Um terceiro dia com menos chuva, mas muita música.
Terceiro dia para os participantes do Primavera Sound Porto, e desta vez a chuva é só tema secundário, momentos molha parvos (nós) de quando em quando, mas quem não se constipou até agora é capaz de não adoecer. Desta forma, e após dia simpático e muito bem almoçado nos arrabaldes (obrigado Rua Heróis de França) e da frustração de ver a lesão de Carlos Alcaraz, ainda se consegue agarrar o fim da energética actuação de Pusha T. E energia é daquilo que estamos a falar quando se fala de Terrence Thornton. “Runaway” e “Grindin” a ser mostradas em palco de uma forma que devia ser exemplo para os companheiros do meio.
Para continuar no mundo da competência, os Pet Shop Boys deram uma lição de como gerir uma carreira em palco e perceber em que momento estão nela, com cuidado na estética e no alinhamento – um concentrado de 20 temas da carreira de Neil Tennant e Chris Lowe. Os concertos dos cabeças de festival deviam ser pensados e aplicados assim. Arranque com “Suburbia”, passagem pela Thatcheriana “Rent”, e num piscar de olhos estamos a meio com a cover de “You Were Always in My Mind”, de Gwen McCrae. Tennant, com casaco prateado brilhante (já foi branco, ainda há de ser preto), sempre de trato fácil e simpático com o público, enquanto Lowe surge cerebral a comandar as operações, mas também com guarda-roupa apelativo. Os sucessos que até quem não gosta especialmente é obrigado a saber que são munição guardada para o fim, comme il faut por estes mestres do synth pop: “Go West”, “It´s a Sin”, e depois de breve pausa para encore “West End Girls” e o fecho com “Being Boring”. Assim sim, vale a pena, e muita gente no separador central da estrada da Circunvalação teve direito a concerto à borla, tal a proximidade do palco para o espaço público.
Pena mesmo é a lama do palco Porto (não há grandes dúvidas em como esta situação merece ser repensada), e dá-se breve passagem pelo palco Plenitude, onde Self Esteem passa de forma discreta. Chega a surpreender o relativo anonimato de Rebecca Taylor por terras lusas, dada a exaltação crítica dada no Reino Unido dada a Prioritise Pleasure, segundo álbum da antiga membro dos Slow Club (ainda hoje no top 10 de sempre no sítio Any Decent Music – exagero claro dado pela lei das médias). Não se prestou muita atenção que St. Vincent já arrancou, mas percebeu-se que há espetáculo encenado e muita interacção com a banda e dançarinas.
Só que Annie Clark está já ali, a brindar com “Digital Witness” e pouco depois “Birth in Reverse” (infelizmente as únicas do belíssimo álbum de 2014). Com um visual a fazer lembrar Lady Miss Kier dos Deee-Lite, guitarra muitas vezes em punho e banda sorridente a acompanhar, St. Vincent dá um concerto profundo pela sua discografia, sem medo de puxar pelo seu lado mais instrumental e menos pop. “Los Ageless” é malha para apanhar todos, “Year of the Tiger” recupera os anos mais contemplativos de Strange Mercy, “The Melting of the Sun” do último Daddy´s Home a sussurrar para fechar. St. Vincent sabe muito, mesmo quando se perde no seu próprio mundo.
Por comparação, o regresso de Le Tigre soa muito mais simples e direto, em especial o álbum de 1999. Kathleen Hanna (também das Bikini Kill) sempre ao ataque (“The The Empty”, e claro “TKO”), letras das músicas debitadas no ecrã, animação pixelizada. Limpa palato depois de tantas camadas, mas aquele tom punk e interventivo politicamente talvez devesse ter sido servido antes da uma e tal da manhã. “Deceptacon” fica para a próxima.
Mais um flic flac à retaguarda (especialidade do espírito Primavera), e os Darkside, agrupamento de Nicolas Jaar (nome forte da eletrónica) e o multi-instrumentalista Dave Harrington, são testemunhas da vontade de quem quer entrar pela madrugada com uma viagem pelo ambiental e experimental. Som irrepreensível, mais potente e evoluído que na prestação de 2014. Músculo na guitarra e entradas pelo psicadélico, as músicas de Spiral e Psychic a entrelaçarem-se. Bingo espaço/hora/público. À saída ainda se estreia este ano o pavilhão onde funciona por estes dias o palco Bits, onde Marcellus Pittman debita bytes. Mas isto de fazer festivais durarem quatro dias exige bastante e está na hora de descansar.