A terapia do voo: Alcochete e a sabedoria das aves no Praia do Sal Resort

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O Praia do Sal Resort, gerido pelo Stay Upon Hospitality Group, na “margem certa” do Estuário do Tejo, em Alcochete, oferece-nos um pequeno paraíso que dois estudiosos e autodidatas franceses nos revelam no seu segundo livro, este em língua portuguesa, e que é já um fenómeno: a Pequena Filosofia das Aves.

O convite para uma press strip em Alcochete, nos dias 6 e 7 de novembro, aterrou logo na minha caixa de correio como uma promessa de uma experiência que ia ter muito para ver e contar. Para um jornal digital focado em tecnologia e lifestyle, a proposta de passar dois dias no Praia do Sal Resort era a conjugação perfeita entre a excelência hoteleira contemporânea e a riqueza de um ecossistema natural dos mais famosos da Europa, as Salinas de Alcochete e a rica fauna do Estuário do Tejo.

No entanto, o que se esperava ser uma reportagem standard num ambiente de excelência foi além das expetativas e transformou-se numa imersão no mundo da Orniterapia, uma prática que se revela a mais sofisticada das tecnologias de bem-estar para a mente do século XXI.

Sob a orientação de Philippe J. Dubois e Élise Rousseau, e com o Tejo e a nostálgica paisagem lisboeta na margem norte como cenário, esta experiência forçou o olhar, e a escuta, a ir muito além do cenário e do ruído habitual.

Primeiro dia: Chegada ao Praia do Sal Resort com uma sessão de orniterapia e um belo jantar do Omaggio

A chegada ao Praia do Sal Resort deu o mote para o que seriam as próximas 48 horas: a harmonização entre a excelência deste reputado resort e o apelo a uma viagem sensorial e de tranquilidade.

A ambição do empreendimento e o profissionalismo dos que nele investem e trabalham notam-se imediatamente: o Praia do Sal Resort é um refúgio perfeitamente integrado na paisagem e com intenções e práticas de sustentabilidade, um empreendimento que usa a tecnologia para potenciar o descanso e não para o perturbar.

A liderança deste conceito é assegurada pela administradora, Cécile Gonçalves, cuja presença foi fundamental, não só na logística mas também no papel vital de intérprete. Cécile, cuja função de destaque revela a aposta do grupo num projeto de hospitalidade integrada, demonstrou o conhecimento e a convicção das sinergias que o resort já sentia intuitivamente com o microcosmo de Alcochete, nomeadamente com o turismo de natureza e o seu património natural.

O meu alojamento situava-se no terceiro piso do Praia do Sal Resort, um estúdio de design contemporâneo e pleno conforto, provido de diversas comodidades: pequeno bastidor para malas, com espelho, uma kitchenette discreta, com máquina de café, lava-loiça e oferta de produtos, desde o chá ao café, casa de banho com ótimo duche, um roupeiro, uma zona de trabalho com secretária (onde me esperava um miminho de boas-vindas alcochetanas, umas fogaças deliciosas), e, o mais importante, uma cama king size, com colchão premium e roupas de algodão de máximo conforto, bastantes almofadas (que nem sempre abundam noutros hotéis), com duas poltronas – tudo isto com uma temperatura ambiente irrepreensível. Mas, claro, o grande protagonista era a vista para a vila e para o rio, ou seja, a varanda do estúdio com um set de mesinha e cadeiras em fibra listrada de verde, e a pérgola com decorações de motivos florestais, um apontamento de marca dos espaços exteriores deste Praia do Sal resort.

Esta tela panorâmica providenciou um excelente cenário de preparação para a jornada de observação que se seguiu. Estar ali, com o Tejo a estender-se no horizonte, foi por si um convite à contemplação, a um olhar para além do mundo imediato e da vida quotidiana, que é o que se procura num lugar com a alma e o encanto desta querida vila que conheço há tantos e tantos anos.

Para começar a utilizar o período livre após o check-in, não podia deixar de experimentar a piscina coberta. Água aquecida a cerca de 28 graus é um conforto absoluto. A piscina não é funda, mas segura e com uma extensão bastante boa. Às vezes está disponível para nadadores solitários; outras está um pouco mais ocupada, mas a verdade é que se passam ali bons momentos, pois dispõe de jacuzzi ao mesmo tempo que permite dar umas boas braçadas ao correr da pista.

