Este ano, a Feira do Alvarinho de Monção, considerada a Maior Wine Party de Portugal, decorreu entre 3 a 6 de agosto. O Echo Boomer foi numa press trip e conta-vos um pouco do que se passou por lá.
Há territórios que merecem ser celebrados de múltiplas formas. Primeiro que tudo, pelas pessoas, depois, pela natureza que se verte em belas paisagens, e não menos pelas tradições que fazem de Monção e de outras terras que lhe são próximas, como Melgaço, o coração do Alto Minho. Entre vinhos únicos, como é o caso do Alvarinho, cujo frescor cítrico e notas minerais nos falam de uma terra sem igual, a gastronomia farta e um povo com orgulho no que tem e no que é, esta região proporciona uma volta inesquecível a quem se dispõe a conhecer as terras do rio Minho, um dos mais belos e poéticos de Portugal. Passadiços panorâmicos, vinhas que preenchem biografias de ilustres, palácios, memórias, sabores – tudo aqui nos espera – e uma certeza: a vontade de regressar é garantida.
Foi numa press trip inesquecível de três dias pela Rota do Alvarinho que ficámos a conhecer um dos pontos mais altos da vida do Alto Minho, a Feira do Alvarinho, evento que honra e divulga não só os vinhos únicos dos produtores da região de Monção e Melgaço, como também outros produtos e tradições que colocam Monção no centro dos roteiros turísticos e tornam esta Vila cheia de história(s) num local ideal para visitar e passar uns dias bem passados, seja agora, em pleno verão, seja em qualquer outra época do ano.
Dia 1 – A hospitalidade e a primeira experiência dos sabores minhotos
Depois de uma cómoda viagem rumo ao Norte, fizemos o check-in na tarde de quarta-feira, 2 de julho, no Hotel D. Afonso, em Monção.
O D. Afonso é um simpático hotel de duas estrelas. Em primeiro lugar, a hospitalidade minhota fez-se sentir de imediato. O sentimento familiar, a conversa com os hóspedes, a disponibilidade, tudo faz parte da magia do lugar. Por sinal, não se pode escolher um lugar mais esplêndido. Situados por cima do Hotel das Termas, ficámos, pois, bem perto do rio Minho e da sua frondosa paisagem, a dar para a beleza da serrania, raias de Espanha ali defronte…
Depois, o conforto do quarto foi favorável a um momento de descanso que nos ajudou a relaxar da viagem; esta, aliás, quase que acaba por não parecer assim tão longa, para quem parte de Lisboa. Os quartos apresentam confortáveis camas duplas e todas as comodidades indispensáveis para uma estadia tranquila. São luminosos e espaçosos, com uma janela de parede a parede, contígua a uma varanda privativa cujas vistas se estendem sobre os frondosos plátanos do Ecoparque da Vila de Monção: um verdadeiro oásis de paz, perfeito para um brinde ao pôr do sol ou para apreciar a envolvência destas terras sagradas de Portugal. A acolhedora sala de pequeno-almoço agradou-nos assim que entrámos, e ficámos a conhecê-la melhor no outro dia de manhã, mas já lá iremos.
Conforme planeado, fomos ao encontro de um jantar memorável. A Vila de Monção dispõe de uma agradável zona comercial em espaço aberto, moderna, ao estilo outlet, com várias lojas e restaurantes. Um desses espaços é uma segunda versão de um restaurante local bastante conceituado pelas suas costeletinhas de porco, o Chiote. Rumar ao restaurante Chiote Monte da Mina é, pois, uma ótima aposta para quem visitar a zona. A esplanada moderna, com pérgolas e luzes quentes, convida a longas conversas, mas é na qualidade dos pratos e na sua substancial adega, com um portentoso escaparate de vinhos Alvarinho de todas as idades e tipos a decorar a entrada, que esta conhecidíssima churrasqueira de Monção se revela um ponto de honra neste roteiro: carnes grelhadas no ponto, acompanhadas por vinhos Alvarinho de produtores locais. Frutado, fresco, com aquela acidez vibrante que limpa o palato e pede mais um trago, o Alvarinho, para principiantes requer algum cuidado: escorrega bem, mas é um vinho forte, apesar do paladar super agradável e suave. Mas fiquem descansados os debutantes da boa pinga: depois de se habituarem, nunca mais se esquecerão desta experiência. Quanto a nós, oxalá se repita!
