Para além de uma excelente sequela, Marvel’s Spider-Man 2 é uma resposta direta aos pedidos dos fãs e dos jogadores, que resulta num jogo seguro, satisfatório e extremamente confiante das histórias que quer contar.
Para os jogadores, passaram cerca de cinco anos. Para Peter e Miles apenas passaram cerca de 10 meses, um período aparentemente recheado de aventuras e de crescimento pessoal, dado que Marvel’s Spider-Man 2 abre com uma espetacular sequência de ação, onde os dois Spider-Man, com novos fatos e tecnologia ao seu dispor, tentam travar um Sandman descontrolado por uma Nova-Iorque expandida.
Para Marvel’s Spider-Man 2, como qualquer boa sequela e segunda parte, a Insomniac Games fez o seu trabalho de casa na perfeição. Pegou na estrutura e pilares dos dois jogos anteriores (Marvel’s Spider-Man e Marvel’s Spider-Man: Miles Morales), estudou a crítica e o feedback dado pelos seus fãs, e aproveitou para inventar coisas novas e para expandir o seu Spider-Verso de forma satisfatória e emocionante. O resultado é um jogo mais sólido, coeso e até pequeno que o original. E quando digo “pequeno” não é em tom de crítica, refiro-me apenas ao tempo que gastamos nesta nova versão digital de Nova-Iorque, que ironicamente tem o dobro da área.
Foi estranho olhar para o contador da PlayStation 5 quando terminei a história e vi marcadas apenas 21 horas, com cerca de 80% de todo o conteúdo concluído. Isto porque Marvel’s Spider-Man 2 compacta imensos eventos, principais e secundários, dignos de uma recheada temporada televisiva. Mais ainda, o facto de navegarmos entre dois protagonistas torna a experiência ainda mais rica e variada.
Podíamos esperar, de facto, uma longevidade maior, considerando que, ao ter dois Spider-Man, esta sequela poderia sentir-se como dois jogos, e a verdade é que até se sente assim, muito graças ao foco e à confiança na história que a Insomniac Games quis contar e, acima de tudo, do que ainda pode contar no futuro.
Em parte, Marvel’s Spider-Man 2 faz-se sentir como um jogo mais focado em Peter do que em Miles, com a campanha a dar destaque maioritariamente à inevitável ascensão de Venom e de tudo o que isso implica – acreditando que os fãs conhecem bem as histórias e mitologias da personagem. Assim, o jogo acompanha de forma muito próxima a relação de Peter e MJ com Harry, o seu melhor amigo, que surge miraculosa e misteriosamente curado, onde ao longo da aventura vamos navegando por uma espiral decadente, com poderes que passam de uma personagem para a outra, com algumas surpresas e ótimas catarses emocionais.
Já Miles, agora um Spider-Man oficial, tenta equilibrar essa responsabilidade, procurando mentoria em Peter, mas, durante uma grande parte do jogo, não consegui afastar o sentimento de que a sua história não se entrelaça de forma tão orgânica com a de Peter como seria de esperar.
Uma grande parte das missões principais de Miles sentem-se como conteúdo secundário, com missões e episódios muito interessantes, mas desviados das tramas principais. Ainda assim, há espaço para a história avançar em bom ritmo com a introdução de Kraven The Hunter, cujas ações caóticas levam Miles para um poço de receios e de inseguranças com os quais ele lida sozinho durante mais tempo do que gostaria.
E por falar em Kraven, que excelente vilão! A sua presença é assombrosa, as suas ações altamente desconfortáveis, ou não fosse a missão dele caçar todos os indivíduos especiais em Nova Iorque. E Marvel’s Spider-Man 2 faz um excelente trabalho ao mostrar o quão violento, cru, brutal e temeroso Kraven consegue ser, deixando-nos sempre com um sentimento de nervosismo quando surge no ecrã. As suas motivações são sólidas, credíveis e a sua missão principal torna-o num incrível agente do caos, não indo apenas atrás de Miles ou de Peter, mas puxando-os até interessantes limites e resoluções, que afetam os outros problemas que já têm em mãos.
Sobre Venom, é difícil nesta altura falar muito nele sem entrar em spoilers, mas posso garantir que o ritmo até à sua verdadeira aparição é bastante orgânico e a sua presença é bastante satisfatória. Este é um Venom completamente “alien”, apático e com um objetivo animal e primal. Uma força da natureza diferente de Kraven, no sentido em que é literalmente “natureza”, o que eleva a fasquia da sua ameaça a níveis bem altos.
