Este é um filme divertido, uma aventura para miúdos e graúdos e um retorno à velha forma dos Caça-Fantasmas.
Atenção que podem encontrar alguns spoilers ao longo desta crítica. Se forem fãs da saga, acho que já sabem com o que contar.
Ghostbusters: Afterlife está a chegar às salas de cinema nacionais. Depois de uma exibição inesperada a 23 de agosto durante a CinemaCon em Las Vegas, as primeiras críticas jorraram cá para fora e dizia-se que a saga criada por Dan Aykroyd e Harold Ramis, e produzida por Ivan Reitman, tinha regressado em forma. De facto regressou, mas aos velhos moldes. Bem, pelo menos não é o desastre de 2016, realizado por Paul Feig e protagonizado por Kristen Wiig e Melissa McCarthy. Quanto menos pensarmos sobre esse “remake”, melhor.
A história de Ghostbusters: Afterlife é a história de Phoebe e Trevor, dois irmãos adolescentes que vivem com Calli, a sua mãe solteira. Esta família vê-se despejada do seu apartamento e forçada a mudar-se para a quinta que herdaram do falecido avô, um cientista excêntrico que abandonou a família há muito tempo. Ao mudarem-se para Summerville, uma cidadezinha aborrecida no meio dos campos pacatos do Oklahoma, os miúdos começam a aperceber-se de fenómenos sobrenaturais que afetam a pequena cidade e podem colocar em risco o destino da humanidade. Em breve, Phoebe vai descobrir que a história da sua família está ligada aos Caça-Fantasmas originais. Agora cabe-lhe a ela, à sua família e aos seus novos amigos resolver o mistério que assola a região e assumirem o legado dos caça-fantasmas numa batalha para salvar o mundo de um velho inimigo que está de volta.
O que temos aqui não é oficialmente um remake do Caça-Fantasmas original de 1984, mas uma sequela, dizem. Claro que, pela experiência que tivemos com Star Wars: The Force Awakens e Jurassic World, sabemos que isso não é verdade. Ghostbusters: Afterlife é uma sequela merecedora de atenção, tem bastante mérito por si só, mas também é um remake às escondidas.
Numa época em que alguém parece acreditar que o cinema de género era melhor nos anos 80, os produtores fizeram o truque da nostalgia e construíram a sua estrutura em torno da estrutura do filme original. Isto revela-se uma espada de dois gumes. Por um lado, para aqueles membros do público que não têm familiaridade com o filme de 1984, podem não reconhecer as referências. Alguns momentos tirados do original podem parecer interessantes, assustadores, mas também incoerentes, dado que as transições entre cenas que nos oferecem essas homenagens não são assim tão fortes. Por outro lado, aqueles que veneram o primeiro filme podem agradecer as “homenagens”, ou ficar apenas insultados com aquela que pode ser apelidada de “falta de originalidade”. Temos aqui uma decisão a tomar, como observadores. Aceitar que o filme é um exercício de nostalgia… ou castigá-lo por isso? Diverti-me muito ao ver este filme. Não é perfeito, mas é sólido o suficiente para me entreter, apesar de pouco surpreender.
O filme começa bem. Aliás, começa até de forma bombástica, promissor, mas depois senti algum cansaço pelas referências constantes ao original, e acho que a meio do filme, na passagem para o terceiro ato, o conflito dos protagonistas dá um salto muito grande que nos impede de ver como é que a ameaça fantasmagórica vai afetar o mundo. No entanto, esses elementos que podem ser apontados como negativos pesam muito menos que os positivos. Os personagens, a realização, a comédia, até em grande parte o sentimento de homenagem ao filme original, bem como o uso de um certo personagem que foi fulcral na série, em forma de elogio, tudo isso funcionou muito bem para mim.
Ou seja, o filme acaba por ser um misto de nostalgia cansativa e encanto narrativo. Temos um cenário original na narrativa, afastando-nos das ruas de Nova Iorque para os campos de trigo do Oklahoma e as suas cidadezinhas pacatas. Telhados transformados em portais do outro mundo são substituídos por minas que descem às profundezas do mundo dos mortos. Fantasmas devoradores de cachorros-quentes são substituídos por lagartas humanóides devoradoras de metal. Em muitos aspetos é quase o mesmo filme. Até os miúdos que compõem esta nova equipa. Phoebe, a pequena cientista; Trevor, o seu irmão mais velho galã; Podcast, o teórico da conspiração; e Lucky, a rapariga local arrastada para esta aventura, são quase uma fotocópia do elenco original, mas trabalhada com uma nova sensibilidade.
