Produtora responsável por filme com Kevin Spacey recebe milhões em transferências e entra na mira do Ministério Público por possível branqueamento de capitais.
Kevin Spacey, durante anos uma das figuras mais reconhecidas de Hollywood, tem tentado recuperar a sua presença no grande ecrã depois de uma sucessão de escândalos relacionados com agressões sexuais que abalaram a sua carreira. Ora, é precisamente um dos seus novos projetos que colocou Portugal no mapa de uma investigação financeira, depois de as autoridades terem detetado movimentações suspeitas ligadas à produtora responsável pelo filme.
De acordo com uma investigação do Expresso (acesso pago), a história terá começado em Lisboa, onde a produtora portuguesa Elledgy Media foi criada no final de 2023 com um capital simbólico e sede num apartamento em Benfica. À primeira vista, nada fazia prever que a empresa, recém-formada e sem histórico relevante, viria a receber quase uma centena de transferências num intervalo curto de tempo. Entre abril de 2024 e maio deste ano, entraram na conta da produtora mais de 4,8 milhões de euros, a que se juntaram depósitos avultados em numerário. Os bancos fizeram o que a lei exige e enviaram relatórios ao Ministério Público, levando o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa a abrir um inquérito por suspeitas de branqueamento de capitais.
No centro da operação está Elvira Paterson, empresária ucraniana radicada em Lisboa há vários anos e responsável pela Elledgy Media. A ligação que mantém com Vladimir Okhotnikov, um empresário russo envolvido em esquemas de criptomoedas avaliados em centenas de milhões de dólares, tornou-se um dos pilares da investigação. Okhotnikov não só é coautor e coprodutor do filme The Portal of Force, protagonizado por Spacey, como terá usado a produtora portuguesa para movimentar dinheiro associado aos seus projetos digitais. Em mensagens trocadas com um advogado, Paterson admitiu que mais de quatro milhões de dólares tinham passado pela empresa desde que conheceu o russo, acrescentando que o restante financiamento chegava através de criptomoedas.
Os investigadores também analisam a atividade financeira pessoal de Paterson, que depositou cerca de 300.000€ em numerário numa conta individual e recebeu transferências de montantes elevados num espaço de semanas. A empresária justificou essas entradas como ofertas dos pais destinadas a amortizar um crédito imobiliário, mas os valores reforçaram as dúvidas das autoridades.
A investigação internacional conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou ainda que a Elledgy Media organizou, entre 2024 e 2025, eventos com presença de figuras de Hollywood em vários países. Estes encontros serviriam para promover os projetos de Okhotnikov, nomeadamente o Meta Force, um universo ficcional pensado para atrair investidores, combinando banda desenhada, videojogos e cinema. O projeto acabou por ser encerrado, dando rapidamente lugar a outro, o Holiverse, igualmente associado ao mundo cripto.
Enquanto o filme com Kevin Spacey segue para a fase final de produção, com estreia prevista para o próximo ano, a vertente financeira continua sob análise. O DIAP tenta agora perceber se Portugal foi usado como plataforma para movimentações monetárias cuja origem permanece por esclarecer, num caso que combina cinema, criptomoedas e suspeitas de lavagem de dinheiro.