Depois de uma sessão de prova de diversos vinhos, de que se destacam renomados verdes e espumantes deste terroir único que é terras de Monção e Melgaço, como o Alvarinho Deu la Deu, o Casa do Capitão-Mor, Alvarinho Reserva 2023, entre outros, vieram para a mesa as entradas. Coloridas e apetitosas, foram o o mote perfeito de uma refeição à moda do Minho que se pautou pelo Bacalhau Frito no Chiote, um dos pratos principais desta casa e que é uma verdadeira pérola da cozinha minhota. O bacalhau (natural de lascas tenras e suculentas por dentro), servido em postas generosas, apresenta uma crosta dourada e estaladiça e é acompanhando por uma cama de batatas fritas pala-pala naturais onduladas e legumes cozidos que fornecem frescura e um contraste ao prato. Este manjar é dourado por uma fatia de bacon frito e uma deliciosa gamba, com alguma maionese. Para finalizar, tivemos uma maravilhosa sobremesa de frutas frescas variadas e um toque de leveza e frescor dos semifrios de caramelo e morango…
Dia 2 – A Rota do Alvarinho
Quem quiser conhecer os pontos principais da Rota do Alvarinho, tem de dispor de pelo menos um dia para cumprir cabalmente esse objetivo. Além dos pontos mais atrativos no centro histórico da Vila de Monção – entre eles, a lendária estátua da heroína nacional e local Deu-la-deu Martins (cuja lenda algum folclore entrosa com o mito grego de Danaide, uma mítica bisneta do deus Poseidon) -, há uma série de monumentos e pontos curiosos a conhecer.
Nos arredores da vila estendem-se, igualmente, ex-libris que não podem ser descartados. Assim, o nosso périplo pelas belezas e “jóias” de Monção iniciou-se na manhã de 3 de julho, bem cedo, com um autocarro a partir do Parque das Caldas, ponto nevrálgico da Feira do Alvarinho, em direção a uma autêntica pérola do património local que representa a própria história e tradição vinícola de Monção.
Primeira paragem obrigatória: Palácio da Brejoeira. Este magnífico monumento é, na verdade, um ponto mais do que assinalável no mapa exploratório de Monção para quem quiser ficar a conhecer minimamente esta região, não só pela grandiosidade do edifício, mas também pelo modo como a sua história se imbrica num dos casos de produção vinícola de maior sucesso em Portugal. Mandado edificar em 1806 pelo fidalgo Luís Pereira Velho Moscoso, este imponente monumento da história local cuja construção durou uns longos 28 anos revela-nos fascinantes histórias de vida e de resiliência das suas gentes, transportando-nos para as origens dos próprios vinhos Alvarinho.
O Palácio da Brejoeira é um dos casos que inspiraram novelistas de renome, como Agustina Bessa-Luís, para a construção de personagens emblemáticas do contexto regional minhoto. Passando por dentro de histórias de vida em que palácio e vinhas criaram raízes como projetos que ocuparam sucessivas gerações, nasce e frutifica um caminho de sucesso, fruto de uma enorme resiliência e visão de futuro: o Alvarinho. Este vinho, que tem na Brejoeira um terroir único, reúne tradições vinícolas milenares, com um profundo desejo de inovação que ao longo de décadas foi desafiando os seus limites históricos e reais possibilidades.
Construído em 1806, este palácio, além de ser uma atração turística e marca consagrada de uma produtora de vinho Alvarinho e aguardente vínica velha (ambos com a marca heráldica dos antigos proprietários da Brejoeira), é um marco histórico fascinante, espelho da diáspora de individualidades marcantes no tecido sócio-económico da região e de sucessivas vagas geracionais cuja força, talento e produto de trabalho ali se concentraram.
Após o fim da linhagem Moscoso, a fundadora, o palácio, então danificado, foi adquirido e restaurado em 1901 por Pedro Maria da Fonseca Araújo, comerciante e presidente da Associação Comercial do Porto, que introduziu neste monumento o distinto estilo oriental, nomeadamente no mobiliário. Em 1937, a propriedade foi presenteada a D. Hermínia por seu pai, Francisco de Oliveira Pais. D. Hermínia foi, então, a grande obreira do vinho Alvarinho. Habituada à vida da capital, veio da Lapa para Monção, para assumir o governo da propriedade que lhe tinha sido legada.
