Trás-os-Montes Wine Experience levou vinhos, memória e identidade a Lisboa

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O restaurante O Nobre recebeu o Trás-os-Montes Wine Experience, uma iniciativa onde dez produtores apresentaram vinhos feitos de vinhas centenárias, tradições antigas e histórias familiares.

No passado dia 22 de novembro, o Vidago Palace recebeu a segunda edição do Trás-os-Montes Wine Experience, uma iniciativa promovida pela Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes (CVRTM), que reuniu o melhor da gastronomia e dos vinhos da região. Após o êxito da estreia, o evento regressou para celebrar a identidade vínica transmontana, num encontro que combinou elegância, tradição e autenticidade.

Dois dias depois, o evento prosseguiu em Lisboa, com uma Prova & Jantar a Quatro Mãos no restaurante O Nobre. Nesta ocasião, os chefs Justa Nobre e Óscar Geadas (distinguido com estrela Michelin), apresentaram um menu inspirado nos sabores e produtos de Trás-os-Montes, acompanhado por vinhos de 10 produtores da região. E o Echo Boomer esteve presente no jantar.

A iniciativa, promovida pela Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, assumiu-se como uma mostra direta da diversidade, da memória e da identidade vínica da região, trazendo para a capital um conjunto de histórias familiares, métodos tradicionais e vinhas de enorme valor patrimonial.

Antes de dar início ao jantar, Ana Alves, Presidente da Direção da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, sublinhou a importância dos produtos endógenos e o trabalho de certificação e promoção desenvolvido pela entidade regional. Apesar de o reconhecimento formal com DOC e IGP ser relativamente recente, a tradição vitivinícola transmontana recua à época romana, algo ainda visível nas antigas lagaretas espalhadas pelo território. A responsável recordou que, além dos dez produtores presentes, existem na região cerca de 110 produtores e mais de 120 marcas ativas. O apelo central era claro: dar visibilidade aos vinhos de Trás-os-Montes, levá-los às cartas dos restaurantes e dinamizar a divulgação, inclusive através das redes sociais. Por sua vez, Justa Nobre recordou receitas da sua infância, enquanto Óscar Geadas reforçou a ligação profunda da sua cozinha às origens familiares.

Na mesa, serviram-nos Alheira de Mirandela, Salpicão de Vinhais, Azeitonas – Alcaparras, pão, Queijo e Azeite DOP Trás-os-Montes, entradas que não brilharam, ao contrário dos vinhos. Para harmonizar, começámos a noite com aquele que, para muitos dos presentes, foi um dos vinhos da noite: o Casa José Pedro-Códega-do-Larinho 2024. Marcos Lopes Paulo, a representar o produtor, descreveu o seu trabalho como um desafio diário de afirmação da região e sublinhou a força do terroir transmontano – vinhas em altitude, solos de transição entre xisto e granito, acidez natural elevada -, tudo elementos que se expressam de forma muito própria. O vinho apresentado, feito apenas a partir da casta Códega do Larinho, mostrava precisamente essa singularidade aromática e mineral. Verdadeiramente recomendado.

Seguiu-se o Alto do JOA Branco 2022, da Casa do JOA, representada por Jorge Ortega Afonso, que trouxe consigo uma das histórias mais vivas da noite. A partir da casa tradicional transmontana – a “casa do joa” -, evocou as memórias de família, o ambiente das aldeias e a urgência que sentiu, em 2008, ao ver vizinhos arrancarem vinhas centenárias por falta de forças e de apoio. Vinhas plantadas entre 1840 e 1880, ainda em produção, motivaram-no a procurar formação, aprender sobre terroir e recuperar esse património. O vinho apresentado, um branco de curtimenta, procurava exatamente transportar para o copo a rusticidade e a alma dessas vinhas velhas, vinificadas da forma mais próxima possível das práticas dos antepassados – pisa a pé, fermentação tradicional e mínima intervenção.

Chegava o prato seguinte, o Creme de castanhas com camarões, preparado pelo chef Óscar Geadas, uma junção tão inusitada que acabou por não funcionar como se pretendia, até porque camarões não é propriamente algo que case bem com castanhas ou creme de castanhas. Sentia-se a textura dos pedaços de camarão, mas o sabor que predominava era mesmo o da castanha – e aí nada a apontar, o creme estava delicioso. Para harmonizar, o Flandório Reserva Branco 2023, que é a mescla do legado do avô Flandório. Na boca mostra um equilíbrio bem conseguido entre acidez e uma nota mineral que lhe dá carácter. Um vinho leve e fresco, com um final de boca de duração média.