Contudo, como já afirmei em cima, Marvel’s Spider-Man 2 acaba por se sentir um jogo relativamente contido também a nível narrativo. E, pessoalmente, apesar de toda a urgência existente até à reta final, não consegui sentir o mesmo nível de emoções dos dois jogos anteriores, até porque, em benefício do jogo, a Insomniac Games criou, de facto, relações um pouco diferentes do que encontrámos no passado. Por exemplo, a amizade entre Harry e Peter, que destoa das versões cinemáticas e dos desenhos animados, e que vai contra as expectativas de forma refrescante. Existem surpresas positivas na campanha, ainda que nunca no nível dos outros jogos.
A divisão dos Spider-Man não se faz sentir tanto quando os controlamos. Continuam distintos e com move set diferentes, mas com a maioria das suas habilidades e poderes de capacidade bastante análoga. Para tornar a experiência mais fluida, passando de um Spider-Man para outro, a Insomniac Games viu e abraçou o desafio de redesenhar uma parte substancial do seu modelo de combate, com resultados que vão agradar à maioria dos jogadores.
O novo sistema de combate não foge muito do encontrado em Marvel’s Spider-Man e em Marvel’s Spider-Man: Miles Morales. A base de ataque, uso das teias e os finishers que ficam disponíveis quando preenchemos a focus bar estão lá. De fora ficou, no entanto, a weapon wheel, que dava acesso a um conjunto de gadgets, em troca de um sistema de combinação de botões entre o L1 e R1 e os quatro botões de ação do DualSense. Com o L1 temos até quatro ataques especiais, que podemos modificar à medida que os desbloqueamos, e com o R1 temos apenas quatro gadgets, que vão evoluindo em desempenho ao longo do jogo.
Também de fora, lamentavelmente, ficaram os Mods dos fatos, powerups especiais que desbloqueavam juntamente com os fatos e que podiam ser escolhidos isoladamente. Em vez disso, para além das quatro ações acessíveis pelo L1, temos não uma, mas três árvores de habilidades para gerirmos, uma para cada Spider-Man e outra partilhada, que expandem combos de ataque e defesa.
É uma jogabilidade mais profunda e até estratégica, mas não de todo mais simples. Especialmente quando temos uma nova camada defensiva, um sistema de parry, com alguma importância, que pode ser ativado ao carregarmos isoladamente no L1 quando os inimigos mostram um indicador durante os seus ataques. Há, por isso, uma curva de aprendizagem a ter em conta, ainda mais se saírem diretamente dos jogos anteriores para este, muito por questões de memória muscular e pelas diferenças na ativação de certos movimentos.
Por exemplo, nos jogos anteriores, para tirar as armas aos inimigos bastava ficar a carregar no Triângulo por um segundo. Agora, essa simples ação é mais profunda. Ao ficar a carregar, temos que estar com atenção e esperar que o nosso Spider-Man lance a segunda teia para imediatamente carregarmos no R1 para o mesmo efeito. Uma ação que só aprendi quando repeti Marvel’s Spider-Man 2 pela segunda vez e li com atenção uma das primeiras habilidades desbloqueadas. Por isso, fica a dica: leiam bem as descrições.
Ainda no que toca ao combate, preparem-se para longas lutas. Marvel’s Spider-Man 2 não é um jogo difícil. Nesse campo está muito semelhante aos dois jogos anteriores, sem picos de dificuldade que vão questionar a vossa vontade de passar para um nível abaixo. No entanto, é desafiante porque os inimigos têm mais vida e, por isso, quando são muitos no ecrã a coisa fica caótica.
Se jogaram os DLCs de Marvel’s Spider-Man, lembrar-se-ão do quão alguns confrontos podiam arrastar-se durante algum tempo, com inimigos cheios de armaduras e projéteis. Marvel’s Spider-Man 2 nunca chega realmente ao mesmo ponto de desgaste, mas admito que as forças do Kraven em particular foram um osso duro de roer. Nota-se que são mais brutos, ativos e até claustrofóbicos devido ao seu arsenal com projéteis que vão pôr à prova o nosso sentido-aranha, particularmente na primeira metade do jogo quando ainda estamos a evoluir as nossas personagens.
