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Pentiment apresenta um satisfatório e cativante exercício narrativo num inesperado whodunit, que pelo caminho questiona o papel da arte e da religião na história da nossa civilização.

Se me dissessem que iria gostar de Pentiment quando este foi revelado no Xbox & Bethesda Showcase, eu iria rir e olhar para o lado. Tudo o que vimos de Pentiment era, aparentemente, uma experiência completamente fora da minha zona de conforto. Na realidade, após terminar a aventura de Andreas Maler, continua a ser um estilo de jogo que insiro facilmente nessa zona, no entanto, o que Pentiment me ofereceu revelou-se uma experiência muito especial e cativante.

Desenvolvido por uma equipa muito pequena da Obsidian Entertainment, da fama de The Outer Worlds e de Fallout: New Vegas, Pentiment é um novo projeto experimental e arriscado (um pouco como foi Grounded), e é também um projeto de sonho do diretor Josh Sawyer. É inspirado em jogos antigos de role-play narrativo, com uma história ramificada e um nível de imersão pouco comum, para uma experiência que se aproxima mais de uma visual novel interativa do que de um videojogo mais moderno.

Com uma arte muito bem-adaptada e inspirada nas ilustrações de manuscritos e iluminuras medievais, uma banda sonora quase inexistente, zero voice acting e focado quase na sua plenitude em texto e diálogo, Pentiment leva-nos até à vila fictícia de Tassing, na região da Bavaria em pleno século XVI – durante o Sacro Império Romano-Germânico -, onde conhecemos Andreas Maler, um aspirante a pintor que se envolve e se deixa consumir pelos mistérios da pequena vila após um assassinato.

Ao estilo de um RPG simplificado, Pentiment faz um excelente trabalho ao colocar-nos no papel de Andreas durante 25 anos. No início, jovem e irreverente, apaixonado pelas artes e pela capacidade das mesmas em registar o mundo para que futuras gerações possam espreitar o passado, o jogo dá-nos o à vontade suficiente para sermos mais experimentais com as nossas escolhas. Uma pitada de sarcasmo aqui, escolhas mais de chico-esperto acolá, e pelo meio outras conversas mais enternecedoras e humanas que ajudam a construir a tão necessária empatia entre o protagonista e os habitantes de Tassing.

A pouco e pouco, a narrativa ganha contornos mais negros e misteriosos, que colocam Andreas numa situação muito especial, quase como a de um detetive, tornando este RPG de point and click num verdadeiro whodunit, onde todos são suspeitos e todas as interações contam, assim como os nossos próximos passos.

Senti rapidamente que estava perante um jogo especial, que, apesar do seu formato, não é muito mais do que o esqueleto e fundação de jogos narrativos com foco em escolhas mais modernos, como um Life is Strange ou qualquer jogo da Telltale Games. Com recurso ao nosso caderno, com o mapa de objetivos, apontamentos das conversas, um códice e perfis de personagem, lancei-me então numa cruzada em busca de todos os elementos interativos do jogo, mas com aquele nervosismo de que poderia avançar no jogo e perder informação importante.

Um exemplo deste aspeto acontece durante os momentos de investigação, em que temos que conversar com diversas personagens em busca de pistas. A nossa agenda é limitada e temos a oportunidade de nos sentar à mesa com várias personagens e famílias e, muitas das vezes, as pessoas que queremos interrogar ou interagir por qualquer outra razão podem não ser as ideais para a resolução de um mistério, com repercussões bem grandes para o futuro.

Apesar da sua tranquilidade e uma surpreendente liberdade de exploração do mapa que com o tempo vai revelando alterações, Pentiment consegue deixar-nos de coração nas mãos com alguma frequência. É um jogo que nos incita a conhecer o que vem a seguir, a “ver o próximo episódio” e que nos deixa a pensar nele quando nos afastamos por um bocado.

