É o início do fim e o fim do início.
A Netflix apostou no 3º e último ciclo (ou temporada, se preferirem) de DARK e as expectativas eram enormes. Pois bem, posso dizer que foram superadas com sucesso!
Se acharam as duas primeiras temporadas complicadas de perceber, esta vai levar-vos ao limite.
Caso a memória não vos falhe, lembram-se certamente que a segunda temporada de DARK terminou de forma muito ambiciosa e ousada. Apesar da confiança que a série conquistou, ao longo de duas temporadas, e o facto de ser bastante sólida, era difícil não ter receio para o que a 3ª temporada reservava (ainda mais sabendo que é a última, conhecendo a amplitude da história).
Com base na cena final da segunda temporada, altura em que Martha reaparece e revela a Jonas vir de outro mundo e com a sinopse da 3ª temporada a acrescentar que Jonas e companhia descobriram que o ciclo podia ser quebrado, tornou-se evidente que ia ser preciso haver uma reconstrução quase de raíz do enredo, para suportar a narrativa já existente.
O mais incrível? Conseguem-no fazer quase na integra em apenas cinco episódios. No entanto, devido a isto, esses primeiros episódios são algo semelhantes aos homólogos da primeira temporada, onde não há muitos plot twists espetaculares, mas é formada aquela intriga excitante a um ritmo constante.
Quando chegamos ao sexto episódio, a série começa-se a parecer mais com a segunda temporada – altura em que tudo começa a encaixar como um puzzle. Foi neste momento que todo o receio face ao rumo da narrativa começou a perder força, tendo sido substituído por uma confiança inabalável e um entusiasmo explosivo.
Nota para o final do episódio seis – Licht und Schatten (Light and Shadow) – que emprega a música escolhida para dar sentido à sequência alucinante de revelações e acontecimentos. Já no sétimo episódio é feito o impensável, na forma como reconstroem a linha temporal em causa e expõem todo o conteúdo até então oculto (que dava para fazer mais dois ou três episódios) de forma tão fluida. No oitavo é feita história e mais não digo!
Se algures durante esta temporada acharem que o tempo está a ficar apertado para a evolução da narrativa e acharem que é impossível explicar tudo de forma clara sem lacunas, lembrem-se que a base de DARK é a viagem no tempo, logo o tempo é relativo.
Baran bo Odar e Jantje Friese tinham com esta última temporada uma missão complicada e algo ingrata. Isto porque, no caso de conseguirem fazer encaixar tudo no final de forma concisa e bem explicada (que foi o caso), não tinham feito mais do que a sua obrigação.
No entanto, se falhassem num único pormenor, DARK perdia grande parte do valor que tinha construído até aqui. A título de curiosidade, esta segunda condição aconteceu com 12 Monkeys no passado. Série essa que, com mais tempo de ecrã, não conseguiu explorar tantas personagens (e tão profundamente), desenvolver tão bem a história, nem atingir o mesmo nível de complexidade.
É de uma mestria imensa como a história se completa e fecha de forma tão simples, emotiva e segura, após tanta complexidade e frieza. Chega até a ser assombroso.
É preciso ser-se muito organizado e metódico para ter sucesso neste tipo de produções, que englobem na viagem no tempo a causa-efeito. Uma enorme salva de palmas para Odar e Friese.
Em relação ao elenco, voltou com mais força que nunca. Apesar de haver personagens novas e parcerias inesperadas, são as personagens no geral a real fonte de valor de DARK, pois são elas que suportam e oferecem fluidez à narrativa, até nos momentos mais complexos de captar. Claro que isto é um trabalho que se estende ao longo de três temporadas, mas o desenvolvimento e exploração de personagens nesta temporada é o melhor até agora.
Chegando ao fim, todas elas recebem o tempo que precisam para completar o seu arco de narrativa com clareza e naturalidade, unindo todas as fases – que mereceram exposição – da vida de cada um. O destino é mais brando para umas e mais ingrato para outras, mas na luz e na escuridão, é evidente que nem todos podem ter o mesmo fim.
É injusto enaltecer as personagens sem falar do trabalho de representação. Todo o elenco conseguiu brilhar à sua maneira, graças ao bom balanceamento de tempo de ecrã, e conferir riqueza às personagens que protagonizaram ao longo destes oito episódios finais. Contudo, é preciso destacar dois atores em concreto.
Nas temporadas anteriores, ainda que Lisa Vicari (como Martha Nielsen) tenha aparecido de forma recorrente, andou sempre na sombra da relevância, porém nesta temporada vai ao extremo oposto. Ganha imenso protagonismo, tornando-se na personagem central e prova estar à altura das exigências. Este acréscimo de protagonismo serviu bem para Vicari mostrar nuances de representação que, até então, estavam ocultas num manto de segurança e pouco risco.
Louis Hofmann (na pele de Jonas Kahnwald), em contra-partida, foi quase sempre o protagonista da série, mas, até ao final da segunda temporada, teve prestações muito pouco convincentes em momentos que exigiam mais emoção e vulnerabilidade. Por fim, Hofmann quebrou a camada que o estava a puxar para trás e adicionou a Jonas um nível de dor e sofrimento à sua representação, conferindo-lhe uma presença tão forte que, por vezes, bastava manter o foco na sua expressão facial e já era possível absorver a carga emocional de todas as suas cenas que o exigiam.
Onde outras séries passam (ou passaram) dificuldade em criar pontos fortes, DARK destaca-se. A nível visual há poucos a conseguirem chegar a este patamar.
Falo da saturação de cor e o brilho ajustada à época representada e ao peso das cenas. Falo do quão gloriosa é a fotografia em momentos emotivos e onde os efeitos provenientes da ficção científica brilham ainda mais intensamente. Falo do enquadramento em grande planos a captar toda a beleza de Winden, que, apesar de não ter nada de icónico (para além da gruta), consegue fazer da localidade um destino de sonho. Falo sobretudo da forma como fazem a ligação emocional das personagens entre o seu “eu” em diferentes épocas com recurso à divisão de ecrã. À semelhança da segunda temporada, o bom trabalho continuou neste sentido.
Outro pormenor interessante no que toca ao visuais de DARK, e que vem provar que nada é feito ao acaso, é o efeito caleidoscópio usado nos créditos de abertura, muitas vezes formando tríades. Tivessem mais séries este cuidado com os detalhes!
Pousem os smartphones, concentrem-se na série e não pisquem os olhos durante muito tempo, caso contrário vão perder pormenores fulcrais para desfrutarem desta viagem alucinante pelo tempo (e não só).
DARK é uma série especial e única, composta por três temporadas (uma tríade) que se complementam de forma irrepreensível. A primeira criou as bases do mistério e intriga, a segunda desenvolveu essas bases resultando em revelações abismais e a terceira tem o propósito de dar sentido às duas primeiras. É a mais espantosa pela forma como faz cair todas as peças, como se um carreiro de dominó se tratasse.
Veredicto final? DARK conquistou um lugar junto aos Deuses do Olimpo das séries.