Outra evolução interessante que os nossos Spider-Man partilham é a habilidade de voar, como já devem ter visto nas apresentações do jogo. Ao premir o triângulo durante os “swings” entre as ruas, abrem-se umas asas bem úteis, que permitem uma navegação extremamente satisfatória. Inclinando um pouco o analógico para a frente é possível ganhar balanço, mas esta é uma mecânica que acaba por ser redundante, quando a nova Nova Iorque apresenta uma série de correntes de ar, que podem ser usadas para viajar até aos nossos pontos de interesse e até cruzar os rios que separam a ilha de Manhattam de Queens e de Brooklyn.
Apesar da nova dimensão do mapa de jogo, este novo sistema de locomoção faz com que não se sinta um mapa abusadamente grande. Na verdade, apesar da adição do dobro da área explorável, não é imediatamente percetível a sua escala. Do lado de Manhatam, tudo é familiar e é interessante ver como a cidade evoluiu particularmente desde Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, que redesenhou algumas áreas e acrescentou alguns pontos de interesse. No entanto, os novos distritos não parecem muito diferentes do que já tínhamos na “main land”, sendo sobretudo mais ruas e edifícios semelhantes a toda a sua zona oeste.
Ao longo das minhas duas visitas ao jogo, sinto que Marvel’s Spider-Man 2 usou a sua Nova Iorque apenas como pano de fundo sem grande foto em pontos de interesse. Eles existem, estão lá e é incrível a quantidade de áreas e edifícios tão únicos e detalhados que encontramos na nossa exploração. Contudo, quando Marvel’s Spider-Man 2 quer apostar nas suas grandes sequências, opta maioritariamente por fazê-las em zonas fechadas e controladas ou em áreas abertas menos interessantes ou memoráveis.
Porém, a exploração do mapa está muito melhor do que em Marvel’s Spider-Man e Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, graças às suas atividades secundárias, compostas por assaltos a bases, mini-jogos, missões secundárias, colecionáveis e desafios.
Nota-se que a Insomniac Games tomou também aqui atenção ao feedback dos seus fãs e optou por fazer uma ótima e equilibrada curadoria no que oferecer para lá do caminho dourado desta jornada. Em momento algum me senti entediado em completar estas tarefas adicionais, tão pouco me senti carregado de objetivos por cumprir.
Isto acontece porque a introdução de todas estas atividades é feita através de missões principais (a maioria através de Miles) e porque a variedade de objetivos, na maioria das atividades, é suficientemente interessante para nos incentivar a ver o que oferecem. Para além disso, a grande parte das missões secundárias são episódios bem substanciais, com histórias que enriquecem o jogo e com ótimos valores de produção, num salto bastante substancial quando comparado com o jogo original.
Com este foco e curadoria, no entanto, há alguns sacrifícios passíveis, como uma redução de eventos de desafios – aqui concentrados nos desafios de Mysterio para Miles -, e com a ausência das missões de armazéns onde tínhamos que derrotar ondas de inimigos. Para alguns jogadores este tipo de conteúdo poderá fazer falta, mas, para mim, passou despercebida.
Graças ao ritmo do jogo e à forma como este nos convida a ir fazendo as missões, o mapa não se sente tão atolado de ícones e de objetivos, no entanto, a forma como estes aparecem no mundo aberto, se não forem limpos, correm o risco de tornar Nova Iorque numa cidade futurista cyberpunk, cheia de hologramas, cores e outros indicadores visuais dos pontos de interesse quando ativamos o scanner e permanecem no nosso campo de visão durante alguns segundos. É uma forma visual de representar os objetivos, que, na minha opinião, poderia ser mais elegante, pois acabam por nos lembrar que este belo jogo continua a ser, de facto, um jogo.
É impossível falar de Marvel’s Spider-Man 2 sem falar dos seus visuais. Nesta altura da geração e após consumir Marvel’s Spider-Man Remaster, tanto na PlayStation 5 como no PC, e da mesma forma Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, para mim é difícil ficar muito impressionado com Marvel’s Spider-Man 2. A fasquia está de facto elevada e sinto que a Insomniac Games conseguiu oferecer um jogo mesmo mais bonito e tecnicamente avançado. No entanto, sinto que o jogo acaba por cair um pouco no mesmo campo de Horizon: Forbidden West e de God of War: Ragnarok, em que o salto geracional expectável só se começa realmente a mostrar ao longo da aventura, de forma subtil, ou quando voltamos a pegar no seu antecessor, que confirma “realmente, está diferente”.