A press trip teve propriamente início com uma sessão de orniterapia marcada para as 17h. Pude aí usufruir de uma sessão de SPA que me proporcionou – e garanto que proporciona infalivelmente a qualquer hóspede que queira experimentar – a descompressão necessária para acalmar o “ruído mental” que, nos dias de hoje, trazemos todos a afunilar-se dentro da nossa cabeça. Um dos óleos e produtos usados foi o Huile Sumptueuse de L’Orient, um dos produtos da reconhecida marca mundial Cinq Mondes. O perfume da erva-limeira e da flor de laranjeira pregou-se-me na pele. Foi uma experiência e tanto, acompanhada pelo “coro dos pássaros”, um conceito que vos irei explicar mais adiante. Na verdade, posso dizer que aquelas massagens nas pernas, efetuadas por mãos e braços sábios, me transportou, juntamente com os pequenos gritos das aves, a cenários longínquos e ancestrais, como florestas tropicais dos primórdios da Terra, com as suas vegetações rasteiras e palmeiras altas, onde flutuava uma névoa densa sobre lagos eivados de vida…

A imersão na água, seguida desta tríade de relaxamento, com o toque da massagem e o calor purificador, funciona lindamente como um reset biológico. Os nossos sentidos são, na verdade, como sensores inconscientes que, uma vez aguçados pela humidade e pelo calor, ficam prontos para a observação e a escuta ativas – é aqui que estão os pilares da Orniterapia, pensados ao detalhe por este programa que testámos.

A noite do dia 6 culminou com o jantar em grupo no restaurante do Praia do Sal Resort, o Omaggio, que já tive oportunidade de conhecer no passado. Longe da pressa, o jantar à la carte privilegiou o convívio e a troca de impressões. A atmosfera era descontraída, com os colegas a partilharem a sua experiência sensorial, a qualidade das instalações e dos equipamentos do hotel, o nível da equipa de atendimento e do SPA.

O resto da noite livre permitiu um convívio informal onde as conversas, naturalmente, se focaram na expetativa do encontro com os autores do livro que nos ia ser dado a conhecer no dia seguinte e do potencial de Alcochete enquanto destino de turismo de bem-estar e natureza.

Segundo dia: Entrar a fundo no mundo da Orniterapia

O segundo, e último, dia da nossa press trip começou com o pequeno-almoço buffet, também no Omaggio, um boost energético antes da imersão na natureza do Estuário do Tejo. O buffet contou com uma boa diversidade, refletindo o padrão do Praia do Sal Resort. Pessoalmente, agradou-me bastante, pela variedade e qualidade dos produtos. Aqui estão alguns: pães, uma panóplia de croissants e outros folhados, donuts, bolinhos, a tradicional fogaça, bolos à fatia de tipo caseiro, mini panquecas, com manteiga, mel e diversas compotas para acompanhar, cereais, sumos, chás, café, leite de soja e uma vasta gama de bebidas expresso, de máquina. Podemos contar igualmente com vários produtos de charcutaria, queijos diversos, frutas laminadas, um pote de iogurte natural, entre outros, além dos imprescindíveis ovos, bacon, feijão em molho de tomate…

Depois, chegou finalmente a hora de nos lançarmos na aventura ecológica das salinas. Bicicletas estão disponíveis; de carro, só até ao edifício da receção das Salinas, por razões óbvias.

A “margem certa” do Tejo: História e importância ecológica das salinas

Diz-se que a margem sul tem conquistado corações nos últimos anos; e é verdade. O nível de investimento nesta região é algo que fala por si. Mas empreendimentos e projetos turísticos e ecológicos contam com um pressuposto: respeitar as tradições, manter a biodiversidade, alcançar o tão sensível equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade – uma das principais preocupações da responsável do hotel pela vertente da sustentabilidade, Paula Pereira, que nos acompanhou incansável e amavelmente do início ao fim, em apoio ao evento.

