Uma análise baseada em vários episódios do podcast Bill Burr’s Monday Morning Podcast.
Bill Burr é muitas coisas. Por um lado, é branco, ruivo, comediante, psicótico, paranóico e um ávido defensor dos direitos dos homens. Por outro lado, é casado com uma feminista afro-americana. E é esta duplicidade que faz dele um profissional tão interessante e, por vezes, tão incompreendido. Bill Burr produz um tipo de comédia que consegue simultaneamente conquistar homens que odeiam mulheres e pessoas que desprezam homens que odeiam mulheres. E isto não é para qualquer um.
À superfície, Bill Burr é um tipo que transporta em si uma caixa de pandora recheada de raiva (felizmente) reprimida e irritação pela espécie humana, especialmente por mulheres que, de alguma forma, o lixaram ou lixaram homens que ele conhece. Por causa disto, muitos homens que culpam as mulheres pelos seus falhanços gostam de o ouvir.
No entanto, depois de Bill ter casado com uma feminista, estes indivíduos revoltaram-se. Curiosamente, ao fazê-lo, estes homens acabaram por juntar-se às mulheres que fazem pensar que realmente existem razões para as odiar.
Digam lá se isto não é um feito. Uma só pessoa conseguiu ser um interesse comum para dois grupos que são naturalmente arqui-inimigos. Contudo, cada grupo tem uma justificação diferente para a sua posição. As mulheres detestam-no porque ele traz ao de cima a hipocrisia e a imaturidade de algumas mulheres e os homens estão desiludidos porque ele decidiu constituir família com o inimigo. Felizmente para nós, ambos estão errados face a Burr.
Burr não odeia mulheres, ele apenas odeia injustiças.
A desigualdade que existe entre géneros afeta mais as mulheres do que os homens. Porém, nas mãos da mulher errada, esta desigualdade pode ser uma arma letal contra o género mais forte. Um homem vítima de uma mulher é alvo de chacota, enquanto que uma mulher vítima de um homem é mais uma que faz aumentar as estatísticas. Ambos saem disto prejudicados, mas quando é hora de falar sobre o assunto, raramente ouvimos estas problemáticas a ser discutidas do ponto de vista do homem enquanto vítima.
Pode-se argumentar que os homens são menos afetados, e é por isso que se fala menos sobre a perspetiva deles, mas não é por isso que devem ser ignorados. Burr assume este papel. Fala do outro lado, o menos comum, o homem enquanto vítima das mulheres. E pelo caminho irrita muitas mulheres.
Pessoalmente, eu que sou mulher e defendo a igualdade entre géneros, gosto bastante de o ouvir. Mesmo nem sempre concordando com a maneira de pensar de Burr, reconheço-lhe o humor e, por vezes, a assertividade.
Há uma piada que ele faz sobre violência doméstica que começa com o mote: “Será que não há mesmo nenhuma razão para bater numa mulher?” A questão é forte e tirada de contexto é ainda mais impactante, mas o texto que ele tem em volta disto tem muita piada e levanta pontos muito importantes. “Como é que podemos resolver o problema da violência doméstica se não analisamos todas as variáveis?” É a outra maneira de pôr a questão, mas também é a mais confortável, e isso não tem muita graça.
Antes que alguém diga que há assuntos com os quais não podemos brincar, gostaria de dizer que o tema da piada não determina o alvo da piada. No exemplo que dei anteriormente, o tema é a violência doméstica, mas o alvo da piada não são as vítimas. O alvo somos nós todos. A piada brinca com o receio que a sociedade tem em fazer perguntas desconfortáveis e como isso nos pode estar a impedir de conseguir uma solução.
Dito isto, o humor não tem que ser contra-sistema nem espelho da sociedade. Pode ser isso, mas pode ser somente parvo. Acima de tudo, o humor deve ser um alívio, um descompressor. Por conseguinte, há lugar para todos, inclusive para Burr. Um comediante com um ponto de vista menos comum. Pelo menos, foi o primeiro que ouvi falar tão fervorosamente e de forma tão original sobre a relação entre homens e mulheres.
No podcast Bill Burr’s Monday Morning Podcast, ele também fala de outros temas, mas, dado que tem um segmento dedicado às questões dos ouvintes, ouvi-lo responder a questões sobre relações e afins é uma maravilha. Há clipes que, não importa quantas vezes ouça, terão sempre piada. Às vezes, nem é o que ele está a dizer que é o punchline; o riso de velho psicótico é o que me leva à gargalhada.
Apesar de tudo, não vos posso dizer que vão gostar. Muito provavelmente, não será verdade. É preciso ser-se um determinado tipo de pessoa para se apreciar o génio inculto de Burr. Sim, Bill não é o tipo mais culto de sempre, mas o que ele não sabe sobre livros sabe sobre a vida. E esse tipo de sabedoria dá mais jeito na vida real.