Levante: O concerto intimista da artista italiana no Paradise Garage

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O fim-de-semana lisboeta apresentava-se intenso e recheado de eventos: as celebrações do ano novo chinês no Martim Moniz, o Carnaval em Torres Vedras e as noites de máscaras organizadas pelos vários espaços noturnos.

Todas boas opções, mas bastante cansativas. Entretanto, eu e a minha amiga fotógrafa Priscilla pensámos em como aproveitar o fim-de-semana e decidimos que era altura de matar as saudades de casa, sobretudo tendo a Itália a chegar a Portugal. A oportunidade foi o concerto da compatriota italiana Levante, nome artístico da autora e cantora Cristina Lagona, que no sábado passado, 10 de fevereiro, exibiu-se no Paradise Garage, em Lisboa, num concerto que faz parte da tour “Caos in Europa”. Se nunca ouviram falar sobre esta jovem artista, isso significa que não estão a seguir o Echo Boomer, malandros! Falámos sobre o assunto aqui.

Depois de uma imperial e uma bifana, binómio perfeito para um jantar rápido em estilo tuga, encontramo-nos sem dificuldades à frente do palco às 20.50h, com uma boa antecedência e mais duas imperiais para enganar a espera.

Nota-se de imediato uma forte presença de italianos, maioritariamente feminina, entre os 20 e os 30 anos. Os italianos aproximam-se e olham-se um a um: muitos deles têm caras conhecidas (a comunidade italiana é grande em Lisboa) e trocamos sorrisos de cortesia, histórias de Erasmus e de trabalho para multinacionais e memórias do “Belpaese” deixado pelos novos horizontes portugueses.

O Paradise Garage tem um estilo bastante simples e minimal: um espaço vazio no centro com dois balcões nos lados, armações de ferro e esferas espelhadas penduradas e sem mais decoração. Às 21h, as pessoas começam a chegar e o clube enche-se discretamente, mas não está cheio.

O burburinho caraterístico e barulhento dos italianos é interrompido por uma introdução de palavras sussurradas das quais reconhecemos imediatamente a voz gravada de Levante; as luzes apagam-se e ouvimos os primeiros gritos dos fãs mais animados.

São 21.20h. Levante não se faz tardar e entra sorrindo no palco do Paradise, onde ataca com a energética “Le Mille Me” do último álbum Nel caos di sostanze stupefacenti (2017). Imediatamente o refrão é apoiado por vozes femininas agudas com um forte sotaque italiano, que debaixo do palco não falham um verso. É o momento de “Non me ne frega niente”, sucesso de sonoridade electro-pop, um aviso contra a vulgaridade das redes sociais e os “moralistas de teclado”. Parece claro que foi um dos temas mais esperados, porque o público está particularmente recetivo.

A artista siciliana é capaz de interagir com o público, aproximando-se e estabelecendo imediatamente um clima de cumplicidade. Unânime com o tema da música, convida as pessoas a pararem de usar os smartphones para viverem um momento de música juntos.

Com “Sentivo le ali”, Levante mostra os seus dotes vocais, com alturas que evocam aqueles de Alanis Morisette. Pega na guitarra acústica em “1996 Le stagioni dell’amore” e em “Io ero io” e faz um salto ao passado tocando faixas do primeiro álbum Manuale di distruzione (2014), como “Sbadiglio”. E chegamos ao single “Pezzo di me” lançado com um featuring do músico italiano Max Gazzé, canção que brinca com os duplos sentidos linguísticos do insulto ao amor traído (Pezzo di me = Pedaço de mim = Pedaço de merda) porque “toda a gente gosta de palavrões!”, diz Levante. Segue-se “Cuori d’artificio”, uma faixa com tons de pop-rock.

Entre “Diamante”, “Lasciami”, “Contare fino a 10” e “Santa Rosalia”, Levante cria um relacionamento empático cada vez mais íntimo com o público, desculpando-se por não falar português, mas sorrindo timidamente, o que mostrava uma certa humildade.

Na comovente “Abbi cura di te” (título também do seu segundo álbum de 2015), que evoca as sonoridades dos Portishead, a emoção da artista funde-se com a do público (em particular a parte feminina): decide sair do palco para cantar com os seus convidados, cercada por smartphones que a filmam (cenário que me faz lembrar um episódio de Black Mirror). O calor é forte e toda gente a rodeia.

Apercebo-me que Levante é muito boa a representar histórias de mulheres, de inépcia e de ternura, de força e sacrifício. E isso é visível (muitas vão esperá-la depois do concerto para selfies, autógrafos e para conversar). Levante é sempre sorridente e agradece frequentemente, é tímida e auto-irónica, mas também bastante cuidadosa (e astuta) em captar as emoções do público.

Entretanto, o concerto continua com uma faixa sobre a tenacidade que é preciso ter na vida, “Duri come me”, seguindo-se “Memo” e com “Di tuà bontà” até à esperada “Alfonso” (o single que decretou o seu sucesso) irónica sobre a má sorte, e cantada a plenos pulmões por todo o público (Che vita di merdaaaa!). Chegamos quase ao fim com “Io ti maledico” e o beat direto de “Gesù Cristo sono io”, um dos seus últimos sucessos.

O concerto termina com “Caos”, originalmente um prelúdio no último álbum, mas que aqui se torna a nota de encerramento do diário musical de Levante, que agradece também aos músicos e técnicos. Sai às 22h50 após 90 minutos de concerto. O encore não chega, mas a música “Where is my mind?” dos Pixies sugere o fim.

Depois de alguns minutos, Levante regressa para um último abraço geral de despedida. Ouve as histórias de quem se mudou para Portugal, é curiosa e interessada. Os mais corajosos, especialmente os homens, convidam-na para ir ao Lux, o que ela recusa educadamente. Priscilla mostra-lhe as belas fotos tiradas.

Após a atuação esgotada de Madrid, o concerto de Lisboa é certamente mais íntimo. Levante não se importa muito: leva-se a sério e parece divertir-se. A banda que a acompanha fez o seu dever sem excessos e protagonismos, mas com uma boa presença cénica. Bons profissionais.

Apesar de alguma dificuldade em sentir minha a música e letras de Levante, devo reconhecer na artista siciliana uma certa delicadeza em tocar algumas cordas emocionais mais íntimas. Isto verificou-se na relação com o público, o que foi um ponto a favor para o sucesso do concerto. Na setlist de 21 músicas, faltou, provavelmente, a mais bonita “Finché morte non ci separi”, mas podemos ficar satisfeitos.

Ainda existem alguns concertos europeus antes da intensa digressão italiana, mas esperamos que a paixão que vimos na Paradise Garage acompanhe Levante e lhe traga boa sorte. Boa sorte, ragazza!


 

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