta de um lote de três castas autóctones portuguesas, vindimadas manualmente e fermentadas em conjunto em lagares de inox, com controlo de temperatura e remontagens suaves. O perfil foge deliberadamente a uma imagem mais pesada associada a alguns tintos da região. Com 12% de teor alcoólico, o vinho procura frescura, precisão e vocação gastronómica.

Uma parte do lote estagiou cerca de seis meses em barricas de carvalho francês, não em totalidade, de forma a adicionar textura e complexidade sem dominar o conjunto. O restante permaneceu em inox, preservando a expressão direta da fruta. Na prova comentada, destacou-se a densidade de cor, a limpeza aromática, taninos polidos e uma acidez viva, apontando para um tinto pensado para a mesa, com capacidade de evolução em garrafa, mas pronto a ser bebido.

Em termos conceptuais, o vinho foi enquadrado na tendência dos tintos mais leves e frescos, mas sem cair no simplismo. A intenção declarada é manter estrutura e profundidade, trabalhando com extrações mais contidas e com um uso muito criterioso da madeira. A autenticidade surge aqui como palavra-chave: uvas da própria quinta, castas portuguesas, decisões enológicas alinhadas com a ideia de transparência em relação à origem.

Marco não escondeu o entusiasmo com o potencial da propriedade, que descreveu como “uma grande quinta, com um potencial enorme”, marcada por uma diversidade de solos e microclimas que raramente são associados de forma tão explícita à região do Tejo. A equipa considera que o estilo definitivo dos vinhos Quinta do Sampayo só estará plenamente desenhado dentro de alguns anos, quando o trabalho de viticultura regenerativa e de leitura dos solos estiver mais maduro, mas assume este tinto 2024 como um cartão de visita claro do caminho que querem seguir.

Alexandre Lopes
Alexandre Lopes
Licenciado em Comunicação Social e Educação Multimédia no Instituto Politécnico de Leiria, sou um dos fundadores do Echo Boomer. Aficcionado por novas tecnologias, amante de boa gastronomia - e de viagens inesquecíveis! - e apaixonado pelo mundo da música.
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