A Focacceria Bread Maniacs não nasceu para replicar cegamente a tradição, mas para oferecer uma experiência autêntica, honesta e adaptada à realidade portuguesa.
Constou-nos que no coração de Belém há um espaço que poderia passar despercebido a quem não conhece a zona a fundo: uma loja de rés-do-chão reaproveitada com engenho e transformada num restaurante com identidade própria: a Focacceria Bread Maniacs. Fomos em busca desta focacceria bem falada e o Google Maps guiou-nos até a uma esquina de um dos prédios urbanos que ladeiam o Planetário Gulbenkian, nas traseiras do Centro Cultural de Belém. Certamente, muitos de nós já estiveram no Planetário, aquando daquela visita de estudo de filosofia ou geografia ou ciências… A luz do oriente banha aquelas edificações, as torres manuelinas dos Jerónimos, a arquitetura retilínea do CCB rasgando o azul do céu… Pois foi aí que demos com esta Focacceria intitulada “Bread Maniacs” e cujo slogan, escrito lá fora, no avançado que amplia a antiga loja do prédio, simplesmente diz: “Spread the Madness”.
A ideia nasceu do Chef & Founder Bruno Marcelino, que espelha a tradição da diáspora portuguesa e partilha aqui connosco a sua trajetória profissional, desde o setor da hotelaria até ao da gastronomia. Já com uma longa carreira na hotelaria e experiência internacional em catering, incluindo muitos anos como gestor de hotelaria em plataformas petrolíferas, Bruno Marcelino andou um pouco por toda a parte, percorrendo África, Ásia e América do Sul. “Passei quase 15 anos a viajar. Embora tenha estado em plataformas, sempre quis criar algo com raízes sólidas”, explica.
Acabou por regressar a Portugal com uma ideia clara: queria um projeto próprio, com base na qualidade dos produtos e sem deixar de valorizar o que é nacional e bom. Essa vontade materializou-se no final de 2023, com a abertura da Focacceria Bread Maniacs, como projeto-piloto, a “ver como resultava”.
E resultou bem. A Focacceria Bread Maniacs, aberta desde maio no espaço atual, nas imediações do Centro Cultural de Belém e do Planetário Gulbenkian, está a viver em cheio aquilo que sempre idealizou. Bruno também menciona a importância da inclusão de vinhos portugueses na carta e a intenção de expandir as operações para eventos.
À primeira vista, a arquitetura chama a atenção: ao espaço original foi acrescentado um “avançado”, uma estrutura com janelas – uma delas, uma lateral amovível que funciona como toldo. Esta solução simples e inteligente deixa entrar o ar agradável do verão e o sol, mantendo o conforto. Disto, resulta uma sala luminosa, arejada e descontraída. Do outro lado do passeio, a pequena esplanada com uma ou duas mesas acrescenta mais três reticências a um espaço que parece, todo ele, feito à medida.
A especialidade da Focacceria Bread Maniacs são, pois, focaccias feitas com produtos italianos. Mas a carta, construída com humor, não se limita a listar focaccias.
Há um jogo de nomes e combinações que sublinha a “madness” da casa, tanto no humor como no risco. As bases são simples – pão, ingredientes italianos de qualidade, e cremes como gorgonzola e parmesão -, mas as propostas vão do clássico ao inesperado. A sazonalidade também entra no jogo: a Focaccia de figos, por exemplo, aparece no verão e combina o doce da fruta com rúcula e vinagrete balsâmico.
A massa – ponto central do conceito – não é a tradicional focaccia italiana: “Optei por uma massa mais parecida com pão, que desse para rechear e transformar em sanduíche”, explica Bruno Marcelino. Esta decisão técnica define toda a experiência do cliente, num equilíbrio entre leveza e consistência, que permite que ingredientes intensos não se sobreponham.
“Não se trata apenas de pão recheado”, resume Bruno, e bem. “Cada prato é pensado para que a experiência seja completa, mas sem artifícios.”
Quando chega a hora de provar as focaccias da Focacceria Bread Maniacs, as opções são muitas. Exemplificando apenas, temos a Louca (Mad) – Creme gorgonzola, cebola confitada, pistácio; a Doida (Wacky) – Speck, creme trufa, cogumelos, burrata, azeite de trufa; a Demente (Delirious) – Presunto cru, mozzarella, pesto, tomate; a Insana (Insane) – Coppa, taleggio, pesto de tomate, beringela picante; ou a Lunática (Loony) – Ventricina, pasta trufa, cogumelos, mozzarella; e, como dissemos, muitas mais…
E há ainda as tábuas de enchidos – pancetta, salame, ventriccina, speck, presunto, mortadela – e queijos. Estas iguarias são acompanhadas de cremes frescos feitos no momento.
Quando chegámos, era mesmo aquela hora de almoço soalheira. A sala da Focacceria Bread Maniacs estava composta e percebia-se o vaivém de clientes regulares e alguns turistas experimentando a sua primeira visita. Com tudo o que está naquela carta em perspetiva, pedimos conselho ao Chef.
Bruno Marcelino não teve papas na língua. Para começar, “podem optar pela Tábua Alucinada”. E foi o que fizemos. Mandámos vir a tal tábua de enchidos e queijos italianos que se traduziu numa amostra de charcutaria de qualidade, com fatias cortadas diretamente das peças, em cima do balcão da cozinha – ao nosso gosto, bem finas -, como pancetta, salame, ventriccina, speck, presunto e mortadela, vindo ainda acompanhada de cremes de gorgonzola e parmesão. A sugestão de provar em tábua faz todo o sentido, dado que funciona muito bem como entrada ou refeição partilhada, permitindo explorar, com a focaccia, entenda-se, os sabores da charcutaria italiana – partilha-se, petisca-se e, se sobrar, leva-se para casa. Um começo promissor.
A sazonalidade também entra no jogo. Então, a segunda sugestão, já em matéria de focaccias, foi uma versão especial, a Focaccia sazonal de figos, o que é natural, pois é um fruto de verão. Foi uma boa revelação, esta focaccia leve, fresca e algo provocadora, posto que combina o doce da fruta com rúcula fresca e vinagrete balsâmico, o que lhe confere e reforça o paladar delicado e bastante fresco.
Quando uma não chega vai-se à segunda. Avançámos então para opções mais sólidas, como a Louca, esta já da carta, digamos; trata-se de uma focaccia à bolonhesa. Esta sandes é ótima e traz dentro do pão um ragù adaptado, suficientemente húmido para dar sabor mas contido o suficiente para não comprometer a estrutura do pão.
Há, claro, que equilibrar todos estes sabores com um bom vinho. A carta de vinhos da Focacceria Bread Maniacs é outra extensão da filosofia do Chef: atenção à qualidade, simplicidade e complementaridade com a comida. Bruno reforça que se trata de uma homenagem à produção portuguesa, provando que não é necessário recorrer exclusivamente a rótulos italianos para complementar uma experiência de muito boa qualidade.
Fresco, elegante e equilibrado, o vinho acompanha sempre bem a leveza das focaccias sazonais, mas também os cocktails e as limonadas (experimentem a de melão, lima e hortelã), que colam perfeitamente com a intensidade da Focaccia de bolonhesa ou dos enchidos.
Não precisámos de pensar muito para optar por um Thyro Douro Tinto 2020, um vinho que se revelou a escolha perfeita para a diversidade de sabores em cima da mesa. Um blend de Tinta Roriz e Touriga Nacional, feito com mínima intervenção, que acrescentou à refeição um paladar frutado, frescura e elegância. Não pesou demasiado nas focaccias, mas teve corpo suficiente para dialogar com os enchidos da tábua e com a intensidade da Bolonhesa.
No final, as sobremesas deram o remate certo: o Tiramisù cumpre o clássico italiano, com equilíbrio entre mascarpone, café e muito cacau em pó polvilhando a superfície. Como doce, revelou-se particularmente leve e fresco. Já quanto ao Cheesecake de requeijão de Seia com doce de abóbora, o forte é a base, um tanto original, a lembrar a própria focaccia: uma espécie quase de massapão, portanto sem aquela textura areada dos cheesecakes tradicionais, e o doce de abóbora na camada superior, com um doce travo que dá vontade de pedir mais.
Que o espaço tem charme, isso tem. Mas também algumas limitações. Como foi dito, a Focacceria Bread Maniacs nasceu do reaproveitamento de uma loja de rés-do-chão, à qual foi acrescentada uma estrutura com janelas e uma lateral ampla, amovível, que funciona como toldo opcional. A solução é inteligente: areja o espaço, deixa entrar luz natural e mantém conforto mesmo sob o sol lisboeta. Do outro lado da rua, uma esplanada reduzida comporta uma ou duas mesas, cumprindo a função de espaço exterior, mas com um enquadramento que, admitamos, não é o perfeito.
O interior, funcional mas limitado, reflete uma proposta honesta: algumas mesas pequenas, adequadas a visitas individuais ou a dois, alternando com outras para grupos maiores – também é possível juntá-las, pois assistimos a uma festa de aniversário com cerca de 20 pessoas. Há uma porta automática de vidro para circulação do ar e uma cozinha com entrada independente para staff e mercadorias, evitando atrapalhações com o movimento de clientes e que deixa à vista uma cozinha organizada e limpa, dotada de equipamentos modernos. A única casa de banho consiste numa cabine, para ambos os sexos.
A Focacceria Bread Maniacs vende na sua clara filosofia: menos é mais. A comodidade e tonalidade aprazível do espaço estão garantidas e a carta resulta numa composição pensada, equilibrada, em que o segredo está na qualidade das matérias-primas e no cuidado do processo.
Bruno Marcelino já falou da vontade de crescer, de experimentar eventos e talvez abrir mais espaços. A avaliar por este almoço, não restam dúvidas de que há futuro para este projeto. Afinal, em Lisboa cabem muitos mundos, e este é um que vale a pena descobrir.
A Focacceria Bread Maniacs não é um restaurante perfeito, mas também não pretende sê-lo. Entre focaccias criativas, enchidos italianos, sobremesas de luxo e um vinho português que esteve à altura, o almoço na Focacceria Bread Maniacs foi uma experiência mais do que positiva.
O espaço tem limitações, visíveis logo à primeira visita, mas a proposta é clara: focaccias adaptadas, ingredientes italianos bem escolhidos e um ambiente que, mesmo sem sofisticação, já conquistou o seu público. A “madness” está tanto nos nomes do menu como na coragem de reinventar uma massa tradicional. Vale a pena pela comida, pelo vinho certo e pelo olhar honesto de quem arriscou criar algo novo num enquadramento histórico como o de Belém.
Para quem mora perto ou passa pela zona – ou para os que são simplesmente curiosos e adoram partilhar experiências -, a Focacceria Bread Maniacs impõe-se como paragem obrigatória. Porque há lugares assim: que nos fazem viajar – mesmo sem sairmos de Lisboa…