Visitámos a nova experiência Horizonte de Quéops para perceber como a realidade virtual recria a Grande Pirâmide e leva o público a percorrer espaços inacessíveis.
Lembram-se quando, há uns dias, falámos que Lisboa ia receber uma experiência virtual que recria os mistérios do Antigo Egito? Pois bem, o Echo Boomer foi fazer esta viagem em primeira mão.
A experiência Horizonte de Quéops, instalada no subsolo da estação do Metro do Terreiro do Paço, abre-se como uma viagem cuidadosamente reconstruída ao Antigo Egito, resultado de uma colaboração internacional que reuniu investigadores, equipas artísticas e parceiros tecnológicos. Antes do início da nossa sessão, a equipa da Fever, que trouxe a experiência para Portugal, explicou que a intenção era permitir a qualquer pessoa atravessar virtualmente o Nilo durante a noite, visitar áreas hoje inacessíveis e observar o interior da Grande Pirâmide, tudo sustentado por ambientes digitais rigorosamente desenvolvidos. A Excurio, responsável pela conceção da viagem, trabalhou lado a lado com vários centros de investigação, incluindo projetos associados à Universidade do Atlântico, procurando combinar uma base histórica sólida com momentos interpretativos, sempre apoiados na melhor investigação disponível. O objetivo, lá está, era aproximar o grande público de descobertas normalmente reservadas a especialistas, transformando a exploração arqueológica numa experiência sensorial acessível e cuidadosamente enquadrada.
Durante a apresentação inicial no Terreiro do Paço, a equipa chamou ainda ao palco Martin, um dos parceiros internacionais, que sublinhou a dimensão global do projeto. Recordou que, três anos antes, tinham começado a desenvolver experiências de realidade virtual centradas na cultura e no entretenimento, sempre com a ambição de tornar estas expedições acessíveis a pessoas de qualquer parte do mundo. Assinalou também o papel da Fever ao trazer a experiência para Lisboa, inaugurando um novo espaço dedicado a projetos culturais imersivos. Logo depois, fomos encaminhados para o início da viagem virtual que procura conjugar rigor histórico com uma imersão sensorial capaz de reencontrar, num espaço digital cuidadosamente construído, a memória monumental que moldou o planalto de Gizé.
Antes de iniciarmos viagem, recebemos instruções essenciais. Todo o ambiente se transformaria, embora o percurso decorresse num piso plano; o capacete de realidade virtual era ajustado com apoio da equipa; os restantes participantes surgiam apenas como avatares; e o silêncio era recomendado para preservar a imersão. Por motivos de segurança, não era permitido correr ou sentar-se durante o trajeto, e grelhas vermelhas assinalavam os limites do espaço virtual. Em caso de falha técnica, bastava parar e erguer a mão; em caso de tonturas, o capacete devia ser retirado de imediato. A experiência, com cerca de 45 minutos, não é indicada para pessoas com epilepsia, grávidas ou crianças pequenas. Antes da entrada, cada pessoa pode escolher entre efeitos imersivos moderados – adequados a quem tem vertigens, enjoos ou dificuldades de equilíbrio – ou efeitos amplificados para uma imersão mais intensa.
A própria experiência transporta o visitante para a monumentalidade do planalto de Gizé, abrindo portas que, na realidade, permanecem fechadas. O percurso virtual atravessa câmaras vedadas ao público e recua milénios até ao coração do Antigo Egito, numa reconstrução que nasce de estudos pormenorizados conduzidos por equipas de artistas 3D e egiptólogos internacionais. Maxence Fournier, diretor artístico da Emissive, descreve o trabalho visual como uma leitura paralela ao guião, onde luz, cor e atmosfera moldam, em conjunto, o tom emocional do percurso. O processo criativo arrancou com desenhos e composições em 2D, evoluindo para modelos tridimensionais iniciais posteriormente desenvolvidos pelas equipas técnicas. Uma das partes mais estimulantes do trabalho foi explorar o lado mais onírico associado aos mitos da pirâmide de Quéops, usando a realidade virtual para reforçar a sensação de descoberta. A prioridade foi garantir coerência visual total, assegurando que cada cena, independentemente da intensidade dramática, mantinha o mesmo rigor e detalhe. Fournier referia um certo orgulho em integrar um projecto pioneiro que propõe uma nova forma de contacto com o Egito antigo.
