Jackass Forever dura 90 minutos e é divertido, nostálgico e catártico. Não é um filme, nem se presta a ser. É Jackass.
Atenção, esta crítica contém elementos do “enredo” do “filme”. Estreou hoje nos cinemas Jackass Forever, o quarto filme na saga Jackass, criada há mais de 20 anos por Johnny Knoxville, Jeff Tremaine e Spike Jonze. Tudo isto começou com a ideia de Knoxville fazer um artigo sobre testar equipamento de defesa pessoal em si mesmo, envolvendo levar com spray pimenta, dois tasers e o culminar com um disparo à queima-roupa contra um colete à prova de bala. Knoxville sobreviveu, as filmagens dos testes tornaram-se mediáticas… e assim nasceu Jackass.
Estamos em 2022 e este promete ser o quarto e último filme da saga. Knoxville já disse que não pretende continuar com estas aventuras, já arriscou demasiado, mas nunca diz nunca. O que nunca acontece neste filme é uma sensação de introspeção. Lá está, não é um filme, é um documentário de comédia sobre stunts perigosas, realizadas por um elenco de duplos não preparados nem treinados para o efeito. A magia da série, e dos filmes subsequentes, sempre foi essa, daí o título Jackass. Estes jagunços submetiam-se às circunstâncias mais ridículas e perigosas, com resultados traumáticos. Em miúdo eu não entendia o apelo. Agora em adulto, marcado, cansado e desapontado, finalmente vejo a magia de Jackass, o alívio que traz ver um grupo de adultos a comportarem-se como crianças, tão próximos da sua infantilidade que a sua alegria é contagiosa e o mal-estar que auto infligem a si mesmos mais divertido torna o filme.
Claro que estar a falar criticamente de Jackass nunca deve ir demasiado longe porque o filme existe e funciona, não num nível superficial, mas num nível visceral de sensação. É imediato e honesto, daí ser tão cativante. Desde o minuto que começou, eu não parei de rir. Agora, não foram 90 minutos de completa e total euforia. O filme tem piada, mas a fórmula está a ficar um pouco cansativa e repetitiva, admito. E também há outra coisa a ter em conta:, falar de Jackass como um filme fechado, como uma obra cinematográfica, incorre o risco de desvirtuar o seu propósito. É diversão em nome da diversão. Talvez pudesse ter um pouco mais de envolvimento dos seus personagens, descobrirmos um pouco sobre quem são estas pessoas e ver o desenvolvimento das partidas, a sua conceção e a ideia. Talvez quando Werner Herzog se dignar a realizar o quinto capítulo da saga…
Não acredito que um membro do público, do mais inteletual ao mais pedante, não consiga ver este filme e não esboçar um sorriso. É o humor no seu nível mais básico, mas é por isso que funciona.
Mas há outra razão porque deveria funcionar – o elenco. E no entanto, neste quarto capítulo, esse é o ponto fraco do filme. Os novos membros não são particularmente apelativos e as celebridades convidadas não trazem grande magia aos eventos, com exceção de uma partida pregada a Eric André. Knoxville e Steve-O, sempre que estão em cena, elevam o filme. São performers com bastante carisma e piada. Infelizmente, ficam em pano de fundo durante muitas das stunts.
Mas se estão a ler esta crítica, é porque efetivamente querem saber se o filme tem piada e o que é que nele acontece. Sim, tem piada. Desde a sequência introdutória – possivelmente a sequência mais cara do filme, em que vemos um kaiju lagarto a devastar uma maquete de uma cidade, espalhando o caos e a destruição por diferentes membros do elenco, numa sequência retirada diretamente dos clássicos da Toho que culmina com a revelação de que o lagarto gigante é nada mais, nada menos, que o pénis caracterizado de Chris Pontius – até facelifts de escorpiões, encontros surpresa com ursos pardos, rampas humanas para skaters, testículos como alvo de uma bola de softball ou território para colocar uma colmeia de abelhas… se estes elementos não vos fazem rir, não comprem sequer o bilhete.
Eu não vi todos os filmes da saga, pelo que não posso dizer se Jackass Forever se destaca em relação aos outros. O que senti é que, além de quatro sequências mais especiais, o resto das stunts representadas não foram tão chocantes ou divertidas quanto esperava. Isto não quer dizer que não tenham tido piada, tiveram, mas acho que a originalidade ficou um pouco aquém das expectativas.
Agora, naquelas sequências que por acaso figuram nos posters do filme, seja o canhão humano que dispara Knoxville feito Ícaro, ou a investida de um toro contra Knoxville, aqui o filme brilha. É simples, está bem captado e é eficaz.
O que senti foi falta de mais envolvimento do elenco. Há um momento em que conhecemos um pouco de detalhes sobre a vida de um dos recém-chegados, Jasper Dolphin, e o seu pai, mas não é o suficiente para nos envolvermos. Queria perceber mais sobre estas pessoas que se prestam a estas atividades tão perigosas e incorrentes de riso para me identificar com eles a mais que um nível primitivo de reconhecimento. Talvez não haja reconhecimento na vontade de expor a genitália a agressões constantes, mas na predisposição para o perigo com a promessa de risos, havia um reconhecimento e queria conhecer melhor estas pessoas. Mas este não é esse filme. Jackass Forever perpetua a promessa da saga, estupidez atrás de estupidez, em nome da diversão e da amizade. Infelizmente, a falta desse elemento do grupo, do envolvimento próximo destes participantes, não está muito presente, exceto na sequência de créditos finais, que nos mostram os bastidores das filmagens.
Mas não importa se não há uma narrativa ou um pensamento sobre a predisposição do indivíduo ao risco, a necessidade do espírito humano viver em comunidade e pertencer a uma tribo construída de ideais partilhados. O que encontramos aqui é mais que isso, é a execução na prática do espírito aventureiro… com malta a ser empurrada por ventoinhas gigantes, a caírem sobre catos, a serem disparados de canhões gigantes, a levarem com touros, a sofrerem um puxão de cuecas destrutivo, a serem projetados para o teto de uma loja de mobiliário, a serem forçados a beber leite num carrossel super rápido, apenas para levarem com bolas de paintball na sequência climática do filme… enfim, é Jackass. E pelos vistos, dura para sempre.
A questão é: ainda estamos interessados? O público na sala parecia estar, mas a sala não estava cheia, nem sequer preenchida pela metade. Não sei o que é que isto quer dizer, não sei se conta para alguma coisa. Acho que cada um retira o que quiser destes filmes, mas ignorar o impacto que os mesmos, e a série que originou tudo, teve na nossa cultura ocidental, é hipócrita. Talvez a existência deste filme seja uma consequência da cultura de mediocridade que assentou em nós desde os anos 80. Talvez seja um apelo do espírito humano a quebrar limitações morais e comportamentais. Ou talvez seja apenas um pouco de diversão durante 92 minutos. Isto porque nada nos tira o pensamento sobre guerras, o aumento das rendas, a falta de trabalho e o acumular de impostos sobre impostos, do que ver um homem adulto a ser esmurrado nos tomates por Francis Ngannou.
O que é que preferem, ir ver um drama romântico de três horas em torno de se conduzir um carro? Na verdade, também devem ir ver Drive My Car… vá, para limpar o palato depois deste filme. Ou o inverso. Jackass Forever dura 90 minutos e é divertido, nostálgico e catártico. Não é um filme, nem se presta a ser. É Jackass. E tá dito…