O festival está quase no fim.
Se os dois dias anteriores ameaçaram com temperaturas insuportavelmente quentes, este sábado, terceiro dia do Bons Sons 2024, os termómetros marcaram mesmo os 40 graus à sombra, o que condicionou claramente a experiência de viver a aldeia e de circular confortavelmente pelo festival.
Ainda assim, conseguimos dar um salto ao pátio da igreja por volta das 17h15 para assistir ao showcase surpresa dos Unsafe Space Garden, num formato acústico e bastante fora da caixa como já é característico na banda.
Mal terminou, muitas foram as pessoas que ficaram a relaxar na zona do pátio da igreja, enquanto outros dispersaram em busca de outras zonas mais frescas no festival, tais como sombras de toldos e árvores, SCOCS e cafés.
Foi por este motivo – saúde primeiro, sempre – que a nossa cobertura ao festival foi retomada apenas a partir das 19 horas, quando o sol já começava a abandonar, as temperaturas começavam a cair, o vento dava um ar de sua graça chegar e Emmy Curl a subia ao palco Giacometti – Inatel. Nascida e criada em terras de Vila Real, Emmy Curl celebra o que de mais belo tem a música popular portuguesa, ressuscitando diversas melodias antigas ligadas ao folclore transmontano e levando-nos numa viagem musical ao que mais belo existe na região interior de Portugal. Esta iniciou o espetáculo com músicas do seu mais recente álbum, Pastoral, tocando logo de inicio a música “chegada”, que depressa cativou toda a plateia com a sua voz celestial e com toques de sintetização, embebida em diversas sonoridades e batidas eletrónicas. Apesar do modernismo por demais evidente em todas os temas de Emmy Curl, esta nunca esquece as raízes base de música popular portuguesa, em especial da zona de Vila Real.
Já na sua terceira música, “Vem até mim”, Emmy Curl pegou na guitarra acústica, modulou um pouco a sua voz e, com a junção de mais alguns samples, conseguiu sozinha criar toda uma atmosfera digna de uma banda de 3 ou 4 elementos em palco.
Aos poucos, a cantora ia cativando cada vez mais a atenção do público, que lotou o recinto em frente ao Giacommeti – Inatel, e conseguiu-o na sua plenitude quando solicitou aos presentes para cantarem em uníssono o refrão da musica “Botar água na vinha”, para que esta conseguisse gravar um sample para o incluir logo a seguir na interpretação do mesmo tema. O resultado? Uma experiência sonora e um nível de interação criada por Emmy curl ao vivo e em direto, como muito raramente se vê num concerto.
Foram ainda tocados mais uns quantos temas que ainda não foram lançados em qualquer álbum, tal como a música “Macelada”, vinda diretamente de cantos populares de Vila Real, e que apenas será incluída na versão vinyl de Pastoral, e dois temas elaborados com poemas de seu bisavô Alberto Miranda, que serão incluídos em futuros singles ou EP’s da cantora. Houve ainda tempo para uma breve colaboração na música “Balabala” por parte de dois elementos dos Plasticine, que tiveram no dia anterior no palco Zeca Afonso.
Este foi um daqueles concertos para gravar nas nossas memórias e preservá-lo para mais tarde recordar.
Ainda embebidos no espírito cativante transmitido pela Emmy Curl, fomos rapidamente tentar conseguir um bom lugar na plateia do palco Zeca Afonso, claramente mais lotada que os dias anteriores, para assistir ao espetáculo dos Expresso Transatlântico de Sebastião Varela, Rafael Matos e Gaspar Varela.
Estes iniciaram a sua prestação em palco com a música “Azul Celeste”, vinda do primeiro álbum homónimo da banda, e, sem grandes conversas, avançaram logo se seguida para o hit “Western à lagareiro”, de forma a começar a levantar os muitos que ainda se encontravam sentados a assistir ao concerto.
A festa continuou com a interpretação de várias músicas do ultimo álbum Ressaca Bailada, dando um especial destaque aos temas “Bombália” e “Gangster (Canção para Dead Combo)”, que levantavam do chão cada vez mais pessoas para dançar, mas ainda a existir muitos resistentes a preferir ver o concerto confortavelmente sentados no chão.
