“Com as decisões certas, esta temporada de The Handmaid’s Tale pode tornar-se épica.” – Esta era a frase que pautava a minha apreciação após ver os primeiros 8 episódios disponibilizados pela Hulu. Após ver os dois finais, penso que apesar de não ter sido épica, não esteve assim tão longe.
The Handmaid’s Tale fechou 2019 com uma temporada na qual o desenvolvimento foi mais lento e cuidado do que se estava à espera. Depois de um ano de sabática, a 4ª temporada chega com estrondo e o desenvolvimento atinge o ritmo aliciante para todos os fãs que esperavam algo mais explosivo desde que a série estreou, em 2017. O melhor é que esta aceleração de ritmo do desenvolvimento não estragou a série.
Após a 3ª temporada ter terminado de forma agridoce, dado que tivemos um resgate bem sucedido – June decidiu ficar para trás heroicamente, mas com o desejo de também conseguir salvar a sua filha mais velha, Hannah -, ao longo desta 4ª e nova temporada temos algum seguimento nesta intenção de June, se bem que valores morais se impõem em certas decisões que, por vezes, não abonam a favor da personagem.
Ainda assim, continua a incessante exploração de June, principalmente a nível psicológico, muitas vezes por via de flashbacks à vida antes de Gilead. Graças a estes flashbacks, conseguimos perceber que grande parte do que motiva June são traumas do passado, vindos de inseguranças da mesma. É aqui que as camadas da heroína começam a ser perfuradas e percebemos que pode estar a chegar a um ponto sem retorno. Com o desenvolvimento da temporada, chegando ao 8º episódio, vemos um lado dela que nunca esperaríamos ver, mas sem os dois últimos episódios era difícil dar o um parecer fiel, até porque sem eles não dava para perceber a finalidade.
Independentemente da forma como estão a desenvolver a personagem, que começa a reagir cada vez mais com base nos traumas oriundos da sua vida em Gilead, há que dar o devido mérito a Elizabeth Moss. Nesta temporada, mais do que nunca, o palco é dela. June chegou a um ponto que está constantemente a eclodir com espalhafato, dando origem a uma infinidade de reações distintas e bastante vincadas. No entanto, a atriz não falha uma, e findada a temporada, foi ela que a elevou ao nível que está.
Janine foi uma das melhores surpresas da temporada, pois para além de também ter tido direito a alguns flashbacks da sua vida pré-Gilead, ganha mais protagonismo do lado de June e posteriormente em Gilead. Conhecemos melhor a personagem (protagonizada por Madeline Brewer) e percebemos que é tão bonita por dentro como por fora. Janine é amiga, confidente, conselheira. O seu altruísmo é admirável. Ficam, porém, algumas dúvidas sobre o tipo de impacto que a existência desta personagem possa vir a ter no futuro, dado a orientação que a narrativa tomou no 9º episódio (rebelião vinda de dentro ou crescimento do outro lado do jogo?).
Outra surpresa veio de Mrs. Keyes, protagonizada pela jovem McKenna Grace, que foi uma das minhas preferidas em The Haunting of Hill House. A jovem atriz de 14 anos já anda nisto da representação há quase uma década e considero que o background de trabalhos dela em produções de terror a ajudou a conferir a frieza necessária para a constituição de personalidade da sua personagem em The Handmaid’s Tale.
Em relação aos grande nomes de Gilead, Joseph e Lydia partem em desvantagem por motivos óbvios, mas é interessante ver o desenvolvimento da dinâmica em torno dos dois, ainda que em direções opostas. Já Fred e Serena têm uma missão colossal no Canadá dificultada pelo estilo de vida que levavam nos Estados Unidos. Podiam ter tido direito a mais tempo de ecrã, no entanto, o que tiveram foi bem aproveitado e fizeram, mais uma vez, justiça ao tipo de pessoas que são. Após ver o 8º episódio, confesso que fiquei entusiasmado pela volta que a série ainda pode vir a ter graças a estes dois, mas chegando ao fim, parece que foi sol de pouca dura.
Na generalidade, esta temporada foi boa, mas tinha potencial para ser muito boa (folgo em perceber que não foi o desastre que a crítica fazia prever). Decompondo por partes, até ao 3º episódio, nada a apontar, absolutamente magnífica. No 4º e 5º, a série toma um rumo muito fora da caixa e, apesar de não ter adorado, acho que no futuro pode vir a ter a sua utilidade. No 6º, 7º e 8º somos presenteados com a realidade que sempre tivemos curiosidade em assistir, principalmente pelos olhos de June. Por fim no 9º e no 10º, a série dá uma volta de 180º no que toca ao futuro de Fred e Serena e entrega-nos um final carregado de justiça poética e sequências de cenas com impacto, sem ser “de mais”.
Gostando ou não do rumo da narrativa pós-3º episódio, que se afasta quase de vês do fio condutor que caracteriza de The Handmaid’s Tale, alguma vez tínhamos de chegar a este ponto. Pecou por ter sido um pouco tardio e alguns “peões” não estarem nas casas corretas, não obstante creio que graças a algumas decisões ousada, esta temporada acabou por ser boa.
SPOILERS ABAIXO
Pessoalmente, vi algum encanto na ideia de dar uso aos conhecimentos dos Waterford sobre Gilead. Estrategicamente era a decisão correta, para recuperar Hannah. Para além disso, de certa forma, face às sequências finais do 8º episódio (onde pudemos concluir que o apoio ao regime de Gilead ultrapassa fronteiras), seria interessante ver a influência popular dos Waterford no Canadá.
O facto de terem acelerado a deterioração psicológica e emocional de June, dessincronizou duas linhas de história que podiam ter funcionado melhor juntas, caso estivessem em pé de igualdade – falo da proporcionalidade inversa entre a deterioração de June e o ganho de influência dos Waterford. Perdeu-se aqui material para 5 ou 6 episódios de qualidade e toda essa narrativa foi comprimida em 2 episódios.
Claro que a finalidade por detrás desta decisão (que considero precipitada e pouco ponderada), foi muito bem conseguida e os momentos finais da temporada estão fantásticos, mas apesar dos meios justificarem o fim, o desenvolvimento desses meios foi mal aproveitada. Com isto fica uma sensação de estranheza, pois numa série onde até hoje foi sempre preciso quatro ou cinco coisas correrem mal, para uma correr bem, de repente as estrelas alinham-se e tudo corre bem à primeira.
Fica também a dúvida no ar de como é que vai funcionar a relação de June, Lawrence e Nick, daqui para a frente. A influência de June sobre os mesmos é enorme (com motivo), mas a facilidade com que Lawrence e Nick ganharam/recuperaram a confiança de Gilead e conseguem fazer coisas que beneficiam o inimigo, debaixo do olho do regime, sem que nada corra mal, rouba realismo à narrativa e poder a Gilead.
Posto isto, a temporada é boa, mas o facto de ter perdido 3 episódios para desenvolvimento de personagens e de contextos, para depois apressar o desenvolvimento da narrativa para os mesmo 3 episódios num só, fez mais mal do que bem à integridade criativa da série.
As duas últimas temporadas tiveram 13 episódios, esta 10 (à semelhança da temporada de introdução). Se calhar terem optado por manter os 13, quando há tanto desenvolvimento para explorar, era uma aposta mais acertada. Mas e vocês, o que acharam?
A quarta temporada de The Handmaid’s Tale estreou a 29 de abril em exclusivo no NOS Play.