No país vizinho, há relatos de que é prática habitual do Grupo Gadea abrir restaurantes com dinheiro dos investidores… para depois fechá-los.
Estávamos em abril de 2023. Na altura, ficávamos a saber que a cadeia de taquerias No Mames Wey, marca do Grupo Gadea, ia chegar a Portugal para competir com a Taco Bell e a Pepe Taco, ou não falássemos nós de uma cadeia de restaurantes espanhola, mas dedicada ao melhor da cozinha mexicana.
A No Mames Wey prometia uma autêntica experiência mexicana, com opções como quesadilhas de queijo, nachos, burritos e, claro, tacos. Para o nosso país, a marca prometia trazer uma proposta honesta, casual e divertida, que achamos que irá ser bastante atrativa para estudantes universitários, pela localização do restaurante, mas não só”, e estaria convencida que seria muito bem recebida por cá. Para isso, a empresa ia também apostar em promoções atrativas, como o o taco do mês a 1€, 2×1 nas margaritas, entre outras ofertas.
A marca em si é muito recente, até porque o primeiro restaurante No Mames Wey apenas surgiu no país vizinho em setembro de 2022. E como acontece com tantas outras cadeias, o próximo passo lógico é uma expansão para Portugal.
Portanto, foi em abril do ano passado que abriu o primeiro restaurante No Mames Wey em Portugal, neste caso na Avenida das Forças Armadas 51D, em Lisboa. E a coisa parecia bem encaminhada, até porque, no mês seguinte, em maio, abria um novo restaurante No Mames Wey, desta vez na Rua da Infantaria, 16, 2A, em Campo de Ourique.
Dois meses depois, em julho, surgia o terceiro restaurante deste conceito, já na Margem Sul, com um espaço na Avenida Dom Nuno Álvares Pereira, 8A, em Almada.
De facto, parecia que o negócio ia de vento em poupa, tanto que, em agosto, Manuel Palma Mira, o então CEO do No Mames Wey em Portugal, dizia numa entrevista ao ECO que Porto, Faro, Guimarães, Albufeira, Setúbal, Coimbra, Oeiras, Braga, Portimão e Évora eram algumas das localizações em estudo para futuras aberturas No Mames Wey, esperando-se que estas inaugurações fossem criar mais de 50 postos de trabalho.
Curiosamente, foi após essa entrevista que as coisas mudaram no mundo No Mames Wey. Sem grande explicação, Manuel Mira afastava-se da marca espanhola para focar-se no seu próprio negócio, a cadeia JustSushi, criada em 2017. E a partir daqui, as comunicações para a imprensa e bloggers nacionais acerca da No Mames Wey tornou-se inexistente, bem como a meta dos 10 restaurantes a funcionar em Portugal até ao final de 2023, algo que nunca aconteceu.
Na verdade, foi quase por mero acaso que, já em janeiro deste ano, demos conta da abertura daquele que seria o quarto espaço da No Mames Wey em Portugal, neste caso na R. João de Deus Ramos 146, na cidade de Coimbra.
Desde então, não tivemos mais nenhuma abertura. Aliás, os restaurantes da No Mames Wey em Portugal estão todos encerrados.
Indo à página de Instagram da No Mames Wey Portugal, reparamos que, na biografia, já nem surge qualquer menção relativamente a Almada, mas sim apenas a Lisboa e Coimbra. De resto, há 10 semanas, mais especificamente desde 7 de junho, que as publicações naquela rede social por parte da marca referem apenas que estarão brevemente de volta. Na última publicação, que data de 6 de julho, pode ler-se: “Estamos a trabalhar para abrir os nossos restaurantes o mais rapidamente possível!”
Já indo ao site oficial, reparamos que, além de estar apenas parcialmente traduzido para Português, serve mais para captar investidores que outra coisa. Sim, é aqui que reside o negócio da No Mames Wey para as suas aberturas.
Qualquer pessoa pode (podia?) ser investidora na No Mames Wey
É isso mesmo que leram. Tudo porque a No Mames Wey é a primeira rede de restaurantes baseada no modelo de investimento crowdfunding. O que significa? Bom, que qualquer um pode ser investidor da empresa e ter uma percentagem num dos restaurantes – e até mesmo ter uma placa com o seu nome no restaurante onde investiu. No fundo, uma pessoa “comum” pode investir e tornar-se acionista de um dos restaurantes do grupo. Diz a marca que se trata de uma fórmula que permite abrir um novo restaurante a cada 15 dias.
