A história, os ingredientes e a técnica por trás do Pad Thai, um dos pratos mais emblemáticos do SOI, guiados pela mão do chef Maurício Vale.
O Pad Thai tornou-se, desde o primeiro dia, uma das referências do SOI, não por tradição inventada, mas porque acompanha a própria memória da Tailândia. Quem o provou no seu contexto original reconhece-o em qualquer paragem: das ruas poeirentas de Chiang Mai às cozinhas intensas de Banguecoque, sempre marcado pelo aroma quente das especiarias, pela acidez firme do tamarindo, pela textura dos amendoins torrados e pelo perfume discreto das malaguetas secas.
A história do Pad Thai tem raízes num período de reconstrução nacional. Nos anos 1940, a Tailândia enfrentava escassez de arroz e procurava um símbolo que unisse o país. O governo promoveu então a criação de um prato nacional que fosse nutritivo, simples de preparar e inequivocamente tailandês, afastando-se das influências chinesas que dominavam grande parte da gastronomia local. A receita consolidou-se nas ruas de Banguecoque: massa de arroz salteada num wok ardente, ligada pela acidez do tamarindo, pela força da malagueta, pela textura do amendoim e pelo carácter do molho de peixe. O equilíbrio entre doce, ácido, salgado e picante acabou por transformar uma solução de emergência numa expressão culinária de identidade nacional.
E embora muitos já tenham provado Pad Thai, nem todos sabem realmente cozinhá-lo. Foi por isso que me desloquei esta semana ao SOI, do Grupo Sushicafé, e também para confirmar se ali se serve mesmo o melhor Pad Thai da cidade.
A sessão esteve a cargo do chef Maurício Vale, que apresentou a sua versão de Pad Thai de camarão, a que chama “norte-americana”, fruto de décadas de adaptações e reinvenções. Antes de pôr mãos à obra, contextualizou o prato e recordou que, ao longo do século XX, o Pad Thai passou por múltiplas mutações, algumas promovidas por campanhas governamentais que incentivavam novas interpretações. Entre variações fiéis e outras mais livres, o prato tornou-se, para o chef, algo “de intenção”: molda-se tanto à sua história como às mãos que o cozinham.
Nos ingredientes essenciais, começou pelo camarão, pelo alho e pelo gengibre, que formam a base aromática. Depois, explicou o papel das várias malaguetas: tailandesas pela fragrância, mexicanas pela profundidade e coreanas pelo impacto final. Combina-as desidratadas numa mistura própria, que descreve como “uma verdadeira explosão de sabor”. A conversa seguiu para o arroz – mais aromático no grão inicial, mais neutro nas folhas – e para a eterna busca de equilíbrio entre acidez, frescura e picante.
O tamarindo, o molho de peixe e o açúcar de palma surgiram como pilares do molho. Maurício destacou o cuidado na preparação da pasta de tamarindo, que repousa para suavizar a agressividade inicial, e sublinhou a importância de usar ingredientes autênticos, mesmo que a logística portuguesa obrigue a alguns ajustes. A partir daí, tudo se constrói no wok: o tamarindo reduz até obter uma acidez densa, as malaguetas – frescas e desidratadas – dão vitalidade, e o açúcar de palma e o molho de peixe fecham o conjunto. O calor vivo do wok fixa o sabor e mantém aquela alma de rua que o chef procura traduzir no restaurante.
As suas maiores influências vêm sobretudo da China e da Itália, onde encontrou abordagens que o marcaram. Preferiu sempre manter a carta curta, para garantir tempo e precisão em cada prato, já que servir tudo ao minuto num espaço cheio exige ritmo e consistência.
A técnica segue um ritual bem definido. Os noodles de arroz ficam submersos em água fria até atingirem a textura certa, firmes o suficiente para aguentar o wok. Depois entra a proteína – frango ou camarão – que ganha cor em óleo bem quente, acompanhada por malagueta fresca picada, alho e gengibre ralado. O ovo desfaz-se num instante, o tofu firme dá estrutura, e a cebola roxa com os flocos de chili acrescenta aroma e ligeira caramelização. Só então chegam os noodles hidratados, que absorvem a base aromática antes de receberem o molho. Quando tudo se envolve e atinge o ponto perfeito, entra o toque final: rebentos de soja, ainda crocantes.
O prato segue para a mesa acabado de sair do wok, rematado com coentros, cebolo laminado, amendoim torrado picado e um gomo de lima para afinar a acidez. Para o chef, o Pad Thai vive deste impulso rápido e instintivo: mais gesto do que técnica, mais ritmo do que receita.
No SOI, o clássico tailandês mantém-se como uma das referências da casa justamente por isto, não por tradição forçada, mas porque respira a memória das viagens do chef e o espírito das ruas tailandesas. A quem regressa ao restaurante, o prato continua a dar a mesma sensação de viagem servida num wok incandescente.
