Fundado em outubro de 2015, o projeto de voluntariado internacional “Missão Beira” tem como objetivo ajudar o Orfanato dos Santos Inocentes, na Beira, em Moçambique. O foco principal deste projeto é colmatar algumas das necessidades locais, sobretudo a nível escolar, social e alimentar das crianças do orfanato.
Fundado na base do voluntariado, o projeto começou com Luís Bossa (com o qual falámos recentemente e cuja entrevista podem ler aqui em baixo), nascido em Moçambique, país que deixaria aos cinco anos e cujo esperado reencontro, aconteceria 45 anos depois. Mais do que um reencontro, uma parte do seu destino. Mais do que uma viagem, um apelo.
De facto, surge um forte apelo que o ligou de novo às suas origens e o levou a criar o projeto que integra cerca de 21 jovens do Colégio São João de Brito de Lisboa. Durante dois anos organizam e angariam a missão. Destes 21 jovens que durante este tempo estão integrados no projeto, 8 a 10 voluntários irão conhecer o projeto in loco onde poderão desenvolver várias tarefas estruturadas e pensadas com e para as crianças. É preciso vocação e vontade, diz o fundador. E são precisos recursos.
A Missão Beira está prevista ter nova edição em 2019 e o Orfanato dos Santos Inocentes, na Beira, com certeza que os espera com impaciência. Por cá e igualmente entusiasmados, devem estar os nossos voluntários portugueses que tanto ou mais aprendem, num exercício de altruísmo, coragem e descoberta. Coragem Missão Beira. “Estamos juntos!”
Como nasceu o projeto “Missão Beira”? Há quanto tempo existe e quem abrange? O que propõe realizar e ao que é dedicado?
O projeto Missão Beira nasceu depois de eu ter regressado em 2015 a Maputo, onde nasci, e ter visitado o Orfanato dos Santos Inocentes, na Beira. Nessa visita percebi que as necessidades que ali existiam eram muitas e fiquei a pensar numa forma de poder ajudar. Assim nasceu o projeto, fundado em Outubro de 2015, como um projeto de voluntariado internacional que tem como objetivo ajudar o orfanato e, sobretudo, as crianças que o integram. É dedicado a ajudar as crianças do orfanato colmatando algumas das necessidades que identificamos a nível escolar, social, alimentar, entre outros.
A atividade de voluntariado concentra-se à volta do Orfanato dos Santos Inocentes, na Beira, em Moçambique? Que tipo de região é a Beira a nível económico e social e quais são as suas dificuldades?
Sim, a nossa atividade concentra-se especificamente no Orfanato dos Santos Inocentes, na Beira. As dificuldades que identificámos são múltiplas e são sobretudo carências de educação, higiene, cuidados de saúde, alimentação, entre outros. O que se pretende com este projeto é colmatar algumas destas áreas mais sensíveis e que acabam por ser, na realidade, as carências que se identificam de forma generalizada naquela região para além do orfanato.
A “Missão Beira” desenvolveu-se no âmbito do Colégio São João de Brito de Lisboa, coordenada por Luís Bossa. Qual é o seu percurso, a sua história e como se relaciona com a Missão?
Vim para Colégio São João de Brito como Técnico desportivo, hoje sou auxiliar educativo no colégio. Nasci em Maputo, tenho 61 anos, vim para Portugal aos 5 anos e só regressei à Beira quando fiz 50 anos. Sou um voluntário fundador, o meu único papel diferente é estar atento aos valores do projeto, de forma a não desvirtuar os objetivos.
Os voluntários são, nomeadamente, ex-alunos ou estudantes do Colégio São João de Brito. O projecto encontra-se aberto também a externos? Como foi acolhida inicialmente esta acção de voluntariado pelos estudantes?
É um projeto aberto a todos os jovens de 18 a 30 anos que se queiram dedicar a esta causa. O mais importante é que tenham vontade de ajudar e que percebam que isto não é um projeto para viajar, é um projeto exigente, que requer muito empenho e dedicação e que serve exclusivamente para ajudarmos o próximo. Pelos estudantes, esta ação foi acolhida com muita surpresa inicialmente, mas também com muita vontade.
O projecto tem uma vocação cristã ou pode ser considerado um voluntariado de base laica?
LB: É um projeto assumidamente de inspiração cristã e mais importante é o respeito por este princípio.
Quantas pessoas estão envolvidas na missão? E com que cadência é realizada?
São, no total, 21 voluntários envolvidos e as deslocações à Beira ocorrem de dois em dois anos, mas durante esse tempo, mesmo não indo lá, continuamos a promover atividades e ações para angariação de fundos que nos permitam ir ao orfanato. Para lá não conseguimos ir todos, porque não conseguimos ter recursos económicos para isso. Mas tentamos levar 8 a 10 voluntários, para que se possa fazer um trabalho relevante e acompanhar as crianças nas suas atividades, estudos e afins.
Quais são as actividades efetuadas diariamente? Como são preparados os voluntários? Como reagem as crianças do Orfanato à chegada destes?
A missão assenta em quatro planos de ação: objetivo, financeiro, eventos e formação. Apoiamos com roupas, com material escolar, com equipamentos para o orfanato, com tudo o que possam precisar e que nós possamos facultar com as angariações que conseguirmos. Lá, organizamos torneiros desportivos, momentos de leitura, momentos de estudo, aulas de educação cívica e outros temas e damos noções de primeiros socorros. Tentamos colmatar necessidades básicas e envolvê-los em atividades que os possam fazer crescer a todos os níveis.
A nossa formação é realizada com base nos testemunhos e experiências de pessoas que se relacionaram com Moçambique (com variadas experiências profissionais ou projetos).
A reação das crianças é muita positiva e criam-se laços muito fortes. Levamos um pouco de esperança àquelas crianças. E sente-se isso. São muito gratos, muito ternurentos. Por exemplo, a alegria deles com uma simples t-shirt nova é uma coisa inexplicável por palavras…
Infelizmente, não é difícil imaginar que, para cada criança do Orfanato, deva existir uma história pessoal complicada. Sem entrar na área pessoal, quais são as maiores dificuldades do dia-a-dia na interação com estes jovens?
Há muitas mulheres jovens – muitas jovens – com filhos. Algumas com muitos filhos e sem quaisquer condições. É frequente vermos crianças entregues a orfanatos pelos próprios pais que não têm condições para os criar, já sem falar das crianças que são abandonadas nas ruas. São situações muito complicadas e que os vão marcar para toda a vida.
O passado de algumas daquelas crianças acaba sempre por as influenciar invariavelmente. Talvez o mais complicado tem sido interagir com eles da forma que queríamos para conseguirmos alcançar os nossos objetivos. Procuramos com os nossos métodos transmitir a ideia de que há uma vida diferente. Como é possível tornar a vida que têm numa alternativa de vida melhor, melhorando a qualidade de vida e tendo um futuro melhor. Nós tentamos que eles entendam que isso é possível e tentamos ajudá-los a contornar um pouco esse passado mais difícil. Ajudá-los de alguma forma a ultrapassar certos traumas será porventura, de todos, o maior dos desafios.
Muitas vezes, a falta de recursos não permite um apoio/controlo total do desenvolvimento educativo, psicológico e pedagógico destes jovens, que vivem uma realidade onde é preciso crescer depressa. Existem órgãos de apoio/suporte operacional à vossa actividade e ao Orfanato por parte de instituições públicas?
LB: Não, infelizmente. O nosso apoio vem essencialmente da Comunidade Jesuíta, dos amigos da Missão e da Comunidade Portuguesa na Beira. Gostaríamos de fazer muito mais, mas é muito difícil ter recursos para fornecer os que as crianças precisam e ainda levar daqui uma equipa de voluntários.