Dado que o filme foi escrito por Jason Reitman, o realizador e filho de Ivan Reitman, o realizador do filme original, e Gil Kenan, o criador do belíssimo Monster House e responsável pelo remake de Poltergeist em 2015, é de esperar que esta nova versão dos caça-fantasmas não siga necessariamente por caminhos nunca antes vistos. Kenan tem uma sensibilidade nostálgica, mas também respeitadora dos arquétipos do género, principalmente do cinema de terror para jovens dos anos 80, ou não fosse Monster House a mais bem-sucedida produção Amblin do século 21.
A estrutura do filme é um pouco diferente do original no caminho dos seus personagens. Não estamos a falar de académicos que descobrem uma realidade sobrenatural, a qual pretendem explorar para fins financeiros, mas de miúdos que, estando deslocados do seu mundo normal, tentam adaptar-se à nova realidade de uma cidade pequena, onde são desconhecidos e vistos como estranhos, ao mesmo tempo começam a desvendar a história da sua família. Há algum desequilíbrio no desenvolvimento dos protagonistas, e sentimos que Trevor, interpretado por Finn Wolfhard, podia ter sido mais bem servido com um arco completo. Mesmo assim, apesar do conflito emocional de aceitação da própria identidade e de fazer as pazes com o passado, que está atribuído a Phoebe e Callie, não ser muito complexo, é bem mais sólido que aquilo que obtivemos no filme original. Ao contrário do primeiro Caça-Fantasmas, temos personagens com conflitos no papel de protagonistas, e não sketches do Saturday Night Live. Carrie Coon, no papel de Callie, a mãe de Phoebe e Trevor, é quase tão interessante como os miúdos, como a mãe solteira forçada a criar dois filhos que estão a passar pela angústia da adolescência, enquanto ela própria lida com a angústia do passado e de ter sido abandonada pelo pai. Este filme funciona muito bem quando está focado nos personagens, nas suas buscas existenciais e na ideia de perdoar o passado.
É na parte de caçar-fantasmas que o filme falha um pouco. Apesar de os elementos de aventura e o processo em si de capturar os espetros ter alguns contornos novos, novas ferramentas e não exagerar na loucura, mantendo as coisas num nível de pretenso realismo, como o filme original, pedia-se um pouco mais deste lado. Ou pelo menos que o que vimos fosse apresentado com um sabor diferente. Para os fãs do original, descobrimos um pouco mais sobre o culto de Gozer, o Destruidor, como já devem ter percebido, e até sobre os planos maquiavélicos do famigerado Shandor, aquele excêntrico maníaco que terá inicialmente tentado trazer o Deus maligno dos mortos para o nosso mundo, em 1984.
Infelizmente, não vemos o suficiente deste elemento antagonista para achar isso especialmente interessante. Se o desfecho, aliás, todo o terceiro ato, acaba por ser quase idêntico ao filme original, pelo que no final acabamos por sentir que esta sequela podia ter ido mais longe, com melhores ideias.
Mas atenção, eu recomendo vivamente que vejam este filme. É uma aventura de comédia sobrenatural muito bem feita, que sendo parca na originalidade da sua estrutura, é coesa e sólida. Um exemplo de um guião clássico de género e uma demonstração de competência e tentativa de mestria das ferramentas do cinema clássico, numa época em que somos forçados a levar com os dramas minimalistas incoerentes dependentes de planos de exposição e iluminação neutra de produtoras como a A24, a produtora do cinema de género falhado, feito para festivais e para afastar o público das salas.
Apesar de os protagonistas não terem necessariamente todos uma conclusão satisfatória dos seus arcos, no que toca a Phoebe e Callie, que são as personagens mais interessantes, as suas histórias estão bem contadas. Lá está, não oferece nada de surpreendente, mas o que oferece é coerente.
Destaco como personagens mais divertidos e encantadores Paul Rudd, como o Sr. Grooberson, o sismólogo preguiçoso encarregue de dar as aulas de verão aos miúdos, e Logan Kim, como Podcast, o novo colega de Phoebe e um maluco por conspirações. Sempre que a estrutura começa a perder um pouco de ritmo ou as revelações são demasiado convenientes, temos uma piada de Rudd ou Kim para nos fazer esquecer que estamos a ver um remake às escondidas. Eles dão ao guião a comédia que é fundamental neste tipo de histórias.
Como disse, o filme começa bem. Temos previsto uma grande aventura, logo cedo os personagens lançam-se num caminho de descoberta. Cada protagonista tem o seu arco definido e, depois, os percalços sobrenaturais começam a acontecer. Eventualmente, o filme entra num caminho programado, quase automático, que não surpreende e não satisfaz totalmente. Mas o elenco, a comédia, e devo dizer, uma realização muito sólida da parte de Reitman, ajudam a ultrapassar esse defeito.