D.Hermínia criou a Sociedade Anónima Palácio da Brejoeira, em 1999, para garantir a continuidade da sua obra, viveu no palácio até 2015, data da sua morte aos 97 anos e é ainda possível ficar a conhecê-la, para além da marca indelével da sua obra patrimonial, através dos retratos que decoram o interior dos salões, onde podemos comprar uma rapariga de 18 anos retratada num quadro a óleo, com penteado oitocentista de grandes rolos e vestido de rabo alto a descer pelo chão, e a simpática e bonita senhora nonagenária legatária de tão grande obra, já numa fotografia recente, como se fosse possível a um ser humano atravessar as ondas temporais do passado e do presente! Absolutamente fascinante! Depois, toda a casa, que Hermínia adotou como residência permanente, é um portento da época: um autêntico tesouro, diria inesperado, em azulejaria que reproduz cenas mitológicas, tão ao gosto da época, tetos trabalhados, salões que refletem uma beleza e cultura ímpares, repletos de pinturas, porcelanas chinesas, objetos de arte e com cortinas ainda do tempo da inauguração do palácio… Enfim, espaços privados onde os espelhos da casa devolveram a convidados régios, como o Príncipe D. Luís, a imagem de uma noite em que ali pernoitara…
Emílio Rocha de Sousa Magalhães é hoje o curador deste lugar histórico ainda desconhecido de muitos e o responsável pela área vitivinícola da propriedade, sendo conhecido como o “enólogo” do Palácio da Brejoeira. De referir que o brasão da família ocupa lugar de destaque no friso superior da lareira do salão princicipal e pode ser encontrado no selo dos vinhos da casa.
A visita ao palácio não se esgota nos salões. Depressa contactamos com outros espaços que, de certo modo, recriam o ambiente que se vivia em muitos dos palácios da capital lisboeta, mas aqui trasladado para a província minhota. Além dos luxuosos salões e de um jardim de inverno de inspiração neoclássica e pendor colonial, a casa dispõe de teatro próprio, um local diáfano, irreal quase, com cenários pintados, longas cortinas e confortáveis assentos, tornando-se num exemplar fascinante deste tipo de equipamento numa época em que os salões de teatro eram em grande parte apanágio de casas particulares e o género teatral se tornou, em si mesmo, um instrumento de cultura, recreio e educação do século XIX.
Não menos surpreendente é a capela privada devotada a S. Sebastião, com três ordens de varandins, sendo o último, o mais alto, destinado aos criados da casa com o intuito de estes não se misturarem com os fiéis comuns que vinham de fora do palácio assistir às missas. A sala de armas, por sua vez, reserva-nos um olhar sobre relíquias históricas como espadas ofertadas a D. Hermínia, lanças, adagas, setase outras armas, na maioria oriundas de paragens africanas, cuja datação é impossível determinar mas que constituem certamente autênticos achados arqueológicos.
Um ponto imprescindível desta visita são os jardins exteriores do palácio, com as suas cameleiras mandadas plantar pela proprietária, espaços que se alongam no terroir que começou por ter cunho experimental quando D. Hermínia considerou implementar a vinha e o vinho como forma de sustento do seu património e legado da própria família. Numa parte mais privativa dos jardins, decorriam amenos convívios ao ar livre, entre eles, claro, os famosos bailes e as conversas mais íntimas, que tornavam o palácio no ponto nevrálgico da convivialidade social da época.
Inesquecível, como não podia deixar de ser, é a adega, onde ainda se respira o espírito do lugar. Ficamos a saber que a ação de D. Hermínia foi crucial ao revolucionar a produção vitivinícola, substituindo em 1964 o “vinho tinto de enforcado”, tradicional das regiões dos vinhos verdes, pela plantação de Alvarinho. O seu objetivo era criar um vinho de qualidade superior que representasse o palácio. Vicissitudes ligadas à Revolução do 25 de Abril atrasaram um pouco a chegada ao mercado do primeiro Alvarinho da Brejoeira, que acabou por ocorrer em 1976. Além do vinho, a adega produz uma sofisticada aguardente velha vínica, envelhecida em carvalho francês por 14 a 15 anos, resultando num produto de grande elegância.
Claro que, para finalizar, e junto à loja e museu do palácio, tivemos uma prova de degustação dos vinhos Alvarinho, em que, por cortesia, nos foi também proporcionada a prova da bagaceira Quinta de Alderiz, macia, de sabor frutado, representativa desta casta de vinhos e dos seus processos.
Algumas das maravilhas da freguesia de Lara: Castelo de Lapela, velho Guardião da Fronteira e os Passadiços da Cascata do Fojo.
