Tamara Lindeman regressou ao Porto para atuar na Sala M.Ou.Co num concerto onde a comunicação com o público o tornou mais especial, num dos exercícios de maior vulnerabilidade da artista.
Segundo Lindeman, Portugal não lhe é estranho, visto que foi o seu primeiro destino na Europa ainda nos primórdios do início do projeto The Weather Station. O convite surgiu por e-mail, por Francisca Cortesão, que dizia ser fã dos The Weather Station e deixou o convite para virem atuar a Portugal juntamente com a banda de Francisca (Minta & The Brook Trout). Tamara aceito e veio, tão simples quando isso, num ato de espontaneidade que valeu o início de uma bonita história de amor com o nosso país à beira-mar plantado.
Em 2022, Lindeman voltou a aceitar o convite, mas com uma particularidade, visto que esta é a primeira vez que toca os temas de The Weather Station a solo (sem a sua banda). Com ela seguiu apenas Macie Stewart, uma artista multi-instrumentalista de Chicago, que vem dar apoio a Lindeman no violino, guitarra, piano e vocais. Esta pequena tour a solo antes do Porto passou por Lisboa e Braga e, de seguida, tem na agenda uma passagem por Setúbal e Faro, antes de finalizar esta exposição a solo em Itália.
Segundo a artista canadiana, esta experiência a solo tem sido recompensadora, visto que acaba por ter mais tempo para si própria, tendo referido que, antes dos concertos, gosta de dar um passeio pela cidade. No Porto, ficou mais uma vez rendida à arquitetura, às gaivotas e pássaros (Lindeman não escondeu o seu fascínio por aves), e até aos gatos que deambulam por cantos aleatórios da cidade. Foi com esta revelação que fez introdução à música “Parking Lot”, uma das primeiras do seu set, numa clara analogia inversa entre a ternura arquitectónica portuguesa e a frieza arquitectónica da América do Norte que, segundo a artista, gira muito em torno de parques de estacionamento e grandes superfícies.
Mais para a frente, ainda revelou que vive em Little Portugal e que a primeira tour a “Full size Portugal” foi uma grande surpresa visto que o nosso país tem muito mais e melhor para oferecer que a pobre exposição do mesmo em Toronto, principalmente a nível arquitetónico. No fim de contas, este concerto no Porto acabou por ser um elogio belíssimo ao nosso país (um dos preferidos de Lindeman). E acredito que tenha sido um elogio bem sincero.
Nesta atuação a solo, Lindeman decidiu (e bem) em apostar numa exposição alargada de temas em versão compacta. Digo “e bem” por dois simples motivos. Um deles prende-se com o facto das músicas em formato acústico correrem o risco de parecerem longas demais por faltar a diferenciação instrumental, e depois, sendo este um concerto com lugar sentado, numa sala aconchegadora, a interação com o público é fundamental. E nesse aspeto, Lindeman foi fantástica.
Antes de cada música, na sua maioria, Lindeman fazia uma breve introdução à mesma. Por vezes explicava o contexto por detrás da mesma, outras revelava o que lhe ia na alma quando a estava a escrever ou até o momento que vivia quando a estava a escrever e acabou por ter influência na mesma. Em cada explicação, algo que nunca falhava era o sentido de humor, que criou e desenvolveu uma imagem bonita e castiça de Tamara Lindeman na memória do público presente.
De muito se falou durante a noite de quinta feira… Falou-se das eleições em Ontário (que decorreram nesse dia) e as discussões que geram dentro do círculo de amigos de Lindeman; falou-se de músicas sobre pássaros e a filosofia por detrás dos nomes atribuídos aos mesmos durante o colonialismo, numa reflexão sobre as saudades de casa, tendo como exemplo o Magpie Australiano, que deu origem à música “Ignorance”; Falou-se sobre a vulnerabilidade por detrás da música “Heart”, parafraseando Lindeman quando confrontada com as suas inseguranças sobre a publicação desta música, alguém lhe disse: “you gonna put it out, you gonna call it ‘heart’ and everything is gonna be ok” – fez todo o sentido tocar esta música durante o concerto e nós agradecemos; e falou-se ainda da música “Song”, que tinha como objetivo falar sobre escrever música, suportando-se na falsa sensação da qual muitos artistas sofrem. Falo, pois, da sensação de conseguir idealizar uma música que vai ser “A Música” com tudo o que “A Música” precisa de ter para o ser e assim o é enquanto está apenas na cabeça, onde a expectativa vai crescendo, mas, depois de finalizada fica a dever ao que foi idealizado.
Durante o concerto foram, sobretudo, apresentados temas dos dois álbuns mais recentes, How Is It That I Should Look At The Stars (2022) e Ignorance (2021), que foi um dos melhores álbuns do ano, segundo a crítica, tendo ficado em 4º da minha seleção de melhores álbuns de 2021. Apesar de se ter suportado muito nos trabalhos mais recentes, que marcaram uma viragem na orientação musica da banda, ainda deu para visitar temas de álbuns mais antigos, tais como All of It Was Mine (2011) e o álbum homónimo dos The Weather Station (2017). A seleção música foi cuidada e todos os temas interpretados por Lindeman e Stewart conseguiram captar a essência dos originais, com um toque mágico da abordagem acústica.
No meio disto tudo, ainda se falou sobre as preocupações associadas às alterações climáticas, à toxicidade do Twitter e muitas outras coisas. Sim, falou-se bastante, mas o ponto a reter é que o discurso de Lindeman nunca foi desbalanceado ou enfadonho, mas sim o oposto. As expectativas debruçavam-se sobre assistir a um bom concerto recheado de música de qualidade, coisa que se verificou com distinção, pois a ternura da voz de Lindeman é algo único e a facilidade de cambalear entre tons graves e agudos e ser excelente em ambos é, de facto, surpreendente. Fiquei também surpreso por estar à espera de algo simples quando vi que ia ser uma abordagem acústica dos temas de The Weather Station, e o que foi apresentado bem podiam ser os temas originais que a excelência continuava lá.
Por fim, quero deixar a nota que fiquei impressionado com a simplicidade e humildade de Tamara Lindeman. Antes de finalizar o concerto com a música “Traveller”, no minuto que tirou para afinar a guitarra (sem o “capo”), revelou que as pessoas dão-lhe muito crédito pelo tipo de música que produz, mas é a própria a dizê-lo que o faz por ser ser mais fácil. “People give me a lot of credit, but I’m an inadequate musician. People say ‘oh you play in alternasse tunings, that’s so cool’, I’m just, I’m lazy, I don’t like bar chords.”
Tocando em alternate tunings por ser preguiçosa ou não, a verdade é que Tamara Lindeman é brilhante no que faz, e o concerto da passada sexta-feira é prova de que a ascensão meteórica dos The Weather Station, para além de ser merecida, teve muita influência de Lindeman.