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Atomic Heart apresenta-se com grandes ambições e um enorme amor a outros videojogos, mas acaba por ser uma mixórdia de ideias num produto chato, por vezes amador e potencialmente com um coração em decomposição.

Já passaram alguns dias desde que terminei Atomic Heart e sinto que ainda estou a processar esta estreia do estúdio russo instalado em Chipre, a Mundfish. E não estou a “processar” a minha experiência por esta ter sido profunda ou especial, simplesmente não foi boa e não sabia muito bem como explicar de forma editorial o porquê.

Ao acabar o jogo, estava largado em lágrimas a rir com o nível de absurdidades e reviravoltas baratas e amadoras em sequências e cinemáticas criadas com a sensibilidade de quem acabou de ver um tutorial do Unreal Engine no YouTube. Algo que me colocava no modo de querer mostrar aos meus amigos e colegas o fator “tão mau que é bom” de Atomic Heart e numa posição de recomendação desta jornada que teria que ser testemunhada na primeira pessoa. Uma recomendação fácil de fazer para muitos jogadores, uma vez que este até foi um lançamento de Dia 1 no Xbox Game Pass. Mas passados estes dias, sinto que não vale a pena. Pois acho Atomic Heart um mau jogo. Tem coisas boas, excelentes até. Mas na soma das suas partes, não é bom.

Atomic Heart é um jogo que adora outros videojogos, em particular Bioshock e Fallout. E este não é um daqueles apontamentos cliché de crítico ou de press releases escritos por executivos que não sabem definir o seu produto, pois Atomic Heart não tem vergonha nenhuma de nos mostrar onde se inspira, com a sua entrada grandiosa numa cidade do futuro onde a paz e serenidade dominam graças aos avanços tecnológicos que prometem acabar com classes operárias, de forma a que os humanos se foquem na ciência e na evolução.

O jogo toma lugar numa versão alternativa da União Soviética, num período pós Segunda Guerra Mundial, onde a nação deste pedaço de terra a leste da Europa se tornou na maior potência mundial após a descoberta do “polímero” – uma substância líquida programável que revolucionou o estilo de vida dos humanos – e que agora se prepara para lançar uma rede neural para que os humanos possam interagir entre si, controlar as máquinas e fazer ciência sem recurso a ferramentas extra. É uma Utopia. E um sonho molhado para a Rússia de Putin.

O worldbuilding de Atomic Heart até é fascinante e explorado de forma fantástica através da arquitetura do Complexo 3826 – uma espécie de estado com diferentes distritos dominados por instalações industriais e científicas no céu, na terra e debaixo do mar; através dos inimigos robóticos e variados inspirados no design bélico russo durante a segunda metade do século XX; através dos cuidados ambientes e adereços que decoram cada espaço que visitamos; através das animações dinâmicas de todas as engenhocas com as quais interagimos ou simplesmente observamos; e através de pedaços do jogo que quebram qualquer lógica, entrando no reino do surreal. Crédito onde é devido, Atomic Heart tem estilo. E faz de alguma forma justiça àquilo que assistimos a trailers na última meia década de desenvolvimento. É visualmente apelativo, estranho, absurdo e convidativo. E se Atomic Heart fosse uma aventura atmosférica, de exploração, combate e resolução de puzzles, com uma pitada de walking simulator, onde a sua narrativa era apresentada através de visual storytelling… Seria incrível.

Não gosto de olhar para um filme, jogo ou série e colocar o chapéu do “What if?”, apontando que deveria de ser outra coisa. Mas com base em tudo o que vimos do jogo no passado e o secretismo até à sua reta final de produção sobre o que realmente era, não consigo afastar um sentimento de desilusão. Ainda para mais quando a narrativa, a jornada, as personagens e o protagonista apresentados são do pior.

Não vou falar muito na história em si nem no que realmente me irritou, por serem elementos inerentes a pontos chave que são spoilers e daqueles que, por muito bons ou maus, merecem ser preservados para causarem algum tipo de efeito no jogador. Mas fica aqui a dica: a história vai “a sítios” e muitos deles tão previsíveis que um amigo meu conseguiu prever quase tudo o que acontecia apenas com o poder da imaginação, baseado em apenas 3 horas de jogo.