Reitman, mais conhecido por comédias negras, demonstra uma versatilidade idêntica à do seu pai. Sendo um realizador de atores, de comédias que dependem muito da relação dos personagens, ele está no seu melhor quando o filme gira em torno das crises emocionais e sonhos dos protagonistas. O lado de aventura, lá está, podia ser mais original, mas Reitman tem um olho muito bom. Todo o elemento sobrenatural está bem captado em termos de estilo e temos um ou outro momento de aventura cómica que não só presta homenagem a momentos semelhantes no primeiro filme, como valem por si só. Destaco o momento conhecido do trailer em que Paul Rudd se depara com uma invasão de pequenos homenzinhos marshmallow Staypuff durante a sua visita ao supermercado.
Do lado de espetáculo, os efeitos visuais, a planificação e o uso da palete está muito inspirado nos trabalhos de Spielberg e na coletânea de filmes Amblin dos anos 80. Os verdes neon, os tons púrpura escuros, os efeitos especiais com animação e uma banda-sonora que traz de volta as melodias originais, parece que estamos a ver um filme que viajou no tempo, de 1984 até os 2021. A única diferença é que esta estética é mais sofisticada, mas as influências são óbvias. A meu ver isto é tudo bom, porque estamos a ver profissionais a usarem as suas ferramentas especializadas.
Como disse mais acima, o filme merecia uma escalada de eventos de aventura mais pontuada, um mistério mais sólido e transições mais lógicas de acontecimentos de uns para os outros, que culminasse com uma presença maior desses elementos de fantasmas e demónios no nosso mundo. Tal como no original, há a promessa de uma grande invasão, mas esta acaba por ficar muito aquém do que se espera. Mesmo assim, nada disto está mal feito. Só não surpreende.
O lado fantástico, o complô maligno e o elemento dos fantasmas, pede mais tempo de antena, tanto que a 125 minutos o filme não parece ter essa duração. É um feito do guionista e do realizador. O filme tem excelente ritmo, mas há um salto na estrutura entre a declaração de enfrentar o inimigo e a realização do plano deste. Além disso, a presença de um segundo antagonista que poderia trazer uma lufada de ar fresco à estrutura é mal aproveitada. Sente-se que esse personagem, que já vigora nos anais da mitologia do filme e que é representado por um cameo de um ator muito bom, merecia mais.
Agora, os verdadeiros spoilers. Digamos que aquilo que esperam ver numa sequela do Caça-Fantasmas acontece. Dizem que é fazer serviço aos fãs. Isso pode ser bom ou mau. Como o resto do filme, não faz nada de diferente, mas o que faz, faz com competência. Não tive problemas com esse lado assumidamente nostálgico, nem com a forma como caras velhas conhecidas são apresentadas. Apesar de conveniente, esse retorno do velho elenco é muito divertido, quase assumidamente ridículo na conveniência, mas bem integrado com a viagem dos nossos personagens. Pela primeira vez em muito tempo, temos cameos que realmente servem uma função na narrativa. A presença de um desses membros é o fulcro do filme. É óbvia, é esperada, mas funciona. Eu admito que como fã, e ser humano, não consegui deixar de me emocionar ao ver este aceno a um velho amigo, um dos criadores desta saga. A escolha de trazer de volta um dos caça-fantasmas originais já falecido com o uso da CGI pode ser mal vista por alguns – a mim não me trouxe problemas, apesar das questões éticas que se podem colocar. Funciona no filme, e isso é o importante.
O final em si tem um climax que ao mesmo tempo é épico e interessante no retrato e escolha do ator para fazer de vilão, mas que podia ir mais longe. Sendo mais avançando tecnologicamente, e até dramaticamente tendo momentos tensos e de caracterização do antagonista bem interessantes, não há aquela sensação de escalada que se sentia no primeiro filme. No entanto, a conclusão é tão satisfatória como no original.
No fundo, apesar de ter um sabor nostálgico e de a aventura não ser propriamente alucinante, o que importa são os personagens, e nisso o filme tem um controlo absoluto. O guião, não sendo perfeito, é como Monster House ou o Poltergeist original, um perfeito exemplo de um filme de terror para crianças.
Este é um filme divertido, uma aventura para miúdos e graúdos e um retorno à velha forma dos Caça-Fantasmas. O filme termina com a promessa de que algo maior está para vir, pelo que fico na expetativa. No entanto, há sempre o perigo desse algo mais ser mais do mesmo. Está na hora da saga ir mais longe e fazer mais jus ao seu legado.