O roteiro pela histórica freguesia de Lara continua, agora em direção a monumentos que povoam as memórias mais antigas de Monção. Uma das paragens mais belas ergue-se imponentemente na margem lusitana do rio Minho, a Torre de Lapela. Este é um marco histórico que nos transporta aos séculos das lutas contra Castela, quando as águas do rio e as suas gentes eram bastiões na defesa do território e da nacionalidade.
O Castelo de Lapela foi erguido quando Monção, nesse contexto, se tornou uma linha de fronteira crucial. A localização e estrutura do castelo foram pensadas para o controlo da região e a defesa do território. Anteriormente, existiam apenas pontos de bloqueio mais afastados mas, com a definição das fronteiras atuais, tornou-se essencial uma fortificação estratégica como esta.
Este monumento dispõe de cartazes e de um vídeo explicativo que permitem ter uma perceção mais clara da importância histórica e estratégica deste castelo e da Torre de Lapela, que esteve por várias vezes prestes a ser demolida, ao longo da história, mas felizmente sobreviveu a esses intentos obtusos e ainda hoje se ergue como um bastião na paisagem.
Hoje, do alto das suas ameias medievais, o rio Minho é uma maravilha natural com duas calmas margens separando países irmãos, dois territórios e jurisdições diferentes – Portugal e Espanha – que se tocam, unidos por toda uma rica herança comum à região.
Não é por acaso que encontramos à entrada do hotel D. Afonso, e citados aqui e além, os famosos versos “A Galiza mail’ o Minho”, em homenagem ao poeta local João Verde, que celebram a ligação transfronteiriça:
“Vendo-os assim tão pertinho,
A Galiza mail’ o Minho
São como dois namorados
Que o rio traz separados
Quase desde o nascimento.
Deixai-os, pois, namorar,
Já que os paes para casar
Lhes não dão consentimento.”
Os Passadiços de Monção são outra maravilha da terra. Constituem uma rede de percursos pedestres que oferecem aos viajantes uma oportunidade de imersão na natureza. Uma parte situada junto ao rio Minho faz a ligação entre a zona ribeirinha e o centro histórico da vila, proporcionando vistas panorâmicas sobre as muralhas de Monção, a paisagem fluvial, os vinhedos e as áreas de cultivo. Integrados na Ecopista do Rio Minho, estes passadiços estendem-se e ligam Monção a outras localidades, como Valença e Viana do Castelo, sendo ideais para caminhadas e passeios de bicicleta. Os visitantes podem ainda apreciar a beleza natural das pesqueiras e da margem galega. O acesso é gratuito e os percursos são de dificuldade fácil.
Mas é bem no coração da freguesia de Lara, no percurso conhecido como “Monção Molinhos” ou Trilho da Cascata do Fojo, que a natureza exuberante de Monção se revela em todo o seu esplendor, associada às formas de vida mais ancestrais do lugar. Com a água a serpentear entre a vegetação, o nosso olhar prende-se nos moinhos seculares, alguns já meio derruídos, outros ainda de pé – cada qual com o nome dos antigos molineiros -, que se distribuem pelas margens por onde correm as águas em marulho. A vegetação densa, rica em diversas espécies, o canto das aves, tudo ali contribui para a experiência única que se pode viver em Monção.
Porque, em Monção, até a comida tem História(s)…
A Rota do Alvarinho é, com efeito, uma rota gastronómica e tem, como tal, momentos e lugares inesquecíveis. Nesse sentido, Monção e Melgaço são paragens obrigatórias para qualquer visitante que queira conhecer iguarias como o Cordeiro à Moda de Monção, o Cozido à Portuguesa e os Rojões, todos harmonizados na perfeição com o néctar dourado da região. Assim, fizemos uma paragem no Forno da Vila, para os forasteiros assistirem à preparação do cabrito ou borrego assado (somente a parte final…). Manda a tradição assar o cabrito lentamente, com o aroma a espalhar-se pelo ar, no que é um convite à celebração da boa comida e da festa minhota.
A etapa seguinte, obviamente, é o almoço. Como não podia deixar de ser, foi o Borrego Assado à moda de Monção, com o célebre arroz estufado no caldo do cozido. A refeição de grupo, um momento de convívio memorável informal e descontraído, decorreu na Quinta da Vila Nova, em mesas corridas, à sombra de um velho ulmeiro.