No entanto, posso dizer o quão detestáveis são as personagens e o quão mau é o desempenho de vozes no mesmo. Diz-nos a Mundfish no seu guia de análise para jogarmos na língua original, em russo. Um partida gira, dado que muitos dos que estão a ler isto, como eu, não percebem russo e, portanto, tornar-se-ia difícil perceber se o desempenho ou a escrita de diálogos era intencionalmente má ou não. Já em inglês, Atomic Heart apresenta algum do pior voice-acting dos últimos anos para um projeto deste calibre. O nosso protagonista, P-3, e a sua luva, Charles, falam pelos cotovelos. Uma característica comum em jogos modernos ocidentais que, aqui, ganham uma nova dimensão, não pela frequência da conversa, mas pela redundância das mesmas e pelo tom quase de narrativo ou de leitura com que é apresentada.

Em cima disso, temos péssimo texto, péssimas piadas, péssimas catch-phrases, diálogos de exposição longos que acontecem de forma descontraída em momentos caóticos e outros tantos que se sobrepõem uns aos outros com regularidade, momentos desconfortáveis onde se destaca, por exemplo, uma máquina de vendas que assedia o protagonista e algumas das cinemáticas mais mal dirigidas que assisti nos últimos anos num jogo destes, onde apenas uma me pareceu competente, não fosse pela insignificância que tem e pela desconfortável objetificação sexual.

E se a jogabilidade é minimamente competente para um shooter na primeira pessoa, os confrontos, a navegação e progressão do jogo são tudo elementos chatos. Atomic Heart não é um jogo de mundo aberto. Tem, sim, um mapa grande explorável e muito mal aproveitado, que serve de hub para as missões principais em diferentes instalações do complexo 3826. Nessas áreas, o jogador é confrontado com máquinas e alarmes que nos querem fazer mal e é-nos proposto fugir. Até aqui tudo bem, não fosse esta proposta travar a ideia de exploração. Estranho também é a estrutura das missões que quebram por completo o ritmo do jogo com fetch-quests constantes e obrigatórias, de objetivos chatos de vai-e-vem, alguns deles com mecânicas “trancadas” atrás de tutoriais que só nos são revelados após descobrirmos a resolução dos objetivos. Felizmente, os fãs de puzzles e de jogos de fechaduras vão encontrar aqui muita diversão, já que são elementos que correspondem a quase metade desta experiência e, fora um ou outro mais obtuso, até são divertidos de se resolver.

Quando joguei Atomic Heart e o terminei, honestamente não senti que o jogo fosse um produto de propaganda russa. Achei-o só parvo. A sua premissa é superficialmente de ficção científica e não muito diferente das fantasias Norte-Americanas na cultura popular. Na verdade, muitos poderão olhar para Atomic Heart como uma paródia ou sátira ao orgulho soviético e fazer comparações à forma de como séries como Wolfenstein usam a imagética e cultura Nazi para criar mundos de ficção distópicos, mas com uma posição bem segura da crítica e das mensagens a partilhar. No entanto, é difícil ignorar as pequenas “coincidências” que revelam bem a posição dos produtores em relação à Ucrânia, com “piadas” e referências escondidas no jogo que, no contexto político-social atual, são claramente problemáticas. Refiro-me a registos com mensagens que comparam a população ucraniana a porcos, latas de conserva de carne de porco com as cores da bandeira ucraniana, postais de cidades ucranianas como de fossem parte deste “novo mundo soviético”, mapas onde a Crimeia surge anexada à Rússia num período no mundo real em que não era, entre outros insultos que alguns jogadores da comunidade Ucraniana já deram a conhecer desde o lançamento do jogo. É muito. É demasiado e altamente desconfortável. Para piorar as coisas, a posição da Mundfish é de “não comentar política ou religião, uma posição gritantemente patética e irónica quando Atomic Heart surge de peito cheio a querer ser o próximo Bioshock.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.

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