Foi mesmo assim neste segundo dia no Couraíso.
Desta vez deu para assistir à Vodafone Music Session do dia, no monumento nacional que é a igreja românica de Rubiães, com CAIO, alter ego do jovem João Santos, que em tempos assumia essa personagem como um habitante de um planeta onde era o único ser vivo. Nas palavras do próprio “Não é budismo, mas é parecido.”
Momento bonito de contemplação e respeito em solo sagrado, a guitarra e as teclas do lisboeta com influências de José González e Elliott Smith a ecoar pelo Alto Minho.
No recinto propriamente dito, A Garota Não deu uma atuação perfeitamente alinhada com a expectativa de quem fez o disco mais celebrado de 2022 para a crítica (peço desculpa, Ana Moura). Qualidade, humor a dizer que as palmas se iam traduzir em menos três músicas, misturada com comentário social forte em que se fala da mais de 20 mulheres vítimas mortais de violência doméstica durante 2022 (número que já terá sido ultrapassado ao dia de hoje para 2023), e agradecimentos aos operários técnicos. Tudo flui no jeito de Cátia Mazari Oliveira, natural de Setúbal como faz questão de referir várias vezes, jornalista, professora de inglês e uma das figuras da cena musical em Portugal neste ano da Graça.
Pouco depois, Tim Bernardes diz no palco principal que estamos com ambiente digno de Woodstock (vamos assumir que 69 e não 99), apoiado por um pano verde cru como fundo em vez de animações sofisticadas que estão na moda. Variando entre composições próprias e as do belo coletivo Terno, o paulista esbanjou talento à guitarra e ao piano, com Martim Pereira a descorrer por canções bonitas. Momento forte do sonho em terra firme que é o Vodafone Paredes de Coura.
The Brian Jonestown Massacre é outro negócio – este muito sério. Grupo que se pode classificar de garagem, indie, shoegaze, psicadélico, o termo mais forte que se pode indicar é rigoroso. Desde criticar o volume do sub bass – sinal de puristas num local que merece este tipo de crítica para manter as credenciais melómanas, à tolerância pelos cigarros acesos e presos nas guitarras -, são uma banda que pede, e recebe, respeito. E quando dizem “I think were done”, todos acreditam.
Sudan Archives, ou seja Brittney Denise Parks, é outra louça. Intensidade ganha à partida com o incenso que traz para o palco, quietude plena a acompanhar a sua música. A autora de “Selfish Soul” tem uma plateia bem amigável à partida que trata com generosidade e candura. Outra aposta ganha.
O cromo mais difícil desta caderneta de 2023 em Paradis du Coeur seriam sempre os The Walkmen. O grupo meio Washington, meio Nova York, esteve uma década desaparecido ao vivo, mas isso não fez com que Hamilton Leithouser e seus companheiros parecessem enferrujados – não. Além disso, existe amor genuíno por Portugal, Lisbon é disco com onomástica com origem pelos elogios recebidos cá numa fase em que se calhar o mais fácil teria sido abandonar porque o resto tinha as preferências noutro lado, e até por “Juveniles” é tocada, numa fase em que a malha superlativa que é “The Rat” tinha já sido despachada à terceira ou quarta música. Quem fez isto pode-se retirar com calma que já contribuiu, mas eles continuam num concerto que justifica o regresso do ano. O pessoal que acha que é retrógrado precisa daquele momento ao espelho.
Loyle Carner (fosse futebolista, Coyle-Larner) é dos talentos maiores do hip hop britânico, e foi direto ao coração no seu concerto. Sinceridade a falar do orgulho que o seu jovem filho teria por ver o seu pai num palco de tal fina estima a sair da cena britânica. Há aqui, sobretudo, grande produção, mas também um coração grande que consegue perceber que este não é um palco banal. Há zero “Hate”, os medos de droga, religião, outros nomes que possam gerar reacções a temer ultrapassadas. Há amor e a confiança em alguém que não vai ficar por aqui vai longe. Vai deixar orgulhoso quem viu este levantar de voo.
Fever Ray tem história pesada no pedaço, com o mítico e divisivo concerto de The Knife em 2013 a saltar logo à memória. Karin Elisabeth Dreijer não está cá para facilitar, fato masculino largueirão a fazer meio lembrar o mítico Stop Making Sense, documentário feito por Jonathan Demme para os Talking Heads. Karin pensa grande nos fatos dos companheiros de palco, mas ao mesmo tempo não descuida o cenário do lampião roxo no meio de todos nós. Há chapéus futuristas e danças primordiais, e uma voz nórdica fria, mas pop a nunca deixar de rolar. Ela é a chefe e não nos importamos com isso. Quantidade e qualidade neste dia pelo coração do Alto Minho.