De destacar, temos também a excelente escrita, não só das personagens – como já indiquei -, mas de toda a narrativa: de como está construída, de como as peças encaixam e de como implementa a ilusão de que as nossas escolhas importam. E temos a invisível, mas altamente palpável, paixão da equipa de produção nas artes, sejam uma folha pintada, uma página escrita ou, até, um videojogo. Um dos grandes temas de Pentiment é a importância da História, o conhecimento humano coletivo registado para futuras gerações. Parte da missão principal do jogo levanta questões sobre a importância dos registos, como devem ser feitos, que impacto terão na situação geopolítica de uma determinada era e quais as dificuldades de o fazer quando existem entidades e organizações opressoras. Pentiment é um exercício, uma aula e uma discussão ativa na qual podemos participar e onde podemos questionar. É até provocante ao ponto de nos confrontar com decisões ideológicas que podem definir a segurança dos habitantes de Tassing.

Pentiment tem mais uma série de elementos de destaque que dão um brio especial à experiência, ao mesmo tempo que quebram com a possível monotonia do seu formato, ao apresentar mini-jogos, pequenos puzzles, sequências mais animadas e outras até interativas. São poucas e bem espalhadas pelo jogo e sinto que podiam ser mais frequentes, até porque alguns destes momentos podem passar ao lado das nossas escolhas, acabando até inacessíveis por falta de informações resgatadas das nossas conversas.

A apresentação de Pentiment é simples, como já pudemos ver em vídeos e imagens e como descrevi no início, mas a Obsidian Entertainment fez coisas bastante engraçadas ao equilibrar o registo visual, com a narrativa e até a acessibilidade. Por exemplo, ao longo da nossa aventura vamos conhecendo um elenco rico de personagens, com diferentes backgrounds, experiências de vida e educação, e temos a opção de “ler” o seu perfil através de diferentes estilos de letra nos balões. Algumas personagens apresentam um texto mais manuscrito, outras mais de impressão e menos desenhadas. Esta opção é, obviamente, opcional, ou seja, com a possibilidade de escolhermos um estilo padrão para todas as personagens, mas recomendo que a mantenham ativa, uma vez que pode ser fulcral para “ler” as personagens de uma nova forma.

Pentiment é um jogo 90% de texto, cuja língua oficial é o Inglês. Ao longo da minha jornada com Andreas e companhia, resolvi mudar para algo mais familiar, o Português do Brasil, e no geral a localização é ótima. Contudo, mesmo após um patch de produção, houve momentos em que alguns termos e géneros não estavam devidamente traduzidos e uma personagem em específico foi recorrentemente mencionada com dois nomes diferentes, o seu original e o nome traduzido. Outro pequeno problema com que me deparei, apenas duas vezes, foi encontrar linhas de diálogo que já não combinavam com o desenvolvimento da história, mencionando coisas passadas como se ainda fossem ocorrer. Fora estes momentos, Pentiment é um jogo livre de qualquer problema técnico. Ainda assim, uma coisa que gostava que tivesse sido implementada eram save states para repetir ou explorar rapidamente conversas acabadas de fazer onde hesitei nas respostas. Por isso, já sabem, qualquer decisão que tomem é permanente.

Pentiment tinha mesmo tudo para ser um jogo que me diria pouco. Poderia ter sido um daqueles jogos que vejo no Xbox Game Pass, abro para ver o que é e passada uma hora não quero saber. No entanto, foi mais como uma série cativante em que, ao fim do primeiro episódio, me deixou imediatamente agarrado às personagens e ao mistério de Tassing. Isto revela o quão eficaz a escrita da Obsidian Entertainment foi neste projeto, agarrando-me de tal maneira que não consegui parar de pensar em Pentiment, na jornada das personagens e nas escolhas que tomei mesmo depois de o terminar.

Pequeno em escala, provocante e muito simples de jogar, Pentiment pode ser jogado no PC, Xbox One e Xbox Series X|S a 15 de novembro, data em que fica disponível também ao Xbox Game Pass.

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Cópia para análise cedida pela Xbox Portugal

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