Um mês com muita música artística e alguns álbuns que sabem a verão, apesar do outono já ter chegado.
Julho não foi tão farto em álbuns como foi em calor, mas os que brilharam com o sol emanaram um brilho especial. Falo do brilho do regresso de Julie Byrne e dos Blur. Falo também do reatar de Anohni com os The Johnsons. E do brilho do álbum de estreia dos Paris Texas. Mas falo sobretudo do brilho de Mahalia, que foi a grande surpresa do mês.
Anohni & The Johnsons – My Back Was a Bridge for You to Cross
Género: Chamber Pop/Avant-Pop
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O facto de já conhecer o trabalho e abordagem de Anohni a solo desde 2016, após o lançamento do impressionante Hopelessness, de onde saiu uma das grandes músicas do ano (“Drone Bomb Me”), esse conhecimento de causa não me deixou muito preparado para o que a artista britânica produz, quando em colaboração com os The Johnsons.
My Back Was a Bridge for You to Cross é o mais recente álbum fruto dessa colaboração que, ao longo de 10 faixas, se desenrola e mostra ao mundo a versatilidade da profundidade e emoção vocal que Anohni consegue materializar para a sua abordagem e uma escrita provocadora, mas com razão de ser e uma lucidez assombrosa. Daqui sai uma setlist que toca em vários géneros musicais, como “Why Am I Alive Now” com influências de Marvin Gaye, “It Must Change” que captura o soul espesso e flutuante de Jeff Buckley, ou até “Rest” que lança um gospel em crescendo constante.
Este álbum pode assim ser definido por um regresso poderoso e emocional de Anohni, que traz com ele espaço e tempo para reflexão, acompanhado de música suave mas crua, aumento o impacto emocional que tem nos ouvintes – principalmente nos fãs de música contemporânea.
Pessoalmente sou mais fã da inventividade de Anohni a solo, mas esta colaboração que se estende há mais de duas décadas é de derreter a alma.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> It Must Change
> Silver of Ice
> It’s My Fault
> Why Am I Alive Now?
Blur – The Ballad of Darren
Género: Alternative Rock
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É lindo perceber que os Blur ainda têm combustível no depósito para nos continuar a fazer pensar, enquanto nos transmitem emoções bonitas. The Ballad of Darren é o novo álbum de uma banda que já amadureceu e parece surgir com o propósito de servir de palco para Damon Albarn expor as suas reflexões sobre a vida, a morte e a nostalgia.
A diferença deste ser um álbum dos Blur e não um álbum de Albarn reside nos instrumentais que acompanham e dão ritmo às suas histórias. A diferença é que, ao invés de levarmos com melodias acústico-eletrónicas de teor taciturno de nos deixar quase deprimidos, somos revitalizados com arranjos e melodias mais animadoras e até dançantes.
Não é preciso avançar muito no álbum para perceber que esta produção não é de uma banda estabelecida que quer sacar uns trocos da sua base de fãs fiéis. É, sim, de uma banda numa demanda criativa recheada de coragem, por territórios ainda não visitados por ela, num esforço conjunto em oferecer algo de novo aos fiéis e cativar novos fãs.
Nesta procura por algo novo, o resultado foi o sucesso, espelhado num ato emocional, mas sóbrio, que traz profundidade ao legado da banda. Albarn volta a exibir a seu destreza lírica, deixando bem claro o porquê da base de fãs que a banda tem continuar tão fiel à mesma – mesmo sem álbuns novos há quase 10 anos. Prova disto foi a massa humana que se deslocou para os ver ao vivo no Primavera Sound Porto, em junho (presente!), e no MEO Kalorama, em setembro – duas passagens por Portugal, no espaço de três meses, com casas cheias.
Como referi acima, a banda está mais madura e isso é perceptível pela forma como o álbum é construído e pelo conteúdo que oferece, com um maior gradiente de sabedoria, reflexão e contemplação existencial sobre as mudanças que são parte da vida de cada um, mas sem descaracterizar ou roubar a essência do que foram e são os Blur, com propósito e humor.
The Ballad of Darren é a prova que bandas que já deram tudo podem sempre dar mais, sem perder a graça ou identidade. Os Blur estão de volta, num regresso que nos faz sentir que nunca partiram, na verdade.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> St. Charles Square
> Barbaric
> Russian Strings
> The Narcissist
Claud – Supermodels
Género: Bedroom Pop/Indie Rock
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Um par de anos separam duas Claud muito diferentes, mas ambas têm as suas virtudes que trazem valor ao produto final.
