Juízo Final – Colin Stetson na Igreja de St. George, Lisboa

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Divina e profana, celeste e sombria, esperançosa e destrutiva. É de contrastes que se constrói a música de Colin Stetson, mago do saxofone e demais instrumentos de sopro (alguns deles adaptações de instrumentos de sopro ao som que procura, e por isso difíceis de apelidar). Foi isso que a sua estreia ao vivo em Lisboa nos provou.

Pela mão da Galeria Zé dos Bois, em jeito de celebração dos seus 25 anos de existência (obrigado, ZdB, por mais uma noite única), foi na belíssima e recatada Igreja de St. George, na Estrela, que Colin Stetson se estreou ao vivo em Lisboa, no passado dia 8 de abril. E elogia-se, mais uma vez, o levar a música a sítios menos convencionais. Ninguém estranhou que não restassem bilhetes, apesar de muitos terem tentado a sua sorte (e de não terem conseguido entrar). O local era perfeito para o que se seguiria.

Pouco depois da hora marcada, Colin Stetson sobe ao altar para celebrar a homilia noturna. Luzes apagadas, holofotes no altar e os fiéis em silêncio para se deixarem converter por “Spindrift”, do último álbum All This I Do For Glory (que seria a espinha dorsal do concerto). São 10 minutos de música contemplativa, celeste, que poderiam ser muitos mais, sem que ninguém desse por isso. A música de Stetson tem muito de cinematográfica (ou não tivesse já colaborado com diversas bandas sonoras), paisagística, que nos transporta para muito longe de onde nos encontramos. Fase divina e esperançosa do concerto, parte 1.

Stetson sabe que o mundo é feito de contrastes, e a sua música é bem fértil nesse caso, pois passamos dos campos floridos para as trevas e entranhas da Terra. Do sopro do seu saxofone (ou lá o que seria aquilo) e das batidas constantes (feitas com os seus dedos), atira-se aos tambores de guerra, numa espécie de chamamento de tropas. Estamos num campo de batalha, não dos convencionais, mas daqueles cheio de mitologia nórdica, onde cabem, até, “gritos” de elefantes (vêm-me à mente as batalhas dramáticas de Senhores dos Anéis, entre o bem e o mal). E sim, estou a falar a sério quando digo que sons de elefantes se podem percepcionar na sua música.

“Judges” é outra das músicas identificadas, caracterizada por um mundo industrializado, mecânico, robotizado. Seria perfeita para musicar o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.

Sem grandes interrupções (apesar de duas pequenas pausas para ganhar fôlego e descansar os braços – e nota-se, claramente, que a sua atuação tem muito de físico, de catarse), Colin apenas se dirigiu por duas vezes à plateia, aproveitando uma das pausas para agradecer aos presentes por ali estarem, num sítio tão belo para um concerto, e, posteriormente, para agradecer mais uma vez e lamentar por não ter a sua música em formato físico ou qualquer merchandising para que pudéssemos comprar (terá vendido tudo em Itália).

A parte final do concerto seria composta por “The Love It Took to Leave You”, música nova belíssima, com o que se poderiam descrever como lamentos de dor em loop, de uma melancolia extrema, e a fechar com outra música nova (que, perdoai-lhe, o escriba não identificou), longa, igualmente bela, a transportar-nos, a dada altura, para a profundeza dos oceanos, para um qualquer naufrágio dramático, sem qualquer ponta de melodramismo. Mais uma vez luz e escuridão de mãos dadas, como é a nossa existência.

1h10 de desempenho, imersivo, catártico, libertador. Os fiéis mostraram estar à altura. Não houve distrações, nem burburinhos, nem zunzuns. Apenas compenetramento, união, entre pregador e plateia. Mais um punhado de almas salvas do castigo divino.

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