Ozzy Osbourne na Altice Arena – Ainda é o louco que conhecemos

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Quando assisti ao concerto do Ozzy Osbourne senti uma certa melancolia: tive a sensação que o círculo das bandas que ouvia na adolescência e que esperava ver ao vivo estava pouco a pouco a diminuir. Mesmo ele, imagino eu, sentirá o peso do tempo a passar, sobretudo em virtude de uma vida ousada, cheia de abusos de álcool e várias drogas, comportamentos ultrajantes, tours infinitas e cabeças de morcegos comidas (foi um erro de avaliação, acontece a todos).

Contudo, assim que os passos de Ozzy pisam o palco, quase parece que o tempo para por um segundo e que os ponteiros indicam a hora da história. Porque, na verdade, para além de qualquer debate superficial sobre a moralidade dos seus comportamentos, musicalmente, pelo menos na vertente do hard rock/heavy metal, Ozzy fez história. Primeiro com os Black Sabbath, que nos ofereceram nos anos 70 uma série de álbuns, na maioria obras de arte (diria os primeiros cinco), que influenciaram gerações de futuros músicos; depois com a sua carreira a solo nos anos 80 (o último álbum com os Sabbath foi Never Say Die!, de 1978, com a excepção dos mais recentes 13 e o EP The End), onde criou também grandes marcos (entre as mais importantes Blizzard of Ozz e Diary of Madman com o grande falecido guitarrista Randy Rhoads, Bark at the Moon com Jake E. Lee, No Rest for the Wicked e No More Tears com Zakk Wylde). Quando se é capaz de construir uma carreira credível, trazendo às costas o peso do legado como vocalista dos Sabbath, não podemos pensar que estamos diante de um louco sem capacidade de discernimento, como ele quer fazer crer.

Àquele homem desajeitado de setenta anos perdoa-se tudo: as pausas demasiado longas, a voz não no auge e alguns quilos a mais. Mas quando The OZ te olha nos olhos e começa a mandar baldes de água fria para a cara, para a plateia, pensas que só estar ali vale a pena. E desculpem-me a minha falta de objetividade, mas é o adolescente que há em mim a falar.

Voltando ao concerto, primeiro que tudo é preciso sublinhar que não podemos relegar aos Judas Priest o título de banda de abertura, de forma nenhuma; pela sua carreira e pelo contributo que deram à difusão da vertente NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal), em conjunto com os Iron Maiden e os Saxon. Não obstante uma formação remodelada após o abandono dos históricos guitarristas K.K. Downing em 2011, e, recentemente, de Glenn Tipton por padecer da Doença de Parkinson, a voz de Rob Halford ainda é invejável e as músicas têm ainda um impacto forte, graças também ao ritmo de Scott Travis na bateria. É um prazer ouvir os grande clássicos como “The Ripper”, “Turbo Lover”, “Hell Bent for Leather”, “Painkiller” e “Breaking the Law” (que no final contou com Tipton na guitarra).

Quando o ecrã central do Altice Arena anuncia a chegada de Ozzy, projetando uma cruz negra e um vídeo com extratos da sua carreira, fiquei eufórico. As primeiras palavras “Let the Madness Begin” introduzem “Bark at the Moon” onde, numa transferência psicológica, eu volto ao meu quarto e estou a tocar baixo com o Ozzy em segundo plano. Zakk Wylde decidiu juntar ao seu estilo viking um estilo escocês e, vestindo um kilt, mostra a garra da sua guitarra com um solo potente (50% do concerto será confiado à sua arte, que terá de cobrir as ausências de Ozzy do palco). As notas do orgão fúnebre são inconfundíveis: “Mr Crowley” é mais lenta que o normal (como, no geral, todas as músicas tocadas neste concerto), acompanhada por um raio de luz que ilumina toda a arena. Também do álbum Blizzard of Ozz, em “I Don’t Know”, Wylde interpreta a guitarra do falecido Randy Rhoads, de acordo com o seu estilo, mais aggressivo. “Fairies Wear Boots” é o primeiro salto na história dos Sabbath (música do álbum Paranoid, de 1970). Ozzy incita o público (“Go fuckin wild!”) com “Suicide Solution”, onde começa o batismo com os baldes de água. De seguida, a introdução do baixo anuncia “No More tears”. Aqui, The OZ luta um pouco com as notas mais altas e a música é tocada numa tonalidade mais baixa. A sua voz forçada é, no entanto, a sua imagem de marca.

Uma onda de mãos que se movem para a direita e para a esquerda, sobe com o refrão de “Road to Nowhere”, antes do momento mais alto do concerto, “War Pigs” dos Sabbath, que não consigo comentar, porque estou demasiado emocionado e invadido por memórias. Após a ovação, Ozzy deixa-nos na companhia de Zakk Wylde que, durante 15 minutos, faz todo o seu repertório de entretenimento, tocando em frente à plateia os solos de algumas das músicas que realizou com Ozzy. Um medley onde Zakk toca com a guitarra atrás das costas e com os dentes e onde reconhecemos músicas como “Miracle Man”, “Crazy Babies”, “Desire” e “Perry Mason”. Está na hora do solo de bateria ao estilo Bill Ward (histórico baterista dos Sabbath) de Tommy Clufetos, essencial mas enérgico.

The Madman volta ao palco com “I Don’t Wanna Change the World” e “Shot in the Dark”, até propor um acordo à plateia: “se vocês ficarem loucos, nós continuaremos a tocar”. É uma clara referência a “Crazy Train”, que gravo no Whatsapp para a minha irmã que me pede incessantemente notícias do concerto. Wylde muda de guitarra pela enésima vez, agora com duas alças para a super balada “Mama I’m Comin Home” antes do encerramento que, é desnecessário dizer, cabe a “Paranoid”, omnipresente no repertório de Ozzy.

Quando é o momento de ir embora, ouve-se no fundo “Changes” dos Black Sabbath. Começo a pensar que, no final, é certo que o tempo passa, que as coisas e as pessoas mudam, que existem mudanças, por vezes, tristes e assustadoras, mas também inevitáveis e necessárias. No entanto, por vezes, é bom pensar que algumas coisas e pessoas permanecem exatamente como são. Pensar que, de vez em quando, ainda há aquele tio maluco e extravagante que é capaz de te fazer ver o outro lado das coisas, que te faz esquecer que és um adulto, o trabalho, a renda e as contas para pagar. Que te faz lembrar que a vida também é ser tolo e imprudente, um pouco selvagem e parvo. Provavelmente Ozzy também mudou, mas a sua presença recorda o lado mais irracional da vida, o adolescente que, de vez em quando, quer sair. E é preciso não nos esquecermos dele. Viva o Príncipe da Escuridão!

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