Luto, vingança e novas alianças, num regresso épico que eleva a fasquia e as ambições de Fortiche e da Riot Games em contar histórias cinemáticas.
A coroa é mesmo pesada para a Fortiche e Riot Games. Após uma inesperada, mas excelente, primeira temporada da adaptação de um dos videojogos mais populares à face do planeta – League of Legends –, chegam agora com ambições e fasquias mais elevadas do que nunca. Não só narrativamente ou artisticamente, mas também financeiramente, dado que, com esta segunda e última parte de Arcane, os seus 18 episódios custaram alegadamente 250 milhões de dólares a serem produzidos e promovidos.
Novamente com estreia em três partes (ou Atos), uma já disponível, outra no dia 16 de novembro e, por fim, uma terceira a 23 de novembro, e a julgar pelos seis primeiros episódios, Arcane responde de forma espetacular a qualquer expectativa dos fãs – pelo menos aqueles que apenas conhecem a série e não o universo em que se inspira, como eu.
Por agora, foquemo-nos apenas nos seus primeiros três, já disponíveis na Netflix, que não poupam tempo nenhum a responder às questões deixadas na season finale anterior, onde Jinx – incrivelmente protagonizada por Ella Purnell, que lhe empresta a voz –, que num dos momentos mais catárticos da série até aquele momento, puxa o gatilho do seu lança-rockets contra os líderes de Piltover, mudando para sempre as dinâmicas pessoais e políticas desta história.
Quem sobreviveu ao ataque, quem ficou para trás, quem sofre e quem se esconde nas sombras à espera de dar um passo em direção à luz é imediatamente revelado, com Arcane a não perder tempo a avançar para uma história completamente diferente e arrojada, ainda que alguns elementos mais cliché se avistem à distância, nomeadamente no que toca a novas alianças e traições.
Um dos aspetos mais emocionantes desta primeira parte é assistir à relação de Vi (Hailee Steinfeld) com Caitlyn (Katie Leung), que vem responder às expectativas dos fãs do “shipping”, mas sem deixar para trás aquele sentimento de uma relação vacilante e atribulada. Apesar de ambas partilharem a mesma missão e um certo sentimento de vingança e de justiça, os métodos e caminhos que ambas procuram resultam numa interessante dinâmica que, nos momentos mais intensos, é até capaz de subverter as expectativas de alguns espectadores, pela forma como esta se desenrola e as personagens crescem individualmente.
De igual forma, encontramos Jinx, “pós-monstro vingativo”, mas ainda em luto pelos seus atos e pela perda de Silco, enquanto navega à procura pelo seu lugar num mundo cruel, até que poeticamente conhece Isha, uma menina muda e órfã que a começa a seguir com admiração até ser aceite como uma irmã adotiva. O que no início poderia parecer uma pequena gimmick, dada a produção adorável da nova pequena personagem, rapidamente se torna num de vários pilares emocionais da série, ecoando a jornada de Jinx e Vi, anteriormente adotadas por Vander e, mais tarde, a trágica e tóxica relação entre Jinx e Silco.
Entre velhas e novas personagens que surgem no elenco, destaca-se nestes primeiros episódios Ambessa Medarda (Ellen Thomas), já apresentada nos episódios anteriores. A misteriosa mãe de Mel, Senhora da Guerra e com uma incrível presença no ecrã, toma por vezes o papel de uma vilã com motivações tão incertas como as suas próprias alianças. Ao longo destes episódios, assistimos a uma história de controlo geopolítico misturado com crescimento pessoal, que poderá ter implicações bem fortes e catárticas no futuro, e mal posso esperar para assistir à sua resolução.
O restante elenco já conhecido tem as suas histórias mais distribuídas, quase como side-quests de um videojogo, mas altamente importantes, pois, a cada novo pedaço dedicado a cada uma delas, separadas pelos seus interesses e missões, cresce um satisfatório sentimento de que, eventualmente, todos vão colidir, como o início de um battle-royale, claramente reminiscente, também, de um videojogo.
Por causa de uma enorme sensação de construção de mundo, build-up e de “colocação das peças no tabuleiro”, a segunda temporada de Arcane não é tão pesada em batalhas e em momentos de pura ação coreografada com músicas como a primeira, em que havia praticamente uma por episódio. Em vez disso, os momentos musicais são utilizados com maior regularidade através de montagens visuais de exposição ou segmentos lentos, e até heroicos e decisivos, preenchendo-nos com aquela boa dose de “hype” para avançarmos para às próximas cenas, como é o caso do primeiro episódio, que termina com uma épica rendição cinemática de “Heavy is the Crown”, dos Linkin Park – tema esse que foi o hino da edição desde ano do Mundial de League of Legends, que dá o nome ao primeiro episódio e que faz parte do álbum de regresso da banda, From Zero.
Mas isso não quer dizer que não haja cenas de ação fantásticas e dignas de retroceder e assistir de novo. Elas existem e são absolutamente fantásticas, funcionando na quantidade exata, sem abusos e em bom ritmo, até porque o seu peso catártico e emocional é muito maior do que tudo o que assistimos anteriormente – pois agora é o tudo ou nada.
Como seria de esperar, a produção visual de Arcane não desilude nesta temporada. A arte está no ponto e há uma clara maturidade cinematográfica e na composição de registos estilísticos, com uma interessante utilização de animação 2D tradicional muito mais prevalente. Em destaque está mesmo a cinematografia, que parece justificar os milhões de dólares gastos na produção, com uma apresentação estranhamente próxima do que seria filmar cenários, ambientes, ação e até cenas de diálogo em live-action, sendo muito fácil esquecermo-nos de que estamos a assistir, de facto, a uma produção animada. É, em consequência disso, cativante e extremamente imersivo.
Curiosamente, com um tom mais maduro e mais sério, apesar de ser emocionante especular sobre as histórias que serão apresentadas adiante, os primeiros episódios não atingem as alturas emocionais que seriam de esperar nesta primeira vaga de três episódios. As emoções existem, estão lá, mas esta história já não se resume às simples armadilhas que nos levam a esfregar os olhos de tristeza.
Arcane regressa assim em boa forma, havendo muito mais para especular e dizer com base nos futuros três episódios. No entanto, a minha mente já está a pensar no seu derradeiro final, que só acontece a 23 de novembro, e que, aí sim, irá certamente deixar-me de lágrimas nos olhos, nem que seja por saber que não haverá mais Arcane depois disso.