Veio depois um dos melhores pratos da noite, um Cuscus de vinhas com carnes à moda da aldeia, preparado pela chef Justa Nobre. Para quem não está a par, o Cuscus de Vinhais é uma preparação tradicional transmontana feita à base de farinha de trigo trabalhada à mão até formar pequenos grãos irregulares, que depois são cozidos a vapor e deixados a secar. É um alimento simples, rústico e muito ligado à rotina agrícola da região, usado como acompanhamento ou base para pratos com carne, enchidos ou legumes, tal como aconteceu aqui, com a carne e os enchidos a darem aquele toque fumado tão necessário.

A nível de harmonização, tivemos três (!) vinhos: Vinho dos Mortos 2024, Vilela Seca Grande Reserva 2023 e Ninho da Pita Tinto Grande Escolha Tinto 2021. As histórias são interessantes: a história sobre o primeiro levou a sala até 1879 e às invasões francesas, com a apresentação do célebre “vinho dos mortos”. Contado por uma produtora cuja família mantém viva esta tradição, o relato recuperou o gesto dos habitantes de Boticas, que enterravam o vinho para o esconder das tropas de Napoleão. Ao desenterrá-lo, descobriram que a ausência de luz e a temperatura constante o transformavam positivamente. Hoje, a família continua a produzir este vinho a partir de vinhas velhas, com pisa a pé e fermentação em lagar, mantendo viva uma das tradições mais singulares da região.

Já sobre o Ninho da Pita, o produtor apresentou um vinho nascido de vinhas com mais de cem anos, onde castas brancas, tintas e rosadas se misturam na mesma parcela, como era comum no passado. O objetivo era mostrar como os avós faziam vinho: vindima conjunta, fermentação tradicional e ausência de madeira, deixando as castas expressarem-se tal como surgem na vinha. O nome da propriedade, Ninho da Pita, recuperava uma pequena lenda local, mais um exemplo da ligação profunda entre o território, a memória oral e o produto final.

Seguiu-se outra opção de carne, as Bochechas de porco bísaro, batata salteada e grelos, um prato daqueles seguros, que não falham em sabor, mas sem ser propriamente criativo. A complementar, o José Preto Grande Reserva Tinto 2018, daqueles vinhos que ligam especialmente bem com pratos mais robustos, como carnes na grelha, assados, caça ou queijos de sabor mais intenso, e o Vinhas Velhas Mogadouro Reserva Tinto-2020, também indicado para este tipo de propostas que nos chegam à mesa.

Para finalizar, tivemos direito a duas sobremesas. A primeira, o Pudim de amêndoas, que não foi feito pelo chef Óscar Geadas, mas sim pela sua mãe, sendo esta uma forma de homenagem à progenitora, dando a conhecer um dos seus pratos estrela. É daqueles doces que quase toda a gente vai gostar, dado o sabor a amêndoa amarga. A complementar, um Quinta do Salvante Vinhas Velhas Tinto-2019. Para terminar, pudemos encerrar a refeições com Mini rabanadas com recheio de doce de castanhas. À primeira vista, não parece impressionar, mas assim que se dá a primeira dentada, percebe-se que é uma sobremesa vencedora. A fazer o pairing, o Quinta Serra D’Oura Espumante Grande Reserva Rosé-2020, que também podia ter sido servido no início da refeição.

Com um preço de 85€ por pessoa, foi um jantar bastante demorado e que teve os seus percalços, como a lotação esgotada, que fez com que se juntasse demasiada gente na sala do restaurante, impedindo um serviço de excelência e que, por exemplo, fez atrasar bastante o pairing dos vinhos com os respetivos pratos. Também se pode dizer que três vinhos para um único prato é um exagero, ou que são demasiados vinhos para um único jantar, mas isso são pormenores. O que importa salientar, no fim de tudo, é que o Trás-os-Montes Wine Experience apresentou muito mais do que vinhos – ofereceu um retrato íntimo de uma região que preserva práticas ancestrais, protege vinhas centenárias e faz dos seus vinhos uma extensão da sua memória coletiva. Cada produtor trouxe uma história diferente, mas todas convergiam na mesma intenção afirmar a identidade transmontana e conquistar o lugar que consideram justo no panorama nacional.

Alexandre Lopes
Alexandre Lopes
Licenciado em Comunicação Social e Educação Multimédia no Instituto Politécnico de Leiria, sou um dos fundadores do Echo Boomer. Aficcionado por novas tecnologias, amante de boa gastronomia - e de viagens inesquecíveis! - e apaixonado pelo mundo da música.
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