Assim, o primeiro destino nessa manhã foi, como previsto, a visita guiada às Salinas de Alcochete, com o guia e ecólogo Luís Lourenço, cujo enorme saber técnico e simpatia nos esclareceu sobre inúmeros aspetos da fauna, da flora e da salicultura. Esta visita tornar-se-ia essencial para compreender o contexto no qual este empreendimento do Stay Upon se insere e o porquê da escolha do tema da Orniterapia, baseada em dois fatores indispensáveis que esta reserva ímpar nos fornece: a presença das aves e a sua relativa proximidade com os humanos, por um lado, e a possibilidade de se percorrerem certas distâncias, a pé, pelos passadiços das salinas e da praia, condição fundamental para uma observação das aves, do seu canto e dos seus habitats.

A salicultura em Alcochete é uma atividade ancestral, com raízes históricas profundas, sendo a região responsável por uma parte significativa da produção nacional de sal de séculos passados. Hoje, a manutenção das salinas, em particular a zona visitável, revela-se um ato de preservação ecológica.

Luís Lourenço explicou detalhadamente: a salina, mesmo sendo ativa na extração de sal, continua a atrair uma riquíssima avifauna. A área é reconhecida a nível europeu pela riqueza e abundância de aves, sendo um dos pontos cruciais de refúgio de maré de toda a bacia do Tejo. A maior parte das espécies ali encontradas são as aves limícolas, que se alimentam ao longo do estuário durante a maré vazia.

Para que os leitores compreendam a dimensão deste grupo, é importante referir que Limícola (deriva do latim limus, que significa lodo, limo ou lama) é o nome chave para compreendermos o habitat e comportamento destas espécies de aves pertencentes à ordem Charadriiformes (que inclui maçaricos, pilritos, borrelhos e pernilongos). Estão intimamente associadas a zonas húmidas, especialmente as costeiras. A sua dieta é composta por pequenos invertebrados que vivem enterrados no sedimento, como moluscos, crustáceos, vermes marinhos e insetos. Desenvolveram bicos altamente especializados para esta alimentação: algumas espécies têm bicos longos para sondar profundamente no lodo, enquanto outras possuem bicos mais curtos para capturar presas na superfície.

O seu papel no ecossistema do estuário do Tejo é crucial. As limícolas usam as vastas planícies de entremarés para se alimentarem quando a maré está baixa. Contudo, quando a maré sobe e cobre estas áreas de alimentação, elas procuram refúgio em locais seguros e secos para descansar e esperar. Estes locais, como as salinas de Alcochete, são chamados de Refúgios de Maré e são vitais para a sobrevivência das espécies, muitas das quais são conhecidas pelas suas vastas migrações e usam o Tejo como ponto de paragem estratégico e de invernada na rota migratória.

O resort demonstrou o seu compromisso ao preparar um tanque com o nível de água baixo para atrair aves que se alimentam de peixe, evidenciando o esforço de integração ecológica. A importância destas salinas vai além do ecologismo, note-se; elas são um polo de turismo especializado e reconhecido a nível europeu por observadores de aves de todos os cantos do mundo.

O Encontro com a filosofia do voo

Ainda nas salinas, tivemos o primeiro contacto informal com Élise Rousseau e Philippe J. Dubois. Philippe, um ex-cirurgião dentista que desde cedo assumiu uma carreira de ornitólogo e filólogo, revelou que, apesar de ser a sua primeira vez em Portugal continental, já tinha visitado a Madeira e os Açores, confirmando o que muitos portugueses não sabem: que Alcochete e as suas salinas são um “lugar bem conhecido da Europa” pelos especialistas.

O casal explicou o background da sua obra, incluindo o seu primeiro livro, ao qual se sucede agora a Pequena Filosofia das Aves (publicado este ano em França, com tradução de Helder Guégués), que já abordava o conceito, sendo os primórdios do livro que agora divulgavam. Reparem no subtítulo da obra – “o fenómeno internacional que nos oferece 22 lições de sabedoria e serenidade” -, se quisermos, uma verdadeira sinopse da mesma. Depois de ler, não resisti a ter esta obra leve mas profunda e tocante como livro de cabeceira, pelo menos nos próximos tempos. De todas as imagens que me ficaram na cabeça – do hotel, da paisagem, das aves, das pessoas, dos cheiros… – o livro ficou a habitar a memória desses dias, como um amigo inesperado e repentino de que me é difícil separar. Não resisto a citar uma frase que, de certo modo, resume a tese em apresentação e que traduz muito da alma do livro: “Discretas mestres da vida, as aves, na sua espontaneidade e leveza, têm muito a dizer-nos, desde que as ouçamos.” (página 13)

Pois é, “desde que as ouçamos”… Faz sentido, o bom aviso.

