Pode-se dizer que o passado dia 3 de abril esteve dividido em dois acontecimentos em Lisboa: por um lado, acontecia mais um dérbi de futebol, neste caso para a Taça de Portugal; por outro, fãs da música e do cinema juntavam-se para lotar a sala de espetáculos da Altice Arena, no Parque das Nações, para a estreia no país da tour The World of Hans Zimmer.
Descrito como uma celebração sinfónica do trabalho do compositor alemão, que é só um dos mais influentes artistas da indústria de Hollywood, The World of Hans Zimmer leva para o palco um conjunto de temas remisturados, adaptados e curados por Zimmer, retirados do seu longo currículo creditado em mais de 150 filmes.
A noite prometia. Ainda que esta passagem por Portugal não contasse com a participação de Hans Zimmer, todos os que entraram naquela sala sabiam mais ou menos o que esperar. Especialmente se tivessem consultado aqueles sites que fazem previsão de alinhamentos.
No palco, encontrávamos um conjunto de artistas amigos do compositor, como a orquestra sinfónica de Bolshoi Theatre da Bielorrússia e o coro da Radio e Televisão da Bielorrússia (eles que estavam detrás do conjunto de painéis onde passariam várias imagens), que o acompanham no palco e em alguns dos seus filmes. Isto sem esquecer o maestro da noite, Gavin Greenaway, que fez o melhor que pode para falar com o público em português e apresentar a cerimónia. E para primeira vez, esteve impecável.
Com um alinhamento mais ou menos esperado, a verdade é que, durante o concerto, tudo parecia inesperado. Depois de uma bombástica abertura com uma mistura de temas da trilogia The Dark Knight,de Christopher Nolan, e de uma breve passagem pelo tema de King Arthur, foi tempo para Hans Zimmer falar com o público da sala.
Através de uma pré-gravação feita no estúdio do compositor no outro lado do atlântico, Zimmer explicaria o que iríamos ouvir a seguir, num registo íntimo, cheio de pequenas histórias, e até convidados surpresa.
Foi nesta primeira intervenção indeferida que Hans Zimmer nos apresentou aquela que seria uma das grandes estrelas da noite, tendo merecido algumas das maiores ovações. Falamos de Lisa Gerrard, que regressa já em maio ao nosso país com os seus Dead Can Dance, mas que, aqui, subiu ao palco para dar voz a um dos temas de Mission: Impossible 2. Um dos momentos que preencheu a noite.
Nesta primeira parte, o evento parecia estar em aquecimento. Depois de uma passagem pelo tema romântico de Pearl Harbor, acompanhado com cenas do filme a passar no fundo, foi a vez do realizador Ron Howard se juntar a Zimmer para apresentar os dois seguintes temas e, até, partilhar algumas notas de produção, que se resumiram basicamente a muitos elogios entre o realizador e o compositor. Muito para deixar no ar aquela ideia de que há um bom ambiente nos bastidores. e para de, alguma forma, nos sentirmos cúmplices neste processo de criação.
Assim, seguiu-se o tema frenético e épico de Rush e, logo de seguida, o segmento mais longo – e talvez menos interessante da noite -, com as músicas de The Da Vinci Code, onde só os últimos momentos é que se mostraram emocionantes, fechando assim a primeira parte.
Para quem ia à procura do Best of Hans Zimmer, a segunda parte foi, sem dúvida, aquilo que todos procurávamos. Por exemplo, Zimmer explica que faz músicas para filmes de animação porque ele próprio se sente uma criança. Trouxe-nos o tema de Madagascar, acompanhado com personagens do filme a dançar de fundo, um incrível tema de Spirit, filme de animção da Dreamworks que pode ter passado ao lado de muitos dos presentes durante a sua infância, e ainda um fantástico solo de flauta do venezuelano Pedro Eustache para um dos temas de Kung Fu Panda, revelando que até na animação há seriedade e muito carinho pela música.
Numa espécie de combo de contrastes, seguiu-se o tema de The Holiday, comédia romântica realizada por Nancy Meyers, que se juntou no vídeo a Zimmer para apresentar a música. Mais sombrio e visceral foi o tema de Hannibal, com um incrível solo de violoncelo de Marie Spaemann.
O melhor da noite ainda estava para vir, com uma mistura de temas de O Rei Leão, filme da Disney que valeu o único Óscar da Academia.
Lebo M, que imortalizou os primeiros momentos da banda sonora deste filme com a sua voz, juntou-se também ao compositor no segmento indeferido, onde ambos contaram um pouco sobre a história da produção da música do filme. Ficámos a saber sobre as mensagens políticas injetadas na música sem a Disney saber na altura, assim como o significado pessoal deste trabalho para o próprio autor.
É difícil colocar por palavras tudo o que aconteceu de seguida. Foi a música de Hans Zimmer no seu melhor, com toda a emoção e força. Todos os elementos do palco juntaram-se para o momento mais catártico da noite, com uma mistura de todos os temas inesquecíveis de O Rei Leão, desde a música da debandada, a morte de Mufasa, a conversa de Simba com o fantasma do seu pai e, como não podia deixar de ser, o Ciclo da Vida.
Já próximo do fim chega outra obra favorita dos fãs, a banda sonora de O Gladiador, de Ridley Scott, com Russell Crowe e Joaquin Phoenix. É uma peça onde Hans Zimmer explora praticamente todas as suas dimensões e clichés (no bom sentido), entre temas íntimos e explosivos que lembram o tema principal de Os Piratas das Caraíbas. Também aqui voltámos a contar com Lisa Gerrard, que rematou com a sua voz única noutro momento de grande ovação.
E quando o espetáculo parecia estar a chegar ao fim, no ecrã Zimmer promete mais “uma coisa.” Em vez de montagens animadas e cenas de filmes, o compositor começa a tocar em piano no vídeo enquanto a banda o acompanha no icónico tema “Time”, do filme Inception.
Numa reviravolta tão grande como aquelas que esperamos de um filme de Christopher Nolan, Hanz Zimmer, em carne e osso, sobe ao palco de guitarra nas mãos no clímax do tema, para surpresa de todos os presentes no espetáculo.
Hans Zimmer, que na verdade sempre esteve por cá, juntou-se à banda e aos seus amigos como se fosse ele o convidado especial da sua própria celebração. Este foi, também, um momento de lembrar os nomes e as caras dos artistas que animaram a emocionante noite de música, apresentados um a um pelo compositor alemão.
A noite terminaria em grande com mais uma interpretação, desta vez com a fantástica obra dos filmes d’Os Piratas das Caraíbas, que teve direito a uma longa mistura de temas.
Esta passagem da tour The World of Hans Zimmer pode não ter contado com todos os temas icónicos que o público poderia esperar, como é o caso da banda sonora de Interstellar. Mas mais de 150 filmes creditados não cabem em “apenas” três horas de adrenalina e emoção.
Com uma seleção de músicas diversas, as mais importantes obras de Zimmer parecem ter lá estado e rebentado com todas as expectativas. Foi um espetáculo memorável, surpreendente e que deixou muitos fãs do músico provavelmente irritados por não terem adquirido um bilhete ao pensarem que não iria lá estar.
Felizmente, esta é apenas a primeira vez que a tour The World of Hans Zimmer passa por Portugal, pois já há uma segunda data marcada ainda para este ano, em dezembro.
Com ou sem Zimmer, se são fãs de boa música em filmes e do compositor, é um espetáculo imperdível.
Para ouvirem The World of Hans Zimmer, um pouco à semelhança do que foi nesta noite de quarta feira, podem ouvir o álbum oficial da tour de 2019 no Spotify: