Uma noite dedicada a Amália Rodrigues no Fama d’Alfama

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Uma noite de fado, poesia e memória marcou a homenagem a Amália Rodrigues no Fama d’Alfama, com atuações de Cristina Branco, Joana Amendoeira e Teresinha Landeiro.

Alfama mantém-se como um daqueles lugares onde a cidade parece murmurar, mesmo quando as ruas se enchem de visitantes à procura de decifrar-lhe os recantos. O que ali acontece, noite após noite, não nasce apenas da pressão turística; vem de uma identidade persistente, entranhada nas vielas, nos becos, na memória de quem ali viveu e de quem ali canta. O fado, esse lume antigo que nunca se apaga, continua a marcar o pulsar do bairro e a moldar a forma como ele se apresenta ao mundo. A própria palavra, herdeira do fatum romano, ajuda a perceber o ambiente que Alfama projeta: não um espectáculo preparado ao milímetro, mas um instante absoluto, breve e intenso, em que quem canta e quem escuta se encontram num silêncio que ninguém precisa de impor.

É nesse cenário que muitos espaços ganham vida, e o Fama d’Alfama, fundado e gerido por João Cardim em 2017, tem sido um desses pontos onde a noite se estende para lá das paredes. A 27 de novembro, o restaurante assinalou o Dia Mundial do Fado com a iniciativa Ode a Amália Rodrigues, reunindo no mesmo palco Cristina Branco, Joana Amendoeira e Teresinha Landeiro, acompanhadas por Bernardo Couto na guitarra portuguesa, João Filipe na viola de fado e Ricardo Dias ao piano. A direção artística ficou a cargo de Joana Amendoeira e Tiago Torres da Silva, poeta e amigo pessoal de Amália Rodrigues, que partilhou histórias e apresentou objetos ligados à fadista, reunidos ao longo da sua vida e da relação de proximidade que manteve com a artista.

O ambiente foi marcado por um forte sentido de homenagem e continuidade cultural. Vários intervenientes sublinharam o papel de Amália enquanto figura que valorizava profundamente a poesia, os poetas e a permanente curiosidade artística. Evocaram-se episódios pessoais, memórias e momentos de convívio que ilustram a forma como Amália se manteve atenta ao que de novo se escrevia, mesmo nos últimos anos. A casa foi descrita como um refúgio de liberdade artística, marcado pelo espírito do 25 de Abril e pela dedicação contínua à cultura portuguesa.

No palco, Teresinha Landeiro destacou-se como intérprete convidada, chamada depois de ser elogiada pela sua evolução. Pediram-lhe que cantasse “Malva Rosa”, num gesto simbólico de ligação ao legado de Amália. E houve também o testemunho de Zé Manel, sobrinho da artista, que recordou as noites longas de guitarra e viola, as casas cheias, os amigos, músicos e poetas que entravam e ficavam até tarde, num ambiente de partilha que muitos associam à matriz profunda do fado. Foram lembrados nomes como Ary dos Santos, Natália Correia e Vinícius de Moraes, presença constante nas tertúlias de Amália. Tiago Torres da Silva contou como, depois de conviver com Vinícius, sentiu que “a minha poesia subiu ao povo”.

Ainda assistimos à atuação de Joana Amendoeira, mas a noite já ia longa, e com uma viagem pela frente, não nos foi possível assistir à atuação de Cristina Branco, nem à performance surpresa de Camané, que também se encontrava no espaço.

A noite ficou ainda marcada pela inauguração de uma galeria permanente no espaço, dedicada aos artistas que dão vida ao Fama d’Alfama ao longo do ano. Os retratos de Joana Amendoeira, Jonas, João Filipe, Maria da Nazaré, Mariana Lopes Correia, Nani Medeiros, Mário Pacheco, Beatriz Felício, João Nunes e Teresinha Landeiro passam agora a integrar o espaço como registo visual de uma comunidade artística construída no quotidiano da casa.

Mais do que uma celebração pontual, a iniciativa reforçou a ligação entre o fado e a cidade de Lisboa, entendida como lugar de permanência, ferida e afeto. E a homenagem a Amália passa por esse exercício contínuo de transmissão: manter vivo o legado que ela deixou, não como repetição, mas como impulso para que o fado continue a existir como expressão artística e como forma de destino partilhado.

Alexandre Lopes
Alexandre Lopes
Licenciado em Comunicação Social e Educação Multimédia no Instituto Politécnico de Leiria, sou um dos fundadores do Echo Boomer. Aficcionado por novas tecnologias, amante de boa gastronomia - e de viagens inesquecíveis! - e apaixonado pelo mundo da música.
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