Quem são Élise Rousseau e Philippe J. Dubois

Elise Rousseau e Philippe J. Dubois

O ponto central desta jornada, como já ficou claro, foi o encontro com os autores. Os seus currículos revelam um equilíbrio conquistado ao longo de uma vida entre a ciência da natureza e a sabedoria humana: Élise Rousseau, formada em Filosofia e Literatura, é jornalista e autora com foco em temas da natureza e animais, tendo vindo a dedicar a sua carreira à proteção e defesa do meio ambiente, sendo a sua formação filosófica uma base fundamental para ensinamentos profundos da vida selvagem. Por outro lado, Philippe J. Dubois, reconhecido ornitólogo e filólogo, é membro da LPO (Ligue pour la Protection des Oiseaux) e autor de diversas obras sobre aves. A sua experiência de vida inteira dedicada à observação fornece a base científica e de campo para as lições agora partilhadas. Desta união entre um ornitólogo e uma filósofa resultou a obra que agora se divulga e que propõe uma nova forma de interação com o mundo natural.

Para mim, este foi, sem dúvida, o momento mais profundo da press trip, com a sessão de esclarecimento e apresentação do livro, realizada no regresso ao hotel, num apartamento com vista para o rio. Cécile Gonçalves, administradora a cujo convite se deveu esta extraordinária e remarcável iniciativa, assumiu o papel crucial de intérprete.

A Urgência da Orniterapia e as suas “Lições Filosóficas”

Orniterapia é um conceito central, mas relativamente recente, que resulta da observação consciente e ativa das aves para promover o bem-estar psicológico. Os autores colocam a prática num contexto de urgência social: vivemos num mundo onde o futuro é “incerto” e as pessoas se sentem cada vez mais “desamparadas”. A natureza atua como uma “âncora”e um “vínculo forte” de reencontro com a natureza.

Porquê as aves? Os autores explicam. No universo dos animais, as aves são as que mais transmitem esse vínculo, por vários motivos cruciais: a maioria é diurna (como nós, ao contrário de muitos mamíferos), têm corpos coloridos e sons que as identificam, e o seu universo de espécies na Europa não é tão vasto quanto o dos insetos ou plantas, o que permite conhecê-las com relativa facilidade. As vantagens, o bem-estar proporcionado, segundo os autores, são para “qualquer ser humano”, desde o leigo àquele que já se dedica à ornitologia.

Um ritual inicial é o “chorus matinal”. Usando as palavras do ornitólogo, Philippe J. Dubois sugere, para começar a prática da Orniterapia, que adotemos o ritual essencial do chorus (o coro da manhã), que é o ponto de partida de qualquer jornada de observação e o ensinamento mais prático que se pode dar ao leitor. A técnica é muito simples, mas algo exigente para os menos madrugadores: exige “levantar-se bem cedo da parte da manhã”, ir a uma floresta ou campo, ou simplesmente a um parque, e “sentar-se a observar o Sol a nascer”. Esta é a circunstância ideal para ouvir o coro das aves a emergir durante o amanhecer e o momento em que a natureza se revela como uma verdadeira “orquestra” onde se pode diferenciar os sons como numa sinfonia, ensinando e exercitando a escuta ativa.

Uma outra das lições, e que me fez recuar aos tempos de faculdade, é a do Carpe Diem clássico, que se liga ao Modelo da Ave. As aves, com o seu voo espontâneo e a sua existência totalmente dedicada ao momento presente, são mestres na arte de viver o instante, corporizando o espírito do Carpe Diem. Esta expressão latina, que significa literalmente “colhe o dia” ou “aproveita o dia”, transporta consigo uma carga filosófica que remonta à Antiguidade Clássica. A frase, popularizada pelo poeta romano Horácio (Quintus Horatius Flaccus), fazia parte de uma corrente filosófica mais ampla, nomeadamente o epicurismo e, em parte, o estoicismo. Embora distintas, ambas as filosofias do período helenístico e romano preconizavam a importância de encontrar a felicidade ou a tranquilidade (ataraxia) através da gestão do tempo e das emoções, focando-se no que está sob o nosso controlo – o presente. O Carpe Diem, com o seu carácter hedonista (no sentido da busca por um prazer moderado e ausência de dor) na obra de Horácio, Vergílio ou Ovídio, aconselhava o indivíduo a não confiar no futuro (quam minimum credula postero) e a abraçar o instante antes que este escoe.

