Super Bock em Stock, Dia 1 – O brilho de Ana Moura e as sombras dançantes de Ela Minus

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O reencontro com um festival que saudamos ano após ano.

A inflação assusta, mesmo. Um dos encantos do Super Bock em Stock (SBES) é a possibilidade de saltar de nenúfar em nenúfar, mas com a cerveja grande a 4,5€ em frente ao Coliseu dos Recreios, a coisa fica mais difícil. Mesmo assim, continua a ser, mais que qualquer outro festival, lugar de tertúlia com os amigos de sempre, com quem já não víamos há anos, e com quem conhecemos pela primeira vez.

E num ano com menos fartura de espaços (assim de cor, no passado já vimos concertos na Igreja de São Luís dos Franceses, Palácio da Independência – e o 1º de Dezembro está à porta -, Palácio Foz e Ateneu Comercial de Lisboa, entre vários outros), falhar a Casa do Alentejo constitui crime para o possuidor de pulseira. Desta forma, e falhado o fim do ainda adolescente Alfie Templeman (ouviram-se relatos de boa energia e muitas semelhanças faciais com o ator Daniel Radcliffe), seguiu-se para o pátio árabe até subir pelas escadarias junto de considerável fila até ao salão nobre, onde os argentinos Isla de Caras deram um concerto animado, embora a quantidade de gente e o ruído do burburinho impedisse de perceber exatamente o valor ao vivo das melodias de “Despacio” e “Partenaire” (muito longe dos momentos de beleza singela que Medeiros/Lucas e Paulo Bragança já nos proporcionaram naquele contexto).

Já na Garagem EPAL – outro caso de casa cheia e filas à porta -, o som dos Pluto, um dos mil projetos do inoxidável Manel Cruz, não sofreu desse problema. Com apenas um longa duração na discografia (Bom Dia, de 2004), este regresso a um espírito de rock de garagem clicou no ambiente em volta, com um público maioritariamente mais maduro a reconhecer “Bem Vindo a Ti” ou “Sexo Mono”, e a lembrar-se da primeira vez que a ouviram, há quase 20 anos. Os mais jovens que também pululavam, numa lógica normalmente de maior vai-vem, como seria de esperar, não terão também se sentido defraudados por uma atuação a mostrar boa forma e honestidade no cumprimento das expectativas. Fez sentido. Quem gostava ficou a gostar tanto ou mais, quem já implicava tem sempre outras paragens para seguir.

Mas a noite era evidentemente de Ana Moura. Num anúncio já dado em novembro, quase em cima da hora, a apresentação de Casa Guilhemina no Cineteatro Capitólio aumentou muito o nível de burburinho perante toda excitação na reação ao disco, e levantou surpresa a forma como a sala estava confortável em termos de espaço. Com a chegada da fadista, o cenário estava bem composto, mas não se compreende a necessidade de ter deixado gente na fila à espera. Quando saímos um pouco antes do fim, já vimos a sala muito mais cheia no modo em pé. Certamente que isso não é culpa da fadista, de André Moreira e de Bruno Chaveiro (totalmente descrição perante o brilho dos focos no vestido branco da artista de Santarém), que deram tudo. Com um discurso forte mas doce, incluindo referências à avó que deu o nome da gravação e à mãe e família na primeira fila, foi com “Estranha Forma de Vida”, clássico absoluto assinado por Alfredo Duarte e Amália Rodrigues e um dos cânones amalianos, que se iniciou o concerto, e onde se mostrou que gosta de trilhar caminhos novos, mas sabe bem de onde vem.

Como se esperava, foi uma viagem por várias influências, desde “Calunga” a “Jacarandá” (Angola e Bonga muito presente ao longo da noite) ao sucesso de “Andorinha” ou ao regresso ao fado-raíz de “Nossa Senhora das Dores”, fica claro que Ana Moura está no auge das suas capacidades enquanto artista, e destila isso por onde passa. É um dos marcos da música portuguesa em 2022 e seguramente que este concerto de uma hora irá gerar descendência mais longa noutras apresentações ao vivo.

Falhado o objetivo de apanhar o fim dos galeses Buzzard Buzzard Buzzard na Estação do Rossio (fica a lição renovada que, com concertos tão secos na duração e algum tempo na deslocação, há que refrear ambições), só havia um destino – Ela Minus no Coliseu dos Recreios. E foi escolha acertada a de colocar a colombiana radicada em Nova Iorque, com a plateia a servir de zona de passagem já madrugada adentro, mas sempre bem composta para ver Minus sozinha mas repleta de equipamento à volta, e a fazer a festa sozinha, enchendo o palco de um lado para o outro num cenário de sombras. A eletropop dançável de acts of rebellion, gravado em casa em 2020, não tem medo dos grandes palcos, desde o sussurro crescente de  “dominique” aos beats de “they told us it was hard, but they were wrong”, com direito a projeção de imagens com o longo nome da faixa. Belo fim de dia do SBES e a pedir concerto numa sala como a cave do Lux. Para já, está prevista ir ao próximo festival Tremor, nos Açores.

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