Esta Claud foca-se na sinceridade e genuinidade através de um narração muito pessoal, enquanto incorpora elementos humor, um pouco por todo o álbum, aliviando o peso emocional do mesmo.
As melodias presentes ao longo do álbum são menos elaboradas e imprevisíveis que as presentes na músicas de Super Monster (2021), mas inesperadamente, isso só faz com que Claud brilhe mais. A entrega vocal da artista prima pela segurança e confiança, que faz o álbum brilhar e ofuscar parte das debilidades instrumentais presentes.
Após algumas reproduções e tendo em conta a estação do ano, este álbum encaixou na perfeição com as brisas de fins de tarde amenos deste verão, pela contemplação que provoca e pelo quão fresco é, apesar do teor emocional.
Diria que esta Claud, apesar da mudança de abordagem, consegue ser mais completa e aberta do que a de há dois anos, demonstrando um maior conforto da artista.
Se procuram algo leve para ouvir, aconselho Supermodels, que oferece um experiência auditiva muito castiça e cativante.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> A Good Thing
> Every Fucking Time
> Glass Wall
> The Moving On
> Screwdriver
Jessy Lanza – Love Hallucination
Género: Electropop/Electronic
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Jessy Lanza usa Love Hallucination como um primeiro sample do seu novo set de experiências, com Synth-Pop e pitadas de Avant-Pop, orientando o seu trabalho para um novo território.
Somos presenteados com 11 faixas que se unem lindamente umas com as outras, criando a sensação que estamos a embarcar numa viagem sónica ao coração da artista.
De All The Time (2020) para este álbum, nota-se uma evolução positiva de Lanza, justificado por um álbum mais expansivo, com um tema constante a dar-lhe personalidade.
A escrita pode-se considerar sensual e atrevida, pela forma como explora emoções humanas, que são facilmente identificáveis para qualquer pessoa que ouça este álbum, mesmo sem conhecer a artista.
A isto juntam-se melodias co-produzidas com Pearson Sound, Tensnake e Paul White, que ressoam com sintetizadores estéreo, graves intensos, numa sonoridade elaborada e consistente.
Love Hallucination peca apenas em, por vezes, se ofuscar na sua própria complexidade, mas nada que roube o brilho que emana um pouco por todo ele.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Don’t Leave Me Now
> Limbo
> Drive
> I Hate Myself
Julie Byrne – The Greater Wings
Género: Indie Folk
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É reconfortante constatar que Julie Bryne é uma artista sem pressa de chegar a lado nenhum. O trabalho que tem feito ao longo do seu percurso enquanto cantora tem sido sempre caraterizado pela franqueza e simplicidade, e assim continua com The Greater Wings, o seu 3º álbum em 10 anos de carreira. No geral, é realista dele esperar profundidade emocional e uma exploração densa de temas relacionados com o luto e a perda, envoltos numa qualidade musical ímpar.
A crítica fez algumas comparações a Carrie & Lowell (2015), de Sufjan Stevens, que foi um dos meus álbuns prediletos do ano em que foi lançado, e consigo encontrar semelhanças evidentes. De todas é a intensidade emocional e singularidade que os aproximam mais – ainda que ache o álbum de Stevens ligeiramente superior, por ser uma autêntica obra prima.
De The Greater Wings pode ser descrito como um trabalho poderoso e transformador que navega por temas de teor universal como amor, nostalgia, desejo e pertença. Em simultâneo com isso, serve como uma bonita homenagem a alguém que já não está na vida de Bryne.
Como se tudo isto não fosse suficiente, é obrigatório destacar os vocais de Byrne, bem como toda a produção do álbum.
Depois desta, pode-se dizer que Julie Byrne está no topo da sua liga e torna-se difícil aceitar menos que isto, dela.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> The Greater Wings
> Portrait of a Clear Day
> Summer Glass
> Lightening Comes Up From The Ground
Mahalia – IRL
Género: R&B
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O R&B britânico tem uma nova estrela com potencial para ser a mais cintilante das últimas décadas.
Com IRL, pode-se dizer que Mahalia lançou um álbum impressionante, tendo em conta o estágio de carreira em que se encontra, com todos os ingredientes para ser um sucesso imediato.