“Oferecemos um modelo de negócio único. O No Mames Wey é uma marca à qual o consumidor se conecta rapidamente, pelo que a sua rentabilidade é muito interessante para os franchisados. Especializamo-nos no lançamento de modelos de negócio disruptivos com um baixo custo e uma elevada rentabilidade. O franchisado tem o nosso apoio e suporte em todas as áreas do negócio; para nós, são nossos sócios, e contamos com eles para fazer do Gadea Group uma referência em franquias de restaurantes”, referia Roger Antelo, CEO do Gadea Group, num dos vários comunicados de imprensa ao qual tivemos acesso.
De facto, quando a No Mames Wey dava que falar em Portugal, até surgiam publicações patrocinadas no Facebook que nos mostravam que era possível abrir um restaurante No Mames Wey com um investimento a partir dos 4.500€.
O certo é que os restaurantes estão todos encerrados. Indo ao Google Maps, temos a indicação de que todos os espaços estão fechados permanentemente, à exceção do de Almada, que diz estar fechado temporariamente. Nunca foram dadas razões para estes fechos.
Contudo, há um grupo de investidores espanhóis que alega ter sido lesado pelo Gadea Group. O site Afectados por el Grupo Gadea, que também tem uma página de Instagram dedicada, tem vários testemunhos de pessoas que dizem ter investido nos restaurantes sem nunca terem sido ressarcidas.
Nesse site, pode ler-se que se trata de um blogue “dedicado a fornecer informações pormenorizadas sobre os investimentos nos restaurantes do Grupo Gadea. Estamos empenhados em fornecer uma visão abrangente das experiências de quase 200 pessoas afectadas por práticas financeiras enganosas”. “A história por detrás da criação de Afectados por el Grupo Gadea baseia-se na necessidade de partilhar testemunhos e investigações sobre os investimentos no Grupo Gadea. A nossa motivação é evitar futuras fraudes e proteger os potenciais investidores”, diz ainda o mesmo blogue.
Há vários testemunhos:
- “Investi muito dinheiro para ter o meu próprio No mames wey em Málaga, com o meu dinheiro abriram o negócio que deram a outra pessoa e estão a geri-lo sem a minha participação, são uns autênticos burlões.”
- “A minha família pediu créditos e até uma sócia hipotecou a sua casa na Colômbia para investir com eles mais de 225.000 euros numa padaria e em dois restaurantes na Catalunha que nunca foram abertos, no mames wey? Uma autêntica burla.”
- “Também sou afetado pelo Grupo Gadea. Eles defraudaram-me na sucursal de Valência. Tenho um chat no whatsapp com mais 20 pessoas com o mesmo motivo. Estamos a tentar integrar-nos para sermos mais fortes.”
- “Disseram-nos que iam fazer empréstimos participativos, mas é uma fraude.”
- “Fiquei a dever 12.000 dólares americanos de salário e, para além do meu dinheiro, estava a pagar o aluguer da cozinha e de alguns armazéns para guardar o equipamento que retirámos das instalações, uma vez que fomos afastados por falta de pagamento.”
- “Estou a escrever para me juntar ao grupo WhatsApp. Os meus pais alugaram uma casa que nunca pagaram. Passados 4 meses, fizeram um pagamento de 1000 euros sem faturas e sem qualquer motivo para esse pagamento.”
Estes sócios afetados, que estarão a trabalhar com a advogada Teresa Bueyes no caso, dizem ainda que Roger Antelo, CEO do Gadea Group, depois de ter informado os seus investidores numa videoconferência de que o grupo Gadea estava sem capital, criou uma nova empresa com o nome Gadea Division Uno SL com um capital social de 375.000€.
Numa breve troca de mensagens com o Echo Boomer, o grupo de afetados alega que “o grupo Gadea fatura os custos aos restaurantes através de outras empresas de fachada para desviar o dinheiro dos investidores para si próprios. Depois de secarem os restaurantes e os deixarem sem dinheiro, fecham-nos. Fizeram isto em todo o mundo”. Estes lesados referem ainda ter falado com o responsável pelas aberturas em Portugal e que tudo o que o “Grupo Gadea vende é fumo”.
No Mames Wey continua a abrir restaurantes
Se, em Portugal, a expansão ficou em standby ou o negócio parou de vez, noutros países não é assim… pelo menos para já. Em junho deste ano, a marca abriu o seu segundo restaurante no Paraguai. E foi também em junho que o ex-futebolista Michel Salgado se tornou sócio do Gadea Group, ajudando a abrir o primeiro restaurante No Mames Wey no Dubai.