A narrativa sobre este lugar foi-nos sendo contada pelo simpatiquíssimo dono e proprietário da quinta, agora dedicada a eventos. Centra-se na história da casa que Pedro Lobato outrora mandou construir para estadias de fim de semana, mas para onde acabaria por se mudar permanentemente, isto, há cerca de 400 anos…
No inverno, o Rio Gadanha, que passa por ali, causava cheias que impediam a deslocação dos habitantes da aldeia de Pias, e em particular, o acesso à igreja e ao centro da vila. Para resolver este problema, Pedro Lobato decidiu transferir uma pequena capela que se encontrava “no meio dos pinheiros” para dentro da sua propriedade. Uma lenda local, aliás, associa esta capela aos Caminhos de Santiago, concretamente a São Gregório, sugerindo que o santo poderá ter pernoitado numa igreja “perto de pinheiros” durante a sua peregrinação a Santiago de Compostela, pelo que este pequeno templo poderá ter estado na rota dos que atravessavam a região pelo interior, passando por Pias.
Ao longo destes caminhos, existiam diversos oratórios e capelas abertas com bancos laterais, que serviam de apoio e repouso para os peregrinos durante as suas romarias. Embora não se saiba ao certo se a pernoita numa destas capelas viradas para a estrada era comum, a verdade é que estas estruturas eram essenciais para os viajantes.
Ouvem-se estas belas narrativas à medida que o almoço avança e, entre golos de Alvarinho bem fresco, chega a vez das sobremesas, com os doces típicos de Monção: roscas, rosquilhos e papudos, deliciosamente cobertos de uma fina cobertura de açucar cristalizado, nuns, ligeiramente baunilhada, noutros, com travo de aniz. Enfim, e porque atrás de uma história vem logo outra, sobretudo quando a narrativa popular se entrelaça com a crónica de costumes local, mais interessante e singular se torna a viagem da descoberta. Uma das peculiaridades mais interessantes da cultura minhota é personificada pela Confraria da Foda de Pias – Monção. Esta associação cultural dedica-se a defender, valorizar e promover o Cordeiro à Moda de Monção, conhecido popularmente como “Foda à Monção”. O nome, embora peculiar, tem origem na tradição das feiras de gado, onde a expressão “Que foda!” era usada por compradores desiludidos com ovelhas menos “carnudas”. Tal acontecia por vezes depois de os produtores alimentarem intencionalmente os animais com forragem salgada, fazendo-os beber muita água e, como tal, parecerem mais gordos e pesados no momento do acerto do preço. Fundada em 2016, a confraria, composta por elementos da junta de freguesia, restaurantes e produtores, tem sido fundamental na promoção do prato, organizando anualmente a Feira da Foda. O reconhecimento culminou em 2018, quando o Cordeiro à Moda de Monção foi eleito uma das 7 Maravilhas de Portugal à Mesa, elevando o seu estatuto e o da confraria a um patamar nacional. A presença de figuras como os homens da Confraria da Foda, trajados a rigor, na Feira do Alvarinho, exemplifica a forma como as tradições e a cultura local se entrelaçam fortemente com a promoção do produto.
Inauguração da Feira do Alvarinho: o ponto alto da trip, em estilo de, como alguém lhe chamou, “a maior Wine Party de Portugal”
O ponto alto da viagem está aqui, sem dúvida, na Feira do Alvarinho de Monção, que teve este ano a abertura da sua 28ª edição, no Parque das Caldas, ao final da tarde, e onde, tal como esperado, pudemos mergulhar mais profundamente no universo do Alvarinho e das suas raízes etnográficas.
O ambiente vibrante e a expetativa eram palpáveis, a par de um calor que só se atenuava junto às belas margens do rio Minho (belas, mas inapropriadas para banhos, note-se). Com a presença do Ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes (carinhosamente tratado pela gente da terra como “o senhor ministro José Manel Fernandes”) e do Presidente da Câmara de Monção, António Barbosa, que proferiu o discurso de abertura, a feira foi oficialmente declarada aberta.
O Presidente da Câmara de Monção sublinhou, com orgulho, que a feira é “o coração de um produto que transformou Monção e Melgaço, projetando-os internacionalmente e gerando uma riqueza sem precedentes”. António Barbosa descreveu e enquadrou o evento da Feira do Alvarinho no contexto das políticas vinícolas da região, das características do territoróio, das suas gentes, não deixando de fazer referência à necessidade de apoio aos produtores e à questão das acessibilidades.
