Vodafone Paredes de Coura 2024, dia 4 e balanço – A gestão da mudança, Slowdive a navegar pelas estrelas e o amanhã pertence aos Fontaines D.C.

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Até 2025!

Hurray for the Riff Raff, que é como quem diz Alynda Segarra, foi lamentavelmente perdida, aliás a maior lamentação desta edição. Uma das melhores combinações voz/guitarra/escrita que por aí andam, seja no formato mais americana do último The Past is Still Alive em grande destaque nesta tournée (“Alibi” prova-o), ou recuando à odisseia urbana do magnífico The Navigator, de 2017 (saudades de “Hungry Ghost”). Há relatos que não desiludiu, pese o cedo da hora.

Sentimento igual, mas reforçado, com a festa épica a Baxter Dury, o showman que estava a fazer falta ao fim da tarde, o cantor lounge da pop que Coura merece. Mil folhas de camadas de sofisticação musical e experiência de vida mergulhada no meio que só se consegue com quilometragem (não idade, como bem recordou um dia Indiana Jones), Dury dá um chino no olho ao sentimento de que alguns artistas mais velhos não têm conseguido entusiasmar a galera sub-25, com “Leak at the Disco”, “Almond Milk”, “Miami” ou “Cocaine Man”. Depois da celebração à chuva na primeira edição do NOS Primavera Sound em 2012 num célebre dia no palco Club em que The Weeknd era bambino e os Wavves pareciam que iam mandar nisto, este regresso foi uma celebração ao sol de um artista igual ao que era, mas em melhor.

Os Slowdive já passaram da fase em que a sua volta pós-anos da fase heróica do shoegaze foi celebrado como um dos maiores regressos da década de 2010. Dois discos novos depois e ao quinto concerto pelos festivais irmãos de entre Douro e Minho (em sala foram apenas uma vez em Lisboa e ao Porto em 2018) – entre o Parque da Cidade e a Praia Fluvial do Taboão há já normalidade no circuito, e a comida usada como insulto de forma mais tonta – arroz – é usada por alguns. Basta ouvir pela primeira vez ao vivo “Shanty”, do último Everything is Alive, para esquecer essa resistência e o som etéreo a invadir o anfiteatro do habitat natural da música. São perfeitamente jovens no público a que chegam – a fazer parecer os maldizentes como aqueles que para evitar entrar na fase losing my edge se agarram a qualquer novidade. No fim chega “When the Sun Hits” e “40 Days” de Souvlaki, mas arriscamos dizer que, hoje em dia, não é preciso ter medo de apostar mais no material novo, com pernas para andar e sem risco de mofo e causar pausas para ir ao WC. Rachel Goswell diz com a serenidade contente que é bom estar de volta. Claro que é.

the jesus and mary chain no vodafone paredes de coura 2024
The Jesus and Mary Chain no Vodafone Paredes de Coura 2024 Foto: Emanuel Canoilas

Já com The Jesus and Mary Chain foi um filme diferente. Neste sábado, que é de forma natural o dia mais Tintim do Vodafone Paredes de Coura, muitos leitores dos 7 aos 77 anos presentes pelo recinto, os escoceses têm uma relação morna com o público, não obstante darem um concerto competente, se bem que algo engavetado. E Glasgow Eyes não é mau disco, nem “Jamcod” fraco cartão de visita. Jim Reid tem fama de temperamental, mas aparenta estar em dia sim – o aviso de nenhum fotógrafo poder ficar mesmo em frente ao vocalista ou então ele até pode recusar-se a atuar levado mais à laia de brincadeira. Só que ficámos ali no meio da estrada mesmo com “In a Hole” a levantar o ânimo e o final de “Just Like Honey”, aqui com o suplemento vitamínico de Rachel Goswell dos Slowdive e “Reverence” ter fechado de forma simpática.

Porém, o hype da noite estava há muito escrito nas estrelas que seria Fontaines D.C. Os Superchunk, grupo respeitado do indie rock americano das últimas décadas, tiveram azar dos Távoras por terem ficado com a sua estreia nacional após mais de três décadas de carreira perdida no meio destes dois concertos. Dano colateral injusto para os autores de “Why Do You Have to Put a Date on Everything”.

Em Paredes de Coura, os Fontaines D.C. chegam com estatuto de próximos gigantes do rock, já queridinhos da geração Z que tem Grian Chatten como um dos vocalistas de referência como se vê logo com o novo “Romance”. Sobressai o à vontade com que tocam ao vivo, uma segurança precoce que faz parecer o pós-punk dos irlandeses um trabalho de quem de trás, mas perfeitamente moderno (género com apresenta uma saúde incrível em termos de novos projetos). Aliás, o estilo de poucas palavras, mas muitas músicas, é de antanho, mas sem levantar queixas de falta de simpatia com o público. Não são precisas palavras, seria supérfluo face à energia que passa em vai-vem e às letras confessionais cantadas – Skinty Fia é dos álbuns da década no estilo. “I Love You” é a antecâmara ideal para o fim, o solilóquio de Chatten a ser trauteado pelas filas da frente, e a fresca “Starbuster” fecha os trabalhos principais destes quatro dias, mesmo antes dos confetti que vão ser disparados e do vídeo de tributo a anunciar 2025. E é das melhores músicas a fazê-lo nos últimos anos. Vai ser daqueles de que se vai dizer, “eu estive lá”.  

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Slowdive no Vodafone Paredes de Coura 2024 Foto: Emanuel Canoilas

Por último, em jeito de balanço, fica a ideia de que se sentiram algumas placas tectónicas a mexer-se deste festival, o mais antigo em atividade contínua (esta foi a 30ª edição, apenas a pandemia impediu duas edições). Sobre os horários: foram castigadores, e sendo certo que se saúda que se invista em projetos interessantes que não apenas em cabeções, há coisas que são cruéis. Uns querem ir para casa, outros querem é meter eletrónica, e quem fica no meio tenta negociar para conseguir ver pelo menos parte. Até por isso, a ideia levantada por João Carvalho de um difícil em termos de espaço, mas desejável terceiro palco – com destaque para nomes portugueses – revela-se pista a seguir no mundo dos sonhos quem tanto gosta do certame. Esta terceira travessia, aqui junto às margens do rio Coura, tiraria pressão de montagem de horários, daria mais alternativas na hora das escolhas e mais alternativas para géneros considerados como sub-representados num público especialmente heterógeno na sua composição, agora até com mais sabor internacional do que os clássicos nativos da Portugaliza.

Noutro campo de batalha, e num mundo de isolamento em frente a ecrãs e de preços controlados a algoritmo para a estadia de quem não quer acampar, a necessidade de não deixar o festival fechar-se em si mesmo e deixar de comunicar tanto com a vila, os festivaleiros sentiram a terra. Nisso, o Sobe à Vila tem sido importante. Tem que se continuar a trabalhar nisso, e se há evento mais sinónimo de um concelho, é este – os graves a ouvir-se à noite em Romarigães, a vários quilómetros de distância, e um presidente da edilidade que ajudou a criar um festival de música moderna e atuou em palco com os Boucabaca.

PS: O grande Alfredo Cunha lançou um livro com fotografias que tirou ao longo de vários anos por aqui, Paraíso de Coura. Vale a pena procurá-lo.

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