Depois de Gaspar Varela atirar uma breve e simpática farpa ao público que ainda permanecia sentado, proferindo as palavras “Não estamos nas tardes da Júlia”, o espetáculo prosseguiu para uma interpretação bastante própria da “Canção de Embalar”, de José Afonso, em jeito de celebração do cancioneiro relativo à revolução de abril, como já tem sido hábito em todos os artistas que passam por este palco.
Chegando ao final deste belíssimo concerto, houve ainda tempo para tocar “Alfama Texas”, que conseguiu levantar a quase totalidade da plateia e que levou o guitarrista Gaspar Varela ao crowdsurf e a pedir no final, a todos, que era muito importante que cantássemos o fado.
Antes de jantar, demos ainda uma breve vista de olhos pelo concerto de Silk Nobre. Este fez uma tour por diversos hits seus, sempre embrenhados nas suas raízes africanas, dando sempre um foco especial ao seu novo álbum Diz à Mãe que está tudo bem. De todos os temas tocados por Silk Nobre, damos claro destaque às musicas “Change”, música que foi composta para o Festival da Canção 2024, e à musica “Sabe Sabe”, que juntas arrancaram do público diversas danças e muito boa vibe para o que restou do concerto.
Depois de uma jantarada mais tardia, viemos assistir à conjugação de talento mais curiosa em formato de banda. Estamos, assim, a falar dos Cara de Espelho, composta por diversos artistas provenientes de projetos como os Deolinda, Ornatos Violeta, Gaiteiros de Lisboa, entre outros. Quem dá a voz a este projeto é Maria Antónia Mendes, bem conhecida por ter dado voz a alguns projetos passados como A Naifa e Señoritas, e que estava aqui com a missão de dar a voz às palavras e composições de intervenção de Pedro da Silva Martins, mais conhecido por ser autor e compositor do projeto Deolinda.
Com uma identidade sonora e poética que bebe da música tradicional portuguesa, estes subiram a palco e começaram por interpretar a primeira faixa do seu disco “Cara que é a tua”, seguindo-se a reprodução de um dos hits mais conhecidos do púbico: “Corridinho Português”. Este fez mexer o esqueleto a todas as almas presentes na lotada plateia que se formou frente ao palco Lopes Graça.
O espetáculo prosseguiu para a interpretação de temas com letras mais ácidas e críticas da sociedade atual como “Político Antropófago” e “O que esta gente quer”, que captou a atenção de grande parte do público e levou-nos a refletir um pouco acerca de alguns temas mais quentes da sociedade atual.
Para terminar, “O que esta gente quer” convidou novamente a danças mais exuberantes e a tirar os pés do chão, seguindo-se para o tema “Varejeiras”, que ainda teve tempo para arrancar um inevitável coro do publico do seu refrão e acabou na repetição da música “Corridinho Português”, para termos a oportunidade, uma vez mais, de mexer o esqueleto antes dos Cara de Espelho fecharem a sua prestação no Bons Sons.
Por último, e tendo em conta a hora avançada, tivemos ainda um pouco de tempo para dar uma vista de olhos no concerto de Unsafe Space Garden no palco António Variações, banda esta que deu um showcase acústico durante a tarde de hoje para o largo da igreja, a partir janelas da zona de imprensa. De forma resumida, esta é uma banda formada por seis elementos e com um estilo musical bastante próprio, pois conseguem juntar diversos tipos de sonoridades diferentes apenas numa música. Para quem os vê pela primeira vez, como é o nosso caso, estranha-se por completo a forma impulsiva com que os diferentes ritmos e estilos desfilam acompanhados pela voz bastante jovem de Alexandra Saldanha. Mais tarde, já conseguimos compreender um pouco melhor o conceito do espetáculo a que estávamos a assistir, pois não tínhamos captado à primeira que estávamos perante um espetáculo com uma grande base teatral acompanhado por vários instrumentos, sonoridades e muito experimentalismo à mistura.
De uma forma geral, não conseguimos perceber se gostámos ou não da performance dos Unsafe Space Garden. Por outro lado, podemos dizer-vos que foi uma experiência que deve de ser assistida com muita atenção… pelo menos uma vez na vida.