Ora, a Ornoterapia estabelece uma ponte direta entre esta sabedoria clássica, transmitida ao longo da história da cultura europeia por via da literatura, e a biologia comportamental. A primeira lição que as aves nos dão é essa fragilidade do momento: elas são um modelo perfeito para uma espécie como a humana, que vive constantemente a “remoer o passado ou sempre ansiosa pelo futuro”. A capacidade de voo, o repentismo das suas ações e de se desmaterializarem no horizonte, obriga-nos a “captar o momento” das aves, proporcionando-nos um “estar aqui e agora” único. Os pássaros não carregam o peso do tempo; a sua liberdade é existencial e temporal.

Outra lição ainda é a das virtudes esquecidas, que sustentam o Carpe Diem moderno: a observação ensina-nos a humildade, a paciência (o saber esperar) e a ser discretos no sentido de não nos aproximarmos com ruído, respeitarmos a alteridade, o tempo e a circuntância do outro. Este tipo de atividade, como o livro sugere, é uma forma de gerirmos a nossa atitude de “super predadores”, uma forma de melhorarmos a nossa própria conduta, se queremos de facto que as aves sejam generosas connosco e não tenham medo.

Por fim, a observação ajuda-nos a vencer as angústias: na ótica dos autores, a observação de aves noturnas ajuda a desmistificar a noite e a angústia que por vezes lhe está associada. Élise Rousseau partilhou connosco que ela própria venceu o seu receio da noite, e hoje o crepúsculo se converteu no momento de “observar o cair da noite” e de ouvir a Coruja do Mato, o seu momento preferido. A ave, discreta, torna-se assim o nosso mais eficaz mestre na filosofia milenar de viver plenamente o dia que nos é dado, referem os autores, demonstrando um pleno amadurecimento e interiorização de muitos anos de experiência e reflexão.

Amnésia Ecológica e o apoio terapêutico

Philippe J. Dubois introduziu neste ponto o conceito de Amnésia Ecológica, o sentimento de perda e nostalgia por não conseguirmos reencontrar os habitats e sítios da nossa infância devido à “grande e rápida transformação” do planeta. Este sentimento, que se traduz, até, numa ansiedade ecológica, pode ser mitigado pela Orniterapia, que nos “reconecta” a algo intemporal e funciona como uma “prancha de salvação” em situações difíceis (lutos, divórcios). Para os céticos,existem vários estudos, na Europa e Estados Unidos, que o comprovam.

Boquiaberta, ouvi tudo isto – simples, direto, tocante. É o apelo da Orniterapia, fazendo todo o sentido numa época em que até já se criam dispositivos para alimentar e observar pássaros nos nossos terraços e quintais. Esta corrente terapêutica, chamemos-lhe assim, decorre em dois sentidos, mas sempre de forma ativa. O primeiro é a audição ativa: não basta ouvir um pássaro, é preciso “escutar ativamente e conscientemente focado no canto”. Passar de ouvir “um melro” para “ouvir este melro a cantar”, diferenciando os sons, são realidades que aprendemos a compreender como distintas. O segundo é a visão imersiva: não é só ver intuitivamente gaivotas na praia, é “observar a própria ação”, prestando “atenção às aves”, o que constitui uma observação mais imersiva.

O conceito de orniterapia tem obtido validação em estudos científicos recentes (3 a 4 anos, britânicos e americanos). A primeira prova é a descida de cortisol: 20 minutos de canto das aves provocam uma baixa de cortisol (a hormona do stress), garantindo um apaziguamento do stress, com a observação constante a ter um efeito cumulativo que “reduz o estado de ansiedade”.

