Uma noite de imersão sonora com Ólafur Arnalds

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Para quem não conhece, Ólafur Arnalds é um músico e compositor islandês que mistura cordas, loops de piano e batidas eletrónicas. Com projetos em parceria com nomes conceituados como Nils Frahm e Alice Sara Ott, para alguns pode até ser mais conhecido pelo seu projeto de música eletrónica Kiasmos, que tem feito bastante sucesso nos últimos anos. Mas ontem a noite foi mesmo só para Ólafur Arnalds. E que noite.

Já batiam as 21h, hora marcada de concerto, e o Coliseu dos Recreios ainda estava a sentar os seus espetadores, lugar a lugar, com o seu burburinho de fundo, enquanto se aguardava pelo início do concerto. Perto das 21h30, o tão aguardado músico islandês foi recebido por uma sala quase esgotada de fãs. As luzes baixaram, o silêncio ficou automaticamente instalado na sala e Arnalds iniciava o seu set com uma melodia introdutória hipnotizante, seguida da versão instrumental de “Árbakkinn”, que nos mostraria logo que a noite ia prometer. E por aí fomos para nos ser apresentado, maioritariamente, o seu mais recente trabalho, re:member.

Para este trabalho, o compositor islandês apresentou-nos os seus novos elementos da banda que são nada mais, nada menos, que dois pianos que se tocam sozinhos. Arnalds explicara o porquê das suas novas adições à banda com uma história infeliz de um acidente que sofreu e lhe afetou os nervos da espinha, deixando-o incapaz de tocar piano. Essa é a razão pela qual hoje temos o projeto de música eletrónica Kiasmos, em que o artista disse que “apenas” produzia música, e, nos concertos ao vivo, era só “carregar em botões e lançar lasers para o ar”, motivando o riso do público.

Certo dia, numa viagem sua à Ásia, enquanto estava num aeroporto em Hong Kong, Ólafur deparou-se com um piano que tocava sem pianista a música “Imagine”, de John Lennon. Foi aí que ele encontrou uma solução para o seu problema. Enquanto comprou os pianos e desenvolveu o software, as suas mãos puderam recuperar. Em vez de se livrar da sua ideia inicial, o compositor, juntamente com um amigo, desenvolveu um software AI que permite que os pianos possam incorporar os seus concertos e músicas. Agora temos um trio de pianos, com apenas um pianista.

A ironia de toda esta questão foi que, depois de apresentação dos instrumentos autónomos, o software decidiu não colaborar, supostamente pela primeira vez na tour, levando a alguns reboots forçados do seu computador para poder resolver a questão, até porque “sem pianos não há espetáculo”.

Enquanto se reiniciava nervosamente todo o sistema, tivemos a oportunidade de ouvir que Arnalds estava viciado no pastel de nata português e que, só naquele dia, tinha comido três. Eis que alguém da plateia decide aproveitar um momento mau do concerto e torná-lo em algo mais positivo, levando à primeira pergunta que o artista alguma vez recebeu num concerto de alguém da plateia. “Podes falar-nos de ti e de como começaste este projeto?”, alguém arriscou. E daí veio a história de que já fez parte de uma banda de hardcore/metal chamada “Fighting Shit” (sim, leram bem). Foi na sua carreira inicial que abriu para a banda Heaven Shall Burn, levando-o a colaborar, na composição de cordas e piano, com a banda, e, mais tarde, ao ser desafiado a criar o seu primeiro álbum a solo, que o trouxe onde está hoje.

Com histórias e risos com a plateia, lá se resolveu o problema. estávamos todos prontos para prosseguir com o espetáculo com os singles “re:member” e “unfold”, em que vimos os pianos fantasmagóricos a tocar a melodia com Arnalds, notando-se a ajuda que dão ao trazer uma sonoridade notável às músicas. Após os singles, viajámos um pouco atrás no tempo para o tema da série Broadchurch com “Beth’s Theme” e sua bela melodia de piano, que mostra que o islandês foi um grande pilar ao trazer temas emocionantes como estes para uma série carregada de momentos dramáticos.

Durante o concerto, Arnalds aproveitou o intervalo entre músicas para contar que o projeto do álbum re:member não foi fácil de concretizar, dizendo que passou três meses fechado num estúdio a olhar para uma parede quando decidiu finalmente espairecer e viajar pelo mundo. Foi numa cidade na Tailândia que o artista experienciou uma celebração de ano novo, em que a cidade desligava tudo o que era eletrónico (sim, também a Internet), e, durante um dia, aquele sítio deixava a natureza prevalecer. Nessas 24 horas, o artista, isolado de todo o mundo, conseguiu a sua epifania e começar a escrever o álbum que nos foi apresentado no Coliseu dos Recreios.

Ao longo do concerto, fomos sendo prendados com temas como “saman”, “ekki hugsa” (o seu mais recente single de 2019), “near the light” e muitos outros temas que nos trouxeram um set emocionante e sonoramente diversificado. Mas a chave de ouro chegou no encore com “Lag Fyrir Ömmu”, em português “Uma canção para a minha avó”. “Lag Fyrir Ömmu” foi escrita pelo compositor após a morte da sua avó e conta com uma história introdutória dos tempos que fez parte de Fighting Shit, projeto da qual a avó não era fã. Decidiu, então, inventar avarias do seu rádio, puxando a ficha da tomada, para chamar o seu neto lá a casa e fazer uma “lavagem cerebral” de horas de Chopin, panquecas e muito amor.

Foi assim que Arnalds começou a gostar e a investir tempo na composição de músicas de cordas e piano. Arnalds saiu do seu piano central onde passou todo o seu tempo no concerto e passou para um dos seus pianos de apoio, mas, desta vez, para ser ele a tocar a música dedicada à pessoa que o inspirou a ser quem é hoje. Um momento de silêncio profundo que levou várias pessoas da plateia às lágrimas com uma música carregada de emoção, mas ao mesmo tempo tão simples.

Arnalds e a sua banda fenomenal fizeram uma performance de pura elegância durante todo o concerto, tocando os seus instrumentos com uma leveza tanto delicada, como acolhedora, que ressoava por toda a sala num tom que nos arrepia a espinha. Sentimos durante todo o concerto que as pessoas mal se moviam dos seus lugares só para não estragar o momento com um pequeno ranger da cadeira que, por segundos, poderia ser ensurdecedor quando uma melodia tão poderosa e delicada ocupava a sala quase esgotada.

Texto: Bernardo Bismarck

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