A componente animada exigiu outro tipo de precisão. Margaux Badaya Delaroche, supervisora de animação, lembrava que tudo começou com sessões de captura de movimentos envolvendo vários intérpretes. A partir desses registos nasceram as animações que, após limpeza e ajustamentos, tiveram de ser articuladas com diálogos e cenários desenvolvidos em simultâneo. Animais, como a deusa Bastet representada em forma felina, obrigaram a animação manual, pose a pose, com recurso a referências reais para transmitir movimento e comportamento. Quando esta personagem falava, incorporou-se a solenidade própria de uma figura divina. O contributo de egiptólogos foi decisivo na reconstrução de rituais documentados, entre eles o gesto “Henou”, protagonizado por Djedefre, filho de Quéops, e replicado pelos sacerdotes que o acompanhavam. Recriar esse momento registado pela historiografia trouxe particular satisfação à equipa.
Grande parte dos elementos históricos presentes na viagem deriva de objetos e achados arqueológicos documentados. O barco solar encontrado em 1954 junto à pirâmide e hoje instalado no Grande Museu Egípcio inspira a embarcação digital; as jóias usadas pelas figuras reais foram recriadas a partir de peças descobertas no túmulo da rainha Hetepherus; e as mesas de oferendas que surgem nos templos virtuais seguem descrições presentes nos baixo-relevos da necrópole de Gizé, evocando a centralidade das refeições simbólicas na vida após a morte. O nome original da Grande Pirâmide, Akhet Khufu – O Horizonte de Quéops – funciona como pano de fundo de toda a experiência. Na época do faraó, o Nilo corria perto do planalto, inundando a área com as cheias anuais, antes de o leito do rio recuar cerca de oito quilómetros para leste ao longo dos séculos, processo que a barragem de Assuão, concluída nos anos 60, viria a alterar de forma permanente. Entre os desafios internos, conceber o percurso no interior da pirâmide exigiu evitar a ideia de vazio, permitindo ao visitante atravessar virtualmente milhões de metros cúbicos de pedra e observar a arquitectura singular do túmulo.e
As personagens que acompanham o público nesta viagem virtual têm igualmente raízes arqueológicas. Mona, a guia, tem um nome construído a partir de um anagrama de “Amon”, evocando uma das divindades centrais do panteão egípcio. As figuras de Ankh Haf, vizir e meio-irmão de Quéops, e de Hemiunu, arquiteto da Grande Pirâmide, foram modeladas a partir de bustos encontrados nos seus túmulos, peças que demonstram o elevado nível artístico da época. Já Bastet, cujo culto era já importante no reinado de Quéops, surge apoiada numa coluna papiriforme inspirada nas estruturas do complexo funerário de Sahure, em Abusir.
No final de tudo, não podemos não recomendar a experiência Horizonte de Quéops: Viagem ao Antigo Egito. Vale mesmo a pena, pois irão esquecer-se por completo que estão numa sala em Lisboa, o que é um ótimo sinal. Claro, nem tudo é perfeito: os vossos óculos de VR podem deixar de funcionar, irão reparar num ou noutro caso de sobreposição de vozes, algumas animações são estranhas e irão reparar que, por vezes, surgem avatares de outras pessoas no vosso campo de visão que pouco depois desaparecem num ápice.
Os bilhetes para a experiência Horizonte de Quéops: Viagem ao Antigo Egito encontram-se disponíveis através da Fever, permitindo o planeamento antecipado de uma sessão que oferece uma visão abrangente de uma das mais duradouras civilizações da Antiguidade. Os preços vão variando consoante a disponibilidade, portanto tentem escolher horários indicados a verde, pois são os mais baratos.
Fotos: Emissive/Excurio