Outra evidência notável é o efeito biológico: refere-se o exemplo de um estudo suíço que demonstrou que o canto das aves pode ter uma incidência sobre o crescimento das árvores. Ao reproduzir áudio, o estudo constatou que os stomata (órgãos responsáveis pela respiração nas plantas) abriam, permitindo o desenvolvimento mais rápido da árvore, o que levou viticultores na Suíça a usar cantos de aves nas vinhas para melhorar a produção.

Élise Rousseau vai ainda mais longe, está convencida de que o canto das aves permite o “funcionamento do mundo”. Nesta perspetiva, esta prática tem um fim maior: o poder de distinguir e saber o nome da ave é o de “conhecer realmente e entrar na sua intimidade”, sendo que “conseguimos proteger e conservar melhor o que realmente conhecemos”.

Portanto, o intuito do livro é duplo: ajudar os humanos (por via desta terapia específica) e ajudar a conservação das aves e animais de floresta de uma “forma global”.

O terminar perfeito no Omaggio

O almoço no Omaggio foi o fecho simbólico, digamos, transpondo a filosofia para a gastronomia. O chef responsável pelo restaurante recebeu-nos com um menu temático de inverno, criado especificamente com ligação à temática da ornitologia e do sal.

Iniciou-se com O Ninho da Maré, uma entrada composta por ovos de codorniz recheados com pesto de manjericão e amêndoa, apresentados em camas de folhas baby, numa referência visual ao habitat e à vida embrionária dasespécies que habitam o estuário. O primeiro prato, batizado À Beira do Estuário, é um risotto de salicórnia, limão e parmesão, que celebra a salicórnia, planta autóctone resistente da margem do estuário, e o sal. Aliás, a receção aos convidados foi feita com água temperada de salicórnia, num apontamento salgado suave dado por esta planta a uma água que acaba por ter um travo muito interessante entre limonada e água tónica. Para prato principal, o menu propõe As Grandes Migrações, com uma escolha entre o peito de pato braseado em redução de vinho tinto e frutos de chile com gnocchi de batata e espinafres salteados, ou o lombo de robalo grelhado com crosta de ervas e polenta cremosa; a migração é aqui usada como metáfora do voo e da liberdade. Devo dizer que nunca tinha comido uma polenta tão saborosa, sendo que o filete do robalo ligeiramente gratinado também é de um paladar dócil e de um crocante muito agradável.

O almoço termina com a sobremesa Doçura do Ninho, um gelado omaggio e um ninho crocante de massa kadaif, um regresso ao conceito do refúgio e da recompensa. As bebidas e infusões acompanharam a temática natural, incluindo água aromatizada com limão e salicórnia, que referi, vinhos biológicos Dona Joaquina e infusões de erva cidreira, camomila e flores.

Para mim, este almoço demonstrou claramente como o Praia do Sal Resort integrou o conceito (com a assessoria dos autores naturalistas) na sua oferta, criando uma “experiência vívida ligada à própria praia do sal”, com ingredientes que justificam o regresso de muitos hóspedes, como verificámos (não esquecendo os hóspedes sazonais e ainda os que vivem permanentemente no resort).

Este mergulho no Praia do Sal Resort veio mostrar-nos não apenas um lugar ótimo para ficar, mas também para desacelerar e ouvir a natureza, uma das melhores e mais belas que temos e que muitos ainda desconhecem.

A jornada em Alcochete foi, pois, muito mais do que uma visita a um hotel; foi um momento para acolher o canto dos pássaros, uma tendência do nosso tempo que por certo ainda vai dar muito que falar.

Mas, se vierem, e espero bem que sim, sobretudo não se esqueçam da lição de Élise Rousseau e Philippe Dubois: valorizem a natureza e respeitem-na. Porque todos lhe pertencemos, e é a única forma de deixarmos um tesouro tal como o encontrámos, e de sairmos todos a ganhar.

Este programa, do qual usufruí, tem o nome de Natureza e Contemplação, está disponível até 31 de março de 2026 e tem um custo de 270€ para duas pessoas.

Graça Pacheco
Graça Pacheco
Licenciada em literaturas clássicas e com um doutoramento em estudos literários, sou colaboradora e fã do Echo Boomer. Escrever, para mim, é um ofício desafiante mas também um hobby. Também adoro gastronomia, gosto de explorar novas tecnologias e sobretudo, adoro cinema e TV.
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