Um dos principais ingredientes no caminho para o sucesso é a consistência, que está bem patente. Lançar álbuns com mais de 10 músicas (que costumam ter entre 30 e 35 minutos de duração) é sempre arriscado, pois fillers sem objetividade e músicas que apenas existem prejudicam em muito a perceção geral de um álbum que, melhor sintetizado, poderia ser excelente. Mahalia arriscou ir às 13 músicas, que se estendem ao longo quase 45 minutos, e soube assegurar essa consistência. Algumas das vezes teve ajuda de nomes de peso como JoJo (sim, essa mesmo), o seu compatriota Stormzy ou Kojey Radical, mas, na maioria das músicas, foi a próxima a segurar o forte com sucesso, o que é um ótimo indicador.
Outro ingrediente que considero essencial é o carisma e Mahalia não se limitou a ser mais uma artista. Já com Love and Compromise (2019) – o seu primeiro álbum – mostrou ter esse carisma e procurar seguir o seu próximo caminho. Passados quatro anos, a artista lança um trabalho que vem comprovar que não foi sorte, e sim talento, afirmando-a como uma artista que não está a tentar ser a “próxima alguém”, mas sim a “Mahalia” apenas.
Em IRL encontramos um álbum mais acessível. Contudo, consegue em simultâneo ser imprevisível, com misturas interessantes entre elementos que nos são familiares (em sons e ritmos mais relaxantes) e que nos atraem. Já outros sons são pura inovação, até dentro do género, dotados de picos e arranjos fora do espetro convencional.
Não há dúvidas que há diferenças entre os dois álbuns de Mahalia, mas o que este perde em variedade sonora, ganha na fabulosa atmosfera criada.
O último ingrediente que torna o álbum tão completo e algo complexo é a escrita de Mahalia, com foco em relacionamentos e desenvolvimento pessoal. Essa escrita entra em simbiose perfeita com o som de cada música, como se a melodia pudesse falar e dizer exatamente o mesmo que a artista canta.
Vale a pena reiterar a qualidade da dimensão vocal? Em resposta à questão anterior e em tom de remate final, apesar deste não ser um álbum perfeito, Mahalia é a maior “supernova” R&B Britânico e o limite de intensidade de brilho ainda está por descobrir.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> In My Bag
> Term And Conditions
> Cheat (ft. JoJo)
> November (ft. Stormzy)
> Isn’t It Strange
> It’s Not Me It’s You (ft. DESTIN CONRAD)
> Goodbyes
Palehound – Eye on the Bat
Género: Alternative Rock/Indie Rock
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Os Palehound são um daqueles casos que nunca deram muito nas vistas, por também não o tentarem fazer, ao longo da década que já celebram juntos.
Eye On The Bat já conta uma história diferente, a história de uma banda que optou por parar de jogar seguro, virando o jogo a seu favor. Com base na aprendizagem que o tempo (e três álbuns) lhes deu, aventuraram-se e venceram. A evolução musical é clara e a confiança com que a demonstram é mais do que visível.
Parte dessa evolução partiu do quão sóbria e profunda é a escrita, envolta em mensagens, experiências e visões pessoais, principalmente no que toca aos dissabores obra do amor.
Inevitavelmente, esta partilha emocional de experiências, receios e vergonhas ajuda-nos a criar um elo de ligação com a banda, criando uma recetividade que nos faz escutar todas as confissões que se vão desenrolando ao longo que quase meia hora.
Chegando ao fim do álbum e fazendo uma retrospetiva, diria que é um álbum que entra com tudo e cativa pela inventividade e energia das primeiras três faixas (mais “Head Like Soup”, já perto do fim) e depois se torna num confessionário, emocional e honesto. Pessoalmente acho mais cativante a abertura, recheada de atitude, mas percebo a necessidade do desenvolvimento/final.
Se, no próximo álbum que lançarem, conseguirem replicar este risco (que funcionou), mas de uma forma mais ampla, tenho certezas que esse vai ser “o álbum” dos Palehound.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Independence Day
> The Clutch
> Eye On The Bat
> My Evil
Paris Texas – Mid Air
Género: Hip-Hop/Punk Rap
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As maravilhas do Hip-Hop resumem-se muito à premissa de que, por muito que achemos que já ouvimos tudo, vamos sempre acabar por ser surpreendidos.
Formada por Louie Pastel e Felix, Paris Texas é um projeto que se distingue por misturar o Hip-Hop com géneros com o Punk e Rock, mistura essa que faz com que cada faixa tenha um nível de impacto acima do normal.
Através do lançamento de vários singles com arranjos distintos e um escrita com conteúdo, facilmente deu para constatar que Paris Texas tinham para oferecer ao género era diferenciado.
Com o EP Boy Anonymous (2021) deram provas do traziam para jogo, já com Mid Air está mais do que confirmado o valor de Paris Texas.
Se há diferenças entre os dois trabalhos, há… Enquanto o álbum anterior nos apanha em contrapé, falando de temas relevantes como identidade, adolescência, irreverência ou o auto-conflito, que permitiu à banda criar uma conexão com a geração mais jovem, este novo álbum é toda uma nova experiência, para um público mais abrangente.
Mid Air é caótico, espontâneo, confiante e altamente inflamável. É difícil de entrar, mas é igualmente difícil de o abandonar, depois de lá passar algum tempo.
Há muito caminho a trilhar, até ser possível perceber qual é a real identidade desta dupla, mas, para álbum de estreia, parecem ter assunto.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> DnD (ft. Kenny Mason)
> Bullet Man
> PANIC!!!
> Everyone’s Safe Until…
PJ Harvey – I Inside the Old Year Dying
Género: Neo-Folk/Folk Rock
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Já não é nada de novo sermos surpreendidos por obras da autoria de PJ Harvey e, nesta em concreto, vemos uma desaproximação com o que é relevante, atualmente. Graças a esta desaproximação, a artista consegue redesenhar um universo paralelo só seu, onde tem tempo para explorar o seu verdadeiro ser.
A atmosfera envolvente de I Inside the Old Year Dying é algo enigmática e densa, tanto que pode levar algum tempo a decifrar este álbum. Decifrado é fácil tirar proveito ao quão recompensador é, fazendo valer a pena a paciência.
Fazendo uma retrospetiva à discografia de PJ Harvey, diria que este álbum é uma adição que vai dar ainda mais lustre ao legado da artista. Parte do mérito também devido ao contributo de John Parish e Flood, que deram um empurrãzinho com o uso de instrumentos e gravações de ambientes aleatórios, acabando por conferir uma nebulosidade algo vibrante e criar um efeito expansivo, que encaixa com a voz de Harvey sem grande atrito, fazendo-a brilhar ainda mais.
No fim de contas, somos transportados numa jornada intensa e algo desafiadora, ao génio que é PJ Harvey.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Prayer At The Gate
> Autumn Term
> I Inside The Old Year Dying
> A Child’s Question August
> Inside The Old I Dying
PVRIS – Evergreen
Género: Electropop/Pop Rock
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Evergreen ocupa um lugar claro a meio do terreno entre o “espetacular” no que tem para oferecer a nível sonoro, e o “aquém de algo maior” com o que poderia ter oferecido a nível de escrita.
PVRIS, liderado por Lynn Gunnulfsen, tem neste álbum um misto muito interessante de géneros, que funciona a favor do mesmo: Electropop e Pop Rock. A forma como esses géneros contrastam e como se entrelaçam, através de uma base sonora baseada em emoções fortes e na intensidade com que são abordados, faz lembrar as origens da banda.
Ainda que esse paralelismo com os trabalhos de origem da banda sejam percetíveis, é importante constatar que houve um aprimoramento de virtudes e uma clara maturação musical, levando PVRIS a quebrar o que os limitava, abrindo portas para um mundo novo.
Evergreen não é um álbum excelente, pois para além da amplitude entre os pontos altos e baixos, a escrita não é, de todo, espantosa, e depende muito dos instrumentais e fórmulas musicais para disfarçar esta lacuna. O álbum é excitante como está, mas se tivesse havido uma maior atenção com a escrita, poderíamos ter tido aqui um candidato à lista de álbuns do ano, pelo quão memorável poderia ter sido.
Grande ponto positivo para o à vontade e a capacidade que Lynn tem a nível vocal, que eleva muitas das músicas deste álbum e lhes dá uma força impressionante, sem ser preciso gritar ou forças a voz uma única vez.
Este não é o álbum que vai definir a carreira de PVRIS (ou pelo menos assim espero), mas tem tudo para ser o álbum com maior impacto na carreira da banda, com a capacidade de lançá-los para horários mais atrativos em festivais e até para palcos maiores.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> I Don’t Wanna Do This Anymore
> Good Enemy
> Animal
> Take My Nirvana
> Evergreen
Outros álbuns a ouvir:
> Being Dead – When Horses Would Run
> Carly Rae Jepsen – The Loveliest Time
> Guided By Voices – Welshpool Frillies
> J Hus – Beautiful & Brutal Yard
> Taylor Swift – Speak Now (Taylor’s Version)
> The Clientele – I Am Not There Anymore