O primeiro dia do Primavera Sound Porto 2025 teve propostas para todos os gostos, Fontaines D.C., Anohni, Charli XCX ou Caribou.
Não há que negar, 2025 é ano verde em Portugal. Uma camada adicional de clorofila preenche a cidade do Porto nesta tarde de 5ª feira, como se comprova na viagem de metro até à estação da Câmara de Matosinhos, cheia do fluorescente dos Charli’s Angels bem mesclado com referências aos rapazes do Eire que também têm feito sucesso (além de outras, claro). Dito isto, animação no percurso e toda a gente a curtir a sua – civismo bem.
Acreditação feita, a entrada no recinto perto das 19h faz-se já com alguma multidão, muito embora a fila ande depressa. É, no entanto, um sinal do que está para vir. Cá ainda é preciso colocar pulseira para depois validar a entrada, enquanto, de acordo com os nossos agentes, em Barcelona já se usa o Access Ticket, app onde está o bilhete e a validação com código QR. Na entrada coloca-se a pulseira, mas meramente como adereço. Parece o caminho a seguir, salvaguardando um pequeno setor para os excluídos de energia elétrica ou telemóvel esperto.
Já dentro do belo Parque da Cidade, importa fazer aviso à navegação: estes dias de reportagem vão ser tipo um dos slogans da Radar: Outra música. Talvez fadiga da massificação do número de espetadores no recinto, a missão de 2025 é, essencialmente, ir à procura de artistas nunca antes vistos ao vivo, não tanto na malta que neste momento tá a bater. Também por isso, não haverá tantas referências a faixas e álbuns, mas sim a ambientes. É assim.
Rumo então ao palco Vodafone para assistir ao final da atuação dos Dehd, trio americano do indie rock já com uma década de trabalho e discografia farta no cinto. Até pela proximidade da entrada do recinto, este palco com historial bem polémico acaba por absorver muitos dos que chegam, pelo que há boa moldura humana a assistir. A boa notícia é que soa bem, muita clareza para quem movimenta ali na zona central do relvado. Boa guitarra (da cor que domina este dia), e os vocais conjuntos de Emily Kempf e Jason Balla a funcionarem bem no final com “Flying” e “Dog Days”. Para início, estamos bem.
O palco Revolut funcionou ainda melhor para os This Is Lorelei, modo colina para se poder sentar e apreciar o concerto em todo o seu esplendor. Projeto de Nate Amos, mais conhecido pelos Water from Your Eyes. Letras leves em cima debatidas rápidas debitadas pelo trio em palco, vários géneros de americana a serem desfilados, indo de alguma lembrança afetiva dos seminais Neutral Milk Hotel até ao banjo em pano de fundo a levar para uma onda bluegrass. Há aqui talento e trabalho.
Ao mesmo tempo, chegam notícias de filas épicas para tentar entrar no recinto, não por acaso relacionadas com a proximidade dos Fontaines D.C., a atual coqueluche da ilha esmeralda A geração Z chega tarde. Reconhecimento justo, sem dúvida, mas já os vimos em Paredes de Coura ainda em agosto passado, pelo que perante a alternativa de Alan Sparhawk não há grandes dúvidas sobre o que fazer.
É um concerto, no mínimo, diferente. Parte inicial com o grande homem de longos cabelos com camisola preta, saltos tipo rave dos anos 90 e muita distorção vocal via vocoder. É interessante, mas perto da meia hora já há algum cansaço. O tema é o que vem a seguir. E o que vem a seguir é Low e o mais recente disco Alan Sparhawk with Trampled by Turtles, dolorosamente amputado da cara-metade Mimi Parker. Alan Sparhawk, que já tinha brindado a cidade com um concerto no passado dia 10 que muito se saúda, é com certeza o artista mais condoído que já se viu pelas várias edições do Primavera Sound Porto. Devastador na beleza do lirismo das canções e nas declarações sobre o porquê de tanta guerra e tanto sofrimento, atinge-se o sublime com “Too High, “Stranger” e “Not Broken”. ATP vibes, como se comenta entre o público das primeiras filas. É mais difícil, mas ainda há é possível ter momentos assim na espuma destes dias. No final, quase choro e agradecimento repetido. Caramba.
Há a beleza de Anohni and the Johnsons a ser preparada no palco ali à beira, mas a busca do novo acaba por ganhar e vai-se a Magdalena Bay. Mudança de 180º, festa a ser montada desde o início com a apresentação por Mica Tenenbaum de uma mistery tour. Projeção bem pop, imagens de DVD alternadas com lábios vermelhos, muitas idas às teclas enquanto a outra metade do duo, Matthew Lewin, controla as operações cá de trás. Segue-se uma festa eletro pop sem parar em que Mica não para com o seu fato com calças azuis de princesa Jasmine, acompanhada por vezes de adereços como um malmequer para colocar na cabeça, ou sacar do maior teclado para carregar ao peito que nos lembramos. E “Image” ou “Death & Romance” são simplesmente maravilhosas. Quem gosta de pop orelhuda e esperta que vá por aqui, não se irá arrepender.
Ainda se tenta assistir à perna final de Anohni, mas o cenário está agressivo. Colina acima grupos sem fim em bato papo sem parar, claramente a usar como momento lounge antes da entrada no evento principal um concerto que não o merece. Perante tal ruído, acabou por ser melhor estar sentado no meio de uma floresta de pernas, que sempre isolam e as cabeças falantes ficam mais longe. Ainda assim, sempre se conseguem ver imagens de corais australianos como pano de fundo para a voz etérea. É o que dá. Sinceramente, metam umas fitas no chão onde se recomenda que a partir dali não seja salão de conversa – civismo mal.
Sobre o fenómeno mediático da noite, Charli XCX, havia certamente curiosidade para perceber a dinâmica do espetáculo ao vivo. Rapidamente dissipada, artista sozinha em palco em cima de pré-gravados a fazer a sua aeróbica e a puxar pelo público, cenário minimal. A diferença prática em relação a meter as faixas de BRAT (várias das quais gostamos) no sistema de som é pouca ou nada, mas o pessoal da frente estava maluco por conseguir estar naquele ali e agora.