Tenho que ser sincero: quando saí do concerto de Lenny Kravitz, não estava a pensar nem na sua exibição nem na sua música. Vieram-me à memória uma dúzia de “flirts” (pelo menos aqueles conhecidos) do músico nova-iorquino e todas as sua ex (e lindas) mulheres (last but not the least a modelo brasileira Bárbara Fialho).
Não, não me passei a interessar pelo gossip. Fiquei com esta reflexão, digamos assim, da maneira sedutora com que Lenny Kravitz estava em palco, o seu ar de badboy atípico e romântico, um pouco indolente, um pouco fanático. Vê-lo fez-me pensar que o sucesso deve ter sido ganho de forma simples. Com aquela postura de playboy caribenho, com aquela maneira de apontar o público e agradecer tocando no coração, Lenny tem o fascíno de um rocker experiente, capaz de coagir a Altice Arena no domingo passado (1 de julho), na etapa portuguesa da Raise Vibrations Tour, que antecipa a saída, no próximo mês de setembro, do ábum Raise Vibrations.
Lenny é, de certeza, um malandro de grande charme, mas não deixa enganar: ele tem talento. Multi-instrumentista, ator, designer de interiores e estilista honoris causa, Kravitz foi capaz de realizar grandes hits na sua carreira percebendo, a torto e a direito, os gostos do público e permanecendo, no geral, coerente ao próprio percurso.
O espetáculo do Altice resume de forma heterogénea o percurso musical do artista de Nova Iorque, misturando sonoridades do funk-rock e soul dos anos 70 com o gosto de um R’n’B voluptuoso e melancólico. Que Lenny Kravitz se alimentou de música diferente desde criança é um facto conhecido e ouve-se. Ele aprendeu e “roubou” (como só os grandes artistas sabem fazer, diria o Picasso) o trabalho aos melhores (Jimmy Hendrix, Prince, Curtis Mayfield, Sly & the Family Stone, entre outros, são artistas aos quais é devedor), abrindo-se a vários estilos musicais e também ao mundo do design e da moda, obtendo também aparições em alguns filmes. Uma personalidade eclética.
A atmosfera é vibrante quando começa a guitarra inconfundível de “Fly Away”, onde Lenny aparece em cima de um andaime elevado, chegando à sua banda através de umas escadas e encontrando-se pronto para “Dig in” e “Bring it on”. Depois deste início de rock’n’roll, é óbvio pensar que ficam bem as notas de “American Woman”, cover da banda canadiana Guess Who, onde o palco se enche de luzes vermelhas e púrpuras. Menos óbvio é o medley do clássico “Get up Stand up” de Bob Marley and The Wailers (outra grande referência), acompanhado pelos saxofone e trompete e com um grande solo de guitarra do fiel Craig Ross.
“Precisamos de amor, mais que nunca” diz Lenny, introduzindo duas faixas do próximo álbum: “It’s Enough”, um bom single onde há um pouco de Marvin Gaye (o som do baixo lembra muito aquele de “Inner City Blues”) e um pouco do próprio Lenny da década de 90, e “Low”, quase uma versão funk pop mais animada do seu clássico “If You Can’t Say No”, com um toque de Prince no refrão.
Um cone de luz, um órgão e o falsete da voz sugerem que está na hora do romanticismo de “It Ain’t Over Til It’s Over”. A cena continua com as baladas “Can’t Get You Off My Mind” e “Believe” e com a sensualidade típica de “I Belong To You”, entre as notas de baixo da excelente Gail Ann Dorsey.
Todos em pé (incluindo eu) para a hendrixiana “Always on the Run”, com um solo de saxofones que se junta com “Where Are We Runnin”. Fiquei supreendido ao ouvir a mais recente “The Chamber” com o solo final do trompete. Antes do encore, “Again” é uma paragem obrigatória, onde Kravitz continua a chamar a atenção das mulheres (I see you, mama!).
O regresso ao palco com “Let Love Rules” (falou-se muito de amor nesta noite) leva-o diretamente ao meio da plateia, recebendo ovações e sendo escoltado pelos guarda-costas. O concerto não podia acabar sem tocar “Are You Gonna Go My Way”.
Com 54 anos, Lenny Kravitz não dá ideia de querer parar. E porque deveria? Não parece sentir de modo algum a crise da meia-idade. Bom para ele.