O sucesso, lembrou, pode ser medido pela afluência massiva esperada: “São esperados mais de 120.000 visitantes”, num testemunho do crescimento e da popularidade deste evento marcado pela presença de mais de 30 expositores representativos dos vários produtores vitivinícolas, entre outros produtos regionais e coletividades da região, e a presença de muitas individualidades, bem como de diversos meios de comunicação.
A intervenção seguinte coube ao Ministro da Agricultura, que reforçou a importância do evento para a promoção do vinho Alvarinho e para a dinamização económica da região, pelo facto de ser um produto que se tem elevado a um patamar superior, destacando-se pela sua elegância e qualidades únicas. O sr. ministro sublinhou a exclusividade deste vinho, referindo-se à sua importância económica para a região e à sua exclusividade: “O nosso objetivo é que ele [o Alvarinho] consiga criar riqueza”, o que é possível graças às suas “especificidades únicas”, pois “o Alvarinho de Monção é único”.
Em entrevista ao Echo Boomer, o senhor Vereador da Ação Social, Cultura e Turismo, João Oliveira, salientava a importância do Selo de Região, como garantia de exclusividade e especificidade dos vinhos expostos e comercializados nesta Feira do Alvarinho, onde se reuniram mais de 30 produtores e representantes desta famosa casta de vinhos portugueses de Monção e Melgaço.
Às 20h, decorreu o jantar em plena Feira, num dos restaurantes que agregaram uma série de individualidades. Uma das especialidades servidas foi o Bacalhau com Batatas a Murro e Broa. No melhor da cozinha minhota, este prato apresenta-se à mesa com uma bela posta de bacalhau, tenra e suculenta, acompanhada pelas inconfundíveis batatas a murro, com a sua pele rugosa e interior cremoso. Complementando o conjunto, a fatia de broa de milho esboroada, aromática, embebida em azeite, confere a esta experiência gastronómica um paladar ainda mais rústico. A alternativa estava visto qual era: “Foda à Moda de Monção”, ou seja, fatias deliciosas de borrego assado no forno, com arroz estufado.
A noite encerrou em grande estilo com o concerto de Rui Veloso, figura incontornável da música portuguesa, que fez vibrar a multidão, sem deixar de erguer um copo fresco de Alvarinho entre duas guitarradas: “Ah, já estava a precisar disto!”, exclamou o artista, presenteando o público com a sua personalidade forte e estilo descontraído.
Dia 3 – Hora da partida: para a próxima há mais!
O terceiro dia foi o das despedidas. Fica-se com a impressão de ter estado em casa, entre amigos, para junto de quem se quer voltar em breve… Monção e Melgaço são, hoje, muito mais do que destinos de enoturismo: são exemplos de como um produto pode ser motor de desenvolvimento, quando apoiado por estratégia, comunidade e visão. A 28ª edição da Feira do Alvarinho, que encerrou no domingo, 6 de julho, reafirmou de facto a sua posição como um dos eventos de vinho mais importantes de Portugal, com um volume de negócios que ronda, estima-se, os 2.000.000€. Como disse o Presidente da Câmara, “o Alvarinho é, cada vez mais, parte da nossa identidade coletiva e um símbolo do que somos capazes de fazer quando acreditamos no nosso território”.
Sobre a visão da equipa da Câmara Municipal, que trabalha arduamente todos os anos na Feira do Alvarinho recaem os maiores elogios. Nunca nada foi deixado ao acaso. São precisamente exemplos como este, de políticas de proximidade e dedicação, que devem ser seguidos, quando o resultado fica bem à vista, num evento capaz de refletir o espírito comunitário e impulsionar o sucesso desta feira e de toda uma região. Para os visitantes, sejam eles enoturistas ou não, são oportunidades únicas de conhecerem paragens fascinantes, pelas suas gentes e a sua cultura, ou, a partir de agora, regressarem a Monção para uma experiência imersiva na natureza, história e cultura de uma região absolutamente inesquecível e que fica, afinal, a poucas horas de Lisboa graças às excelentes vias de acesso.
De partida, fica a sensação de que esta região tem o que é preciso para continuar a crescer – com os pés bem assentes na terra e os olhos postos no futuro. A memória dos concertos, das paisagens, da história, da generosidade e do calor e, claro, dos majares e do inconfundível sabor do Alvarinho, que alguns definem como um “vinho elegante”, permanecerá por muito tempo, comprovando que, de facto, “Monção deixa marca”.