No vosso site, vimos uma secção dedicada aos testemunhos dos voluntários. Para além das problemáticas encontradas, muitos deles consideram-se profundamente impressionados, positivamente, por esta experiência. Como são seleccionados os voluntários? Há critérios de selecção? Qual o número de participantes?
LB: A escolha é baseada no trabalho que ao longo dos dois anos desenvolvemos com o lema “Vou realizar uma viagem de Missão a Moçambique”. Tento perceber quem está mais vocacionado, quem tem capacidades para aguentar aquela realidade e quem tem vontade, claro. Infelizmente não podem ir todos. Em 2015 foram 7 voluntários, este ano tentaremos um pouco mais.
A possibilidade de crescer serenamente e de forma saudável, de brincar, estudar, trabalhar, construir uma vida feliz é um direito de todos, um valor universal e inalienável. Isto parece-se com a base da vossa actividade e “Estamos juntos” é o vosso lema. Quais são os pressupostos para construir uma comunidade e como apoiá-la?
LB: Não construímos uma comunidade. Esse não é o nosso propósito porque ela já existe. O nosso objetivo é ajudar uma comunidade através da nossa integração nela, procurando interagir e encontrar pegadas que façam um caminho à descoberta do seu projecto de vida.
O que acontece quando os jovens deixam o Orfanato? Continuam a ter uma relação privilegiada com a organização? Têm a oportunidade de continuar os estudos ou de desenvolver um percurso profissional autónomo? Quais são as possibilidades reais de mudança nas vidas deles?
Os jovens mantêm o contacto com o orfanato, mesmo depois de o abandonar, mas apenas alguns prosseguiram para a universidade, devido a questões financeiras que não permitem que todos sigam esse caminho. Muitos procuram trabalho para poder sustentar os seus estudos futuramente e outros tiveram oportunidade de usufruir de ajuda externa para financiar os seus estudos. Alguns ficam até idade mais tardia a viver no orfanato…
É difícil prever como será a vida destas crianças. Para já, estamos preocupados em dar-lhes o melhor possível para que possam crescer melhor e tornar-se adultos mais competentes. Mas é difícil sair de um ciclo de pobreza que se arrasta há tanto tempo…
Para além dos donativos, como se sustém a Missão Beira? Existem empresas privadas ou entidades públicas que a apoiem?
Para além das ajudas externas de que falei há pouco (e que são as únicas), é através dos amigos, donativos, merchandising e eventos que vamos realizando que conseguimos angariar os fundos necessários para assegurar a sustentabilidade financeira do projeto de modo a garantir a sua continuidade. Até ao momento, não houve nenhuma entidade privada ou pública a ajudar a Missão Beira, formal ou informalmente. Somos o que somos graças a todos os que nos ajudam e aos voluntários.
Vimos que são muito ativos no merchandising, com o qual podem garantir mais rendimento, usado para financiar as diversas actividades. Que merchandising tem?
O merchandising que temos é de facto uma outra fonte de receita que nos ajuda a financiar o projeto. Neste momento, temos disponíveis as camisolas e as t-shirts personalizadas da Missão Beira, mas também já tivemos vinho, por exemplo.
Quais os projectos e objectivos futuros que querem realizar? Quais os próximos planos?
Os objetivos essenciais continuam a ser os mesmos que nos acompanham desde o início: ajudar aquele orfanato e aquelas crianças, como podemos, aos vários níveis de carência que identificamos. Já temos planeados alguns eventos e ações como o II Encontro da Missão Beira, uma Noite de Fados, bem como as habituais vendas de merchandising para tentarmos angariar mais fundos. Em 2019, lá, gostaríamos também de remodelar o orfanato, pintar, arranjar a cozinha e isso requer muito investimento. Mas vamos tentar, é um dos grandes objetivos.
Texto por: Rita Damásio Oliveira