O salto visual está objetivamente lá. O detalhe nos fatos dos Spider-Man é muito maior – inclusive até se começam a rasgar à medida que levam dano -; a densidade dos ambientes é muito maior, com mais objetos e cenários detalhados; as texturas dos edifícios foram retrabalhadas; há mais veículos nas ruas; uma maior densidade populacional; etc. No fundo, o mundo aparenta estar mais rico.
Em cima disso temos um sistema de iluminação mais afinado, que cola melhor as personagens e adereços ao ambiente, resultando numa imagem mais rica e coesa. E temos ainda efeitos de Ray-Tracing a nível de sombras e de reflexos, que se apresentam com uma qualidade ainda melhor do que anteriormente.
O resultado final é espetacular e, à medida que o jogo vai apresentando novos cenários e o mundo se vai transformando – passando da noite para o dia e diferentes condições climatéricas (que infelizmente não encontrei forma de mudar manualmente) -, é várias vezes possível olhar para Marvel’s Spider-Man 2 e encontrar um jogo quase foto realista – o que é um deleite para fotógrafos virtuais, como eu.
No meio de isto tudo, o que torna Marvel’s Spider-Man 2 impressionante a nível técnico são os modos de jogo disponíveis. Como já tem sido hábito, a Insomniac Games dá-nos dois modos: o de Fidelidade com resolução 4K fixa a 30FPS – que é o recomendado porque mostra o que a PlayStation 5 é capaz de produzir; e o modo de Desempenho – que usa resolução dinâmica e sacrifica alguns aspetos visuais para atingir os 60FPS.
Eu considero-me um jogador exigente no que toca à qualidade de imagem e sou o tipo estranho que muitas vezes dá prioridade à resolução em vez do desempenho a 60FPS. Prefiro mesmo uma experiência sólida a metade da taxa, mas com a melhor imagem possível e todos os efeitos next-gen que um jogo possa oferecer. Por isso, foi com uma enorme satisfação e surpresa que abracei o modo de desempenho de Marvel’s Spider-Man 2.
Tal como prometido pela Insomniac Games, o jogo suporta Ray-Tracing em todos os modos, ajudando a tornar a imagem mais autêntica e coesa, o que é uma conquista por si só. Mas, tirando a imagem mais suave, devido à resolução dinâmica, tive uma enorme dificuldade em perceber a extensão dos seus sacrifícios. A olho nu, são impercetíveis! Juntando ao facto de ter então melhor fluidez, foi difícil voltar ao modo de Qualidade.
Contudo, as diferenças podem ser encontradas ao ativar o modo de fotografia, que altera automaticamente para o máximo de fidelidade possível, onde, por exemplo, o cabelo do Miles, em roupas normais, revela uma diferença na qualidade de apresentação, passando para um detalhe muito mais elevado. Mas como estes são detalhes que realisticamente pouco se notam a não ser numa comparação lado a lado, não me preocupou.
Mas e se a experiência pudesse ser melhor? E pode ser! Marvel’s Spider-Man 2 conta com um modo de 120Hz que desbloqueia a taxa de frames destes modos. Ao testar num monitor 4K preparado para o efeito, este modo em modo de Qualidade apresenta o jogo aparentemente acima dos 30FPS, dando-lhe uma fluidez extra. Já no modo Fidelidade, supera também os 60FPS, mas é mais notório o sacrifício da resolução dinâmica. Seja como for, todos estes modos são opcionais e oferecem resultados mais do que aceitáveis.
Marvel’s Spider-Man 2 é mais um ótimo show-off técnico da PlayStation 5, construído com as bases bastante sólidas do motor da Insomniac Games usado também no mais recente Ratchet And Clank: Rift Apart. No entanto, apesar de todas as suas mais valias e merecidos elogios, quer a nível técnico, quer a nível narrativo, é um jogo extremamente seguro, onde sinto que podia ter ido um pouco mais além, especialmente a nível emocional. No fundo, gostava que tivesse ainda mais drama, em particular na reta da sua conclusão.
Marvel’s Spider-Man 2 é, no entanto, uma excelente sequela que responde diretamente aos pedidos e feedback dos fãs, que introduz também elementos muito interessantes para a mitologia deste Spider-Verso, expandindo-o para novos territórios ainda não explorados neste meio e deixando muitas portas e questões em aberto, que, em defesa da Insomniac Games, parecem ter sido deliberadamente pensadas para o efeito. Por isso, venha daí o próximo!
Marvel’s Spider-Man 2 é um exclusivo PlayStation 5 e fica disponível no dia 20 de outubro.
Cópia para análise